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autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data07/01/2014
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Once Upon a Time in Wonderland é a série spin-off de Once Upon a Time que estreia em janeiro no Brasil, no canal Sony, dando sequência às produções para TV e cinema baseadas em contos de fadas.


Once Upon a Time in Wonderland
é mais uma produção que vem se juntar à recente leva de filmes e séries de fantasia baseados em contos de fada clássicos. É o chamado spin-off, baseado na série Once Upon a Time, também produzida pela ABC Television e, no Brasil, apresentada no canal Sony.


Sophie Lowe, como Alice, em Once Upon a Time in Wonderland (ABC TV).

Ainda que as duas séries utilizem personagens de contos e fábulas clássicas, coletadas pelos irmãos Grimm, por Charles Perrault, Hans Christian Andersen e outros, a visão apresentada nas séries têm mais a ver com as versões dos filmes e desenhos da Disney, também proprietária da ABC.
A nova série é baseada, é claro, na Alice, e não necessariamente a da versão original de Lewis Carroll. Como na série da qual se originou, ocorre um distanciamento dos contos e histórias originais e uma aproximação com a versão soft – com a possível exceção do Peter Pan da terceira temporada de Once Upon a Time, um vilão que deixa a rainha má no chinelo. Aliás, só para não perder o momento, que “maldição” mais besta a da rainha má gostosona; transportou os personagens dos contos de fada para o mundo real, criando a cidade de Storybrooke, mas, como eles não se lembram de nada do passado, continuam vivendo normalmente. E ela é rebaixada de rainha má para prefeita. Vai entender...
Os chamados contos de fada quase sempre têm estruturas narrativas parecidas nas quais a história, após algumas dificuldades e problemas enfrentados pelos personagens, chega ao fim. Geralmente, o final é feliz, como o jovem Henry, de Once Upon a Time, vive repetindo. Muitas vezes, os contos de fada terminam com alguma lição, ou ensinamento, ou moral, dependendo da versão.
Já os seriados têm de durar o máximo possível, atraindo a maior audiência possível, o que significa que não têm desfecho, não têm um fim próximo. Portanto, nada de final feliz, o que, por sua vez, vai contra a proposta dos contos de fada; e eles são contos porque não se estendem. A mensagem é transmitida, chega-se a uma conclusão e... The End.
Claro que são veículos diferentes, em épocas distintas. Mas seja como for, nessas séries qualquer felicidade não apenas não é final, não é para sempre, como dura pouco, porque novos problemas e aventuras têm de se apresentar. Assim, sempre há um ou vários, ou todos os personagens sofrendo com as maldades que se multiplicam.
As aventuras de Alice seguem o mesmo esquema narrativo de seu pai (ou mãe) Once Upon a Time; é estruturado da mesma forma, com flashbacks que mostram o caráter dos personagens e suas motivações, assim como suas transformações. A série mantém em comum com a original e com os contos de fada, situações que forçam essa definição de caráter; diante das mesmas opções na vida (ou opções semelhantes), os personagens podem seguir pelo caminho do mal ou do bem.


A Alice de Once Upon a Time in Wonderland, que vive um romance com o gênio da garrafa.

A série com Alice tem um complicador. Em Once Upon a Time é de se esperar o romance. Estamos falando da Bela Adormecida, Branca de Neve, do Príncipe Encantado, e por aí vai. Muitos contos de fada têm o ingrediente romântico em seu eixo, senão como tema principal, como auxiliar. A história original de Lewis Carroll não, o que deixa mais óbvia a aproximação com a versão Disney da história. Romance não faz parte das aventuras de Alice e não era intenção do autor que fizesse. Na série, a história é equiparada aos contos de fada que norteiam Once Upon a Time, e tudo é pasteurizado.
É claro que não é a primeira vez que isso é feito: na minissérie Alice e o Novo País das Maravilhas (Alice, 2009), Alice se apaixona pelo Chapeleiro Maluco. Em que pese o tom mais soturno da minissérie, as duas Alices são adultas, ao contrário da menina da história original.
A série Grimm (2011) segue por um caminho paralelo ao dos contos de fada, e não apenas com o nome – lembrando os irmãos Grimm – que define o guardião que tem como função manter o equilíbrio entre o mundo dos humanos e dos seres conhecidos como wesen. Estes são criaturas aparentemente saídas das histórias narradas pelos irmãos Grimm, mas que existem de fato, levando uma existência secreta ao lado dos humanos, que nada sabem deles.
O clima é bem mais sombrio e violento do que o de Once Upon a Time, e os próprios seres têm seus nomes em alemão, lembrando a origem de muitas das histórias que conhecemos hoje. Mas as referências não se limitam às histórias dos irmãos Grimm.

