MONSTROS E ESQUISITICES NO CINEMA JAPONÊS
Parte I
Gilberto Schoereder
Violência sem limites! Roupas de borracha com zíperes nas costas! O horror, o horror... Monstros despejando sua fúria em forma de fogo e raios! Cidades são destruídas a tapas! Os horrendos vêm do espaço! Monstros estúpidos e babões! Loucura e violência, mas sem sexo! E muito mais. Estamos nos anos 1950, e a FC chegou ao cinema japonês.
Pobre Japão! Como todos já sabem, em 1945 o país foi abalado pelas duas explosões atômicas em Hiroshima e Nagasaki. Dez anos depois, e os nipônicos preparavam-se para invadir o mundo mais uma vez, agora com seus radinhos transistorizados. Mas o pesadelo não havia terminado.
Chegou o dia do Grande G! Sim, porque Godzila acordou, esfregou os olhos e bocejou. Por sua boca saíram os fogos radioativos e um bafo infernal, destruindo o que pintasse pela frente. O que não caía com seus raios, era liquidado no tapa ou no pisão. Quantas maquetes arrebentadas...
Godzila foi despertado pelos testes nucleares e, mais uma vez, os americanos têm a culpa. O monstrão iniciou uma caminhada de destruição em direção a Tóquio – provavelmente a cidade mais arrebentada na história do cinema – e não existe arma capaz de liquidá-lo. Mas os cientistas japoneses estavam um passo a frente. Afinal de contas, já haviam diminuído os rádios. São eles que encontram a fórmula para colocar o bichão para dormir. Resolveram não matá-lo, não porque eram bonzinhos, mas porque precisariam dele para outros filmes, faturando mais uma graninha.
Godzila mastiga Tóquio.
O filme de 1954 foi um produto da mente do diretor Inoshiro Honda e do especialista em efeitos especiais Eiji Tsuburaya, aquele que criaria Ultra Q, Ultraman e o resto da tropa. O projeto foi bancado pela Toho, que se tornou uma das mais conhecidas produtoras do mundo nos anos seguintes, conseguindo até mesmo invadir o poderoso mercado norte-americano com seus monstros e alienígenas.
Nos EUA, o Grande G tornou-se um dos preferidos entre os apreciadores de esquisitices, apesar de apresentar uma técnica já ultrapassada pelos efeitos de mestres como Ray Harryhausen: Godzila era representado por um homem vestindo uma roupa de borracha. O escolhido para suar feito um condenado às galés foi o próprio produtor, Tomoyuki Tanaka, que se vingou distribuindo porrada em tudo que se mexesse ou não.
O filme original tinha como principal objetivo tocar na ferida causada pelas explosões nucleares e a continuação das experiências, que assustavam o Japão mais que a qualquer outro país. Os godzilinhas que vieram depois traziam histórias dirigidas mais para o público juvenil do que para o adulto.
Godzila somente foi apresentado nos EUA em 1956, numa versão modificada, algo que os americanos adoravam fazer naquela época, inserindo algumas cenas com atores americanos e prejudicando o filme.
Mais Monstros
Por alguma razão misteriosa e esotérica, no segundo filme da série tiraram Inoshiro Honda da direção. O título original era Gojira No Gyakushu, mas por razões de direitos autorais, nos EUA o monstro foi chamado de Gigantis (55), mantendo Tsuburaya como o responsável pelos efeitos especiais.
O diretor, Motoyoshi Oda, não se deu muito bem, ainda que pouca coisa mudasse na história. Arranjaram mais um monstro – Angurus – para acompanhar Godzila, e resolveram também destruir Osaka, para que não ficassem falando que era perseguição a Tóquio.
Aprendendo a tática do sucesso, a Toho chamou Honda para dirigir o primeiro filme de monstros a cores, Rodan (1956), e se deu bem nas bilheterias. Rodan era uma espécie de pterodáctilo gigantesco capaz de voar a velocidades incríveis. Fazia um som estranho e, por onde passava, destruía tudo, causando violentas ondas de choque com suas asas gigantescas.
Rodan, em sua versão destruidora.
Como todo bom monstro, Rodan precisava ser destruído, assim como sua companheira – sim, ele tinha uma – e os ovos-filhinhos. Arranjaram então uma belíssima erupção de vulcão. Mas, como já disse, a Toho estava aprendendo a ser esperta, de modo que Rodan seria revivido mais tarde como um monstro bonzinho.
Esse tipo de filmes ficou conhecido como "Kaiju Eiga", e Godzila e Rodan foram a base para o que veio depois, estabelecendo o padrão.
Mas ainda tinha muito mais para acontecer.
Aliens
Depois que Godzila e Rodan abriram o caminho, a tapa, para a ficção científica e fantasia no cinema japonês, produtores, diretores e roteiristas sentiram que tudo era possível. Era só imaginar, por mais alucinado que fosse, que dava resultado.
