Mal a 2ª Guerra Mundial tinha terminado e um novo terror já ameaçava o planeta. Dessa vez, o temor era de que ocorresse uma destruição que não deixaria pedra sobre pedra.
Se a aplicação da tecnologia de destruição durante a 1ª Guerra Mundial já causara profundas reações no imaginário popular, o poder de destruição mostrado na 2ª Guerra foi algo que ia além da imaginação das pessoas, especialmente após as explosões atômicas em Hiroxima e Nagasaki. Mas tentar imaginar a existência de centenas de bombas com tal poder de destruição, ameaçando suas vidas constantemente, é uma situação que pode alterar profundamente o comportamento das sociedades.
Uma das frases mais famosas sobre as guerras do futuro é atribuída a Albert Einstein. Ele disse: "Não sei com que armas a 3ª Guerra Mundial será travada, mas a 4ª Guerra Mundial será com paus e pedras".
Teste de arma nuclear no Atol de Bikini, em 1954 (Foto: United States Departament of Energy).
Simples e eficaz, Einstein resumia o medo da população do planeta em geral diante da ameaça nuclear, em particular dos dois grandes blocos liderados por Estados Unidos e União Soviética, cujos arsenais não pararam de aumentar ao longo dos anos 1950, 60 e 70.
Os anos 1950 e 60 foram particularmente preocupantes para as populações mundiais, mas especialmente para norte-americanos, europeus e asiáticos, os mais diretamente ameaçados pelas bombas nucleares, com poder de destruição cada vez maior, e com alcance cada vez mais amplo a partir do desenvolvimento de novos mísseis capazes de transportar os artefatos nucleares de um continente a outro.
Algumas pessoas dizem que a Guerra Fria, com tudo o que tinha de pior, inclusive a ameaça de destruição do planeta, foi um plano cuidadosamente armado pelas grandes potências para manter as populações sob controle, ou simplesmente para enganá-las, uma vez que a suposta “divisão” do mundo já teria sido decidida por EUA, URSS e Inglaterra antes mesmo do final da 2ª Guerra. Assim, o mundo nunca teria realmente corrido perigo de destruição. Outros dizem que isso faz parte do que se costumou chamar de "teorias conspiratórias", e que as nações beligerantes estavam, sim, prontas para realizar ataques nucleares massivos umas contra as outras, mesmo sabendo que isso implicaria que ninguém venceria a guerra. E que a próxima seria trava com paus e pedras.
Seja como for, o impacto dessa situação nas populações foi imenso, com o desenvolvimento de uma cultura em que a possibilidade de destruição total fazia parte do dia a dia.
Exemplo de abrigo nuclear nos EUA, por volta de 1957.
O fim do mundo por meio das bombas nucleares foi constante no cinema, na literatura, nos noticiários da televisão e no comportamento das pessoas. As pessoas construíam abrigos contra ataques nucleares no quintal de suas casas. Algumas empresas chegaram a oferecer abrigos pré-fabricados. Artigos como máscaras, contadores Geiger e sabe-se lá o que mais, eram disputados a tapa, já que não são exatamente o tipo de produto que se encontra no mercado da esquina.
Essa situação parece ter sido mais nítida nos EUA, mas abrigos existiam também na Europa.
O governo dos EUA tomou várias medidas preventivas, no sentido de preparar a população do país para qualquer eventualidade.
Uma delas foi um filme chamado Duck and Cover (numa tradução livre, "abaixe a cabeça e se proteja"), produzido em 1951 e apresentado no início de 1952 pela Defesa Civil dos EUA, e voltado para apresentação em escolas. O personagem central é a tartaruga Bert – a chamada dizia que ele é esperto, mas ele tem um abrigo nas costas; as pessoas precisavam aprender a encontrar um abrigo.
(Foto: PD/USGOV).
O filme veio na esteira de uma grande campanha publicitária do governo norte-americano, que afirmava que um ataque nuclear podia ocorrer a qualquer momento, sem aviso prévio. O medo de um conflito cresceu depois que a URSS começou seus testes nucleares em 1949.
No filme, Bert é ameaçado por um macaco segurando uma dinamite; pouco antes dela explodir, Bert se esconde em seu casco e, é claro, sai ileso da explosão. A seguir, um filme conta às crianças o que elas devem fazer ao perceberem o brilho que indica uma explosão atômica.
Acompanhando o filme, era realizado um treinamento nas escolas, o que incluía esconder-se debaixo das carteiras e cobrir a cabeça com um jornal: abaixe a cabeça e se proteja. O jornal, dizia-se, teoricamente protegeria a pessoa das radiações alfa, ainda que não tivesse qualquer efeito contra as radiações beta e gama, para não falar da onda de choque provocada pela detonação. E, para quem estivesse no chamado ground zero, o ponto de impacto, nenhuma medida teria a menor importância, porque seriam todos dizimados.
Revista em quadrinhos anticomunista publicada em 1947, pela Catechetical Guild Educational Society.
Para alguns críticos das medidas governamentais, estas tinham como objetivo simplesmente reforçar o "perigo vermelho", aumentando o medo do povo norte-americano com relação a tudo o que fosse comunista e favorecendo uma série de medidas políticas que se tornaram comuns ao longo da década de 50, como o mal afamado período do macartismo.
Calcula-se que milhões de estudantes norte-americanos passaram por esse treinamento nos anos 1950.