O cinema também seguiu na direção dos contos de fadas com vários filmes, muitos deles sofríveis ou mesmo péssimos.
Um dos piores é Branca de Neve e o Caçador (Snow White and the Huntsman, 2012), que poderia muito bem se chamar "Branca de Neve Muda e o Caçador Canastrão". Como o tema estava em alta, os produtores devem ter achado uma boa ideia juntar o bonitão Chris Hemsworth, famoso por seu papel como Thor (em Thor/ 2011, e em Os Vingadores/ 2012) e a insossa Kristen Stewart, da insípida série Crepúsculo. E adicionaram 170 milhões de dólares e a presença de Charlize Theron, como a rainha má, aqui chamada Ravenna. Aliás, 2012 deve ter sido um ano e tanto para Theron que, além desta porcaria, esteve (não digo atuou; foi mais uma passagem) em Prometheus. Ela deve ter faturado muito, mas os filmes e atuações são muito menos do que ela pode e merecia ter.
O pior é que uma segunda parte desta Branca de Neve está planejada para 2015.


Branca de Neve e o Caçador (Universal Pic.).

Igualmente horrendo é Espelho, Espelho Meu (Mirror, Mirror, 2012), com Julia Roberts. A vantagem – para os produtores, não para o público – é que o orçamento foi cerca de metade de Branca de Neve e o Caçador. Julia Roberts é a rainha, perdidaça num filme que não sabe se segue na direção da comédia ou drama. A Branca de Neve é Lily Collins, a atriz de Instrumentos Mortais: Cidade dos Ossos.


Lily Collins, como Branca de Neve, em Espelho, Espelho Meu (Imagem Filmes).

Antes dessas duas pérolas do cinema, chapeuzinho vermelho já fazia das suas em A Garota da Capa Vermelha (Red Riding Hood, 2011), mais uma vez transformando em romance juvenil um conto aterrorizante que, provavelmente, teve sua melhor adaptação pela escritora Angela Carter, com o conto A Companhia dos Lobos, do livro O Quarto do Barba-Azul, e que também foi produzido para o cinema e dirigido por Neil Jordan, em 1984.


Amanda Seyfried, em A Garota da Capa Vermelha (Warner Bros.).

Esta versão tem Leonardo Di Caprio como um dos produtores, e a boa atriz Amanda Seyfried como “a garota da capa vermelha”, leia-se, chapeuzinho vermelho. Ela ganhou até nome: Valerie. Esta chapeuzinho foi prometida em casamento a um sujeito, mas está apaixonada por outro; vive numa aldeia cercada por uma floresta onde vive um lobisomem (o lobo mau) que, de tempos em tempos, faz seus ataques às jovens locais. Depois de anos de uma paz com o lobisomem, oferecendo-lhe animais para ele se alimentar, o bichão rompe o acordo e os moradores chamam um caçador de lobisomens, o Padre Solomon (Oldman), que acaba instaurando um clima de terror e investigando os moradores para saber se algum deles é o lobis. As atuações são pífias, os diálogos insossos, a história confusa e com uma tentativa de tornar o tema mais moderninho. Nada funciona.
Em 2013, mais duas tentativas frouxas de adaptar contos de fadas. Uma delas foi com João e Maria: Caçadores de Bruxas (Hansel and Gretel: Witch Hunters).
Não saberia dizer exatamente qual é a intenção dos produtores ao “atualizarem” contos de fada, no caso o conto clássico de João e Maria, publicado pelos Irmãos Grimm em 1812, coletado a partir do folclore alemão. Na verdade, é um conto de terror; no original, os jovens irmãos João e Maria são levados pela mãe de criação para serem deixados na floresta e se virarem sozinhos, depois que a fome se espalhou pela região. O resto, todo mundo já sabe.