Outra grande empresa, a Daiei, também entrou na dança e lançou Uchujin Tokyo Ni Arawaru (56). Apesar de também trazer algumas criaturas estranhas, não era um concorrente direto aos monstros da Toho, sendo inclusive considerado o primeiro filme "sério" de ficção científica feito no Japão. Apenas nos anos 1960 a Daiei iria entrar na competição comercial com a Toho. Sério ou não, o tema é quase o mesmo: alienígenas do planeta Paira vêm à Terra alertar contra o uso de armas nucleares – provavelmente eles viram o estrago que Godzila fez. Nada de novo, afinal alienígenas amigáveis já não eram novidade desde o início da década de 50, quando Klaatu desceu em Washington. Claro que os japoneses não iriam deixar por menos e criaram os aliens na forma de gigantescas estrelas do mar com um olho no centro. Juro! Para completar a bagunça, seu planeta está em curso de colisão com a Terra e eles precisam de nossa ajuda. Já!
O olhão arrebentando o Japão, de novo.
Outra grande produtora japonesa, a Toei, iria tornar-se um dos maiores nomes na produção de seriados de televisão, mas no cinema não conseguiu competir com a Toho. Chegou a lançar nas telas dois filmes no gênero: Gekko Kamen (58) e Yusei Oji (59), que eram uma edição de seriados da televisão.
Quem realmente dominou o mercado monstrífero nos cinemas foi a Toho. Em 1957, eles juntaram novamente Honda e Tsuburaya e lançaram Os Bárbaros Invadem a Terra (Chikyu Boeigun). Como o nome já diz, trata-se de uma invasão de alienígenas a Terra, num filme considerado por muitos críticos entre os melhores e mais importantes na FC japonesa, inclusive inspirando várias produções até mesmo nos EUA e Europa, com destaque para os efeitos especiais. Os extraterrestres – na tradução brasileira, os bárbaros – chegam ao planeta babando e querem transar com as mulheres daqui. Sentindo uma atração especial pelas japinhas, querem traçá-las na marra e, para ajudá-los na hercúlea tarefa, trazem seu próprio monstro, que é o pássaro robô gigante chamado Mogella.
Os Bárbaros Invadem a Terra, atrás de mulheres.
Apesar da fama do filme com os bárbaros tarados, melhor ainda é O Monstro da Bomba H (Bijo To Ekitai Ningen, 1958), dirigido por Honda e novamente com Tsuburaya nos efeitos. Ele retoma o tema dos testes nucleares, dessa vez criando um monstro líquido nojentão que se arrasta pelos bueiros e frestas da cidade, transformando as pessoas em gosmas como ele e tornando-as parte de seu corpo asqueroso. Existem cenas que se aproximam da alucinação, uma forma de filmar que o diretor utilizaria nos anos 1960.
O Monstro da Bomba H.
Pobre Tóquio
Em 1958, a Toho e Honda uniram suas forças mais uma vez para destruir a maquete de Tóquio. Dessa vez o responsável foi o monstro Baran – ou Varan, dependendo do ângulo pelo qual ele é visto – no filme Daikaiju Baran. De origem reptiliana como Godzila e bastante estúpido, Baran não está entre os mais populares. No filme, mais uma vez os americanos causam os problemas ao tentarem transformar água salgada em água fresca usando processos químicos. No final do século, o Japão se vingaria dessas pisadas de bola comprando grande parte dos EUA.
Mundos em Guerra.
Nos últimos anos da década de 50, a Toho estava nitidamente preocupada em atingir o mercado americano no queixo. Os filmes eram rodados de tal forma que estavam prontos para serem dublados. Atores americanos apareciam em papéis menores, ou nem tanto. Algumas produções eram rodadas com duas versões ao mesmo tempo, uma tática que Alemanha e França utilizaram no início do século 20.
Num dos últimos filmes da década, Mundos em Guerra (Uchu Daisenso, 1959), os alienígenas malvados que chegam à Terra destroem a Golden Gate, em São Francisco, torram Nova York, chupam a água de Veneza. Dessa vez, a maquete de Tóquio não apanha sozinha. Os japoneses é que vão à Lua brigar com os invasores. O excesso de cores e os cenários que lembram aqueles antigos brinquedos de plástico da Troll são de dar risada. Mas algumas pessoas dizem que foram feitos assim de propósito. Lembra os filmes italianos de Anthony Dawson (ou Antonio Margheriti), nos quais as bases terrestres pareciam um monte de panelinhas de plástico colorido, viradas de cabeça para baixo, e todos os botões acendiam luzes e faziam barulhos estranhos.
Seja como for, eram filmes bem recebidos pelo público alucinado. E, na década seguinte, a produção japonesa iria aumentar bastante.