Outro documento oficial do governo dos EUA foi o folheto intitulado Survival Under Atomic Attack (Sobrevivência Sob Ataque Atômico), em 1950. O governo pretendia passar a ideia de que, de fato, a URSS podia e queria atacar os EUA a qualquer momento, e as pessoas precisavam saber o que fazer nesse caso. Como proteger as pessoas, alimentos e suprimento de água, além de cuidados para não sofrer queimaduras e como agir em caso de ser afetado por radiação.
Hoje em dia, as medidas apresentadas no folheto, assim como no filme Duck and Cover, seriam absolutamente inúteis, uma vez que as armas nucleares são muito mais potentes do que as da época; uma guerra nuclear atual dificilmente deixaria sobreviventes.
Os anos 1950/60 também viram o boom dos abrigos nucleares, caseiros e oficiais. Muitos abrigos foram construídos na Europa e EUA para receber altos funcionários dos governos em caso de guerra nuclear. Os abrigos caseiros podiam ser construídos segundo instruções fornecidas, em muitos casos, por órgãos do governo, ou aproveitando instalações já existentes nas casas e prédios, como porões.
Na União Soviética, em Moscou, talvez o maior abrigo nuclear subterrâneo fosse a própria linha do metrô, preparada para abrigar milhares de pessoas numa emergência.
Diz-se que na edição de novembro de 1961 da revista Fortune, um artigo fazia referência aos planos do então governador de Nova York, Nelson Rockfeller, do físico teórico Edward Teller – conhecido como o "pai da bomba de hidrogênio" e diretamente envolvido no Projeto Manhattan que criou a bomba atômica –, do futurista Herman Kahn e do deputado Chester E. Holifield, em construir uma rede de abrigos nucleares subterrâneos nos Estados Unidos, capazes de abrigar milhões de pessoas.
Kahn publicou On Thermonuclear War em 1960, obra na qual apresentava a guerra nuclear como um cenário possível e, ao contrário de muitos críticos da época, entendia que não representaria o fim do mundo. A humanidade continuaria, apesar da imensa destruição e da radioatividade.
Em grande parte foram as teorias de Kahn que levaram à doutrina MAD (Mutual Assured Destruction; destruição mútua garantida), que direcionou as "relações nucleares" entre EUA e URSS até a era Reagan e a "queda do muro". Basicamente, a doutrina estipulava que cada lado teria poder de destruição suficiente para eliminar seu oponente, de modo que cada um soubesse exatamente o que o esperava caso iniciasse uma guerra: ou seja, a devastação completa do planeta.
Teoricamente, essa situação impediria qualquer um de tomar a iniciativa, mas é óbvio que, na época, ninguém poderia ter certeza de que iria funcionar, de modo que a ameaça se mantinha.
O governo dos EUA lançou, em 1961, um panfleto oficial a respeito do que saber e fazer no caso de um ataque nuclear, o Fallout Protection, preparado pelo Departamento de Defesa e pela Defesa Civil. Diz-se que era mais direto e tratava o assunto com mais sinceridade do que o Survival Under Atomic Attack, dos anos 50; além do que, na época em que foi publicado as bombas já tinham maior poder de destruição, com as bombas de hidrogênio, e transportadas por mísseis balísticos intercontinentais. As informações referiam-se a armas nucleares, a queda de partículas radioativas (fallout) e como lidar com os problemas da radiação. Além disso, falava sobre os abrigos nucleares, aqueles especialmente preparados e os improvisados, além de dados importantes sobre alimentação.
Alguns especialistas chegaram a afirmar que a corrida armamentista dos anos 1960/70 foi o que derrubou o regime soviético da URSS e seus satélites, uma vez que, ao ampliar seu arsenal nuclear, os EUA forçaram o governo soviético a gastar um dinheiro que eles não tinham, quebrando o país economicamente.
Hoje em dia fala-se muito menos em abrigos nucleares. Na verdade, fala-se muito pouco em armas nucleares, a não ser quando são as do Paquistão, Índia, Coreia do Norte ou a possibilidade do Irã construir armamentos do gênero.
Durante a Guerra Fria, o governo do Canadá também construiu uma série de abrigos, os Emergency Government Headquarters, bunkers mais conhecidos como “Diefenbunkers”, uma vez que sua construção foi autorizada pelo primeiro-ministro na época, John Diefenbaker. Os abrigos subterrâneos foram construídos em segredo, em diferentes pontos do país, com grande capacidade de armazenagem de suprimentos e capazes de manter dezenas de pessoas por algumas semanas. Claro que os escolhidos para irem para os abrigos eram funcionários do governo.
Com o fim da Guerra Fria, os abrigos saíram de serviço, foram vendidos ou viraram museu.
A preocupação com um ataque nuclear não terminou completamente com o fim da Guerra Fria. Ainda nos anos 1980, o governo da Grã-Bretanha lançou um programa chamado Protect and Survive, que incluía folhetos, transmissões de rádio e filmes com informação pública.
Diz-se que os programas só seriam distribuídos em caso de emergência nacional, mas a informação vazou e a população exigiu que os folhetos e filmes fossem colocados à disposição. Se formos considerar o que os cientistas falavam a respeito de uma guerra nuclear no início dos anos 80, as informações são absolutamente inúteis, uma vez que ninguém poderia se proteger da catástrofe que se abateria sobre as nações, dado o absurdo aumento da potência das bombas nucleares e a quantidade delas disponível.