Versão século 21 de João e Maria: Gemma Arterton e Jeremy Renner, em João e Maria: Caçadores de Bruxas (Paramount Pic.).

O filme começa seguindo o conto original, mas continua apresentando João e Maria já adultos, transformados em “caçadores de bruxas”. A “atualização” do conto inclui os personagens utilizarem roupas mais modernas, de couro, e Gretel com modelitos justinhos; e armas estranhas, inexistentes na época em que a história supostamente se passa; além das capacidades acrobáticas nas lutas.
Nos filmes de hoje, não importa se a história se situa no passado, presente ou futuro, neste ou em outro planeta, nesta ou em outra dimensão; todos os personagens que lutam possuem as mesmas capacidades de dar saltos impossíveis e manejar armas brancas como se fossem samurais alucinados; todos têm olhos nas costas e matam seus adversários que se aproximam por trás sem pestanejar; todos sabem artes marciais que, diga-se de passagem, provavelmente nenhum europeu conhecia no século 19. E como tudo o que sobe ou voa sempre desce, todos os personagens caem ao chão como se fossem personagens de Matrix. Vocês conhecem a pose, que vem sendo repetida ad nauseam. Aparentemente, todos esses “recursos” servem para atrair o público mais jovem e/ou menos letrado, mais interessado nas lutas e na ação do que na história em si. O que é uma boa sacada, diga-se de passagem, já que a história não traz qualquer coisa de muito nova ou interessante. Então, dê-lhe porrada!
Na sequência dos eventos, os irmãos percorrem o país sendo contratados para livrar vilas e aldeias da presença indesejável das bruxas, que eles liquidam sem dó. Mas terão de enfrentar a ameaça maior: a bruxa Muriel, interpretada pela excelente Famke Janssen, que reúne centenas de bruxas para tentar dominar o pedaço. Gretel é a maravilhosa Gemma Arterton, e Hansel é o bonitão Jeremy Renner; ambos bons atores, mas reduzidos às porradas.
Para a qualidade final do filme, o resultado das “atualizações” é nulo, nada acrescentando. Ao contrário, iguala o filme a dezenas de outros filmes de ação e aventura, sem apresentar qualquer novidade ou profundidade de leitura. Claro que é para ser diversão leve, mas ainda assim poderia apresentar algo mais.
Outro filme é Jack, O Caçador de Gigantes (Jack, the Giant Slayer), produção com um orçamento monstruoso, beirando os 200 milhões de dólares, o que significa que os efeitos visuais são muito bons. A história adapta dois contos clássicos do folclore inglês: "Jack, o Matador de Gigantes", conto inglês que surgiu por volta de 1711; e "Jack e o Pé de Feijão", cuja primeira versão impressa conhecida é de 1807, sendo que a versão mais famosa é a de Joseph Jacobs, em English Fairy Tales (1890).


(Warner Bros.)

Para atrair mais público, aqui também surge um romance que não existe nas versões tradicionais, com o jovem fazendeiro Jack apaixonando-se pela jovem princesa. Claro que ele tem os feijões mágicos que crescem, subindo até um reino mágico onde existe não um, mas milhares de gigantes, que ameaçam o reino humano. E dê-lhe porrada e batalhas.
Aparentemente, o ciclo de adaptações de contos de fada está se encerrando, ainda que a Disney tenha anunciado para este ano a produção Maleficent, a história da vilã de A Bela Adormecida. Claro que outras produções menores sempre vão aparecer aqui e ali. Mas o fim do ciclo não é algo a se lamentar, uma vez que não trouxe qualquer produção a ser lembrada com carinho no futuro.