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ROBÔ TAMBÉM É HUMOR

ESPECIAIS/VE ROBÔS

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data10/10/2016
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Os robôs também foram utilizados, e muito, como forma de se fazer humor, em tentativas às vezes bem sucedidas, outras vezes nem tanto.

Certamente não foi a primeira utilização de um robô para fazer humor, mas uma das aparições mais patéticas é a do robô tralfamadoriano de As Sereias de Titã (The Sirens of Titan, 1959), clássico de Kurt Vonnegut Jr. Entre os inúmeros acontecimentos implausíveis e absurdos alinhavados por Vonnegut, está Salo, um robô que se encontra em Titã, pacientemente esperando por centenas de milhares de anos. Ocorre que sua nave quebrou e ele não tem peça de reposição. Então, entrou em contato com seus semelhantes, do outro lado do universo, e aguarda a chegada da peça para poder prosseguir viagem, levando uma mensagem para outro universo. Quando Salo finalmente consegue passar adiante a mensagem, ela consiste de apenas uma palavra: felicidades.
Mais do que isso, sabe-se que os habitantes do planeta Tralfamador (que também surge no livro Matadouro 5) influenciaram a história da Terra, sabe-se lá como, para que Salo pudesse receber a peça, reparar a nave e entregar a mensagem. Depois de entregá-la, ele se autodestrói. Assim, tudo o que aconteceu no planeta, desde o surgimento dos seres humanos, serviu apenas ao objetivo dos alienígenas de levaram uma mensagem de felicidades para o universo.
O livro é sensacional, e Vonnegut arruína qualquer pretensão humana à grandiosidade, denunciando a ignorância e arrogância dos terrestres com relação à sua história e feitos científicos.

 

 

                                              Bob Cummings e Julie Newmar, em My Living Doll (CBS Television).

Claro que a visão de Vonnegut sobre quase todos os assuntos sempre foi mais ácida, profunda, sarcástica, incisiva e engraçada do que praticamente tudo – OK, tudo mesmo! – que já foi produzido na televisão. Mas mesmo na TV existem produções melhores e piores. Uma das primeiras tentativas foi com a série My Living Doll (1964/1965), que durou apenas 26 episódios e não teve grande recepção do público e da crítica. Trazia a lindíssima Julie Newmar (a Mulher-Gato do seriado Batman) como Rhonda, ou a robô AF 709, um protótipo que passa a ser cuidado pelo psiquiatra interpretado por Bob Cummings. A ideia é orientar seu desenvolvimento mental e emocional; mas, como se poderia esperar de um seriado da época, é repleto de conceitos machistas sobre o “papel” da mulher na sociedade.

 

Holmes and Yoyo (Universal Television).

As tentativas de humor com robôs na TV têm momentos no mínimo maçantes, como na série Holmes and Yoyo (1976), que conseguiu durar ainda menos, com apenas 13 episódios. A série aparece em 33º lugar na lista da revista TV Guide dos 50 piores seriados de todos os tempos (aliás, a lista é algo que vale a pena conferir; tem seriados inacreditáveis. Veja aqui). O Yoyo do título é um robô, interpretado por John Shuck, que se junta a um parceiro humano (Richard B. Shull) na polícia, para combater o crime, etc e tal.

 

                                                              Super Vicki (20th Century Fox Television).

Já a xaropada Super Vicki (Small Wonder) durou mais, sabe-se lá como; foram quatro temporadas, de 1985 a 1989. Para quem não se lembra, Vicki é uma androide infantil criada por um cientista e levada para sua casa, na tentativa de fazer com que ela pudesse aprender comportamentos humanos. A série tem situações amenas, familiares, e os momentos de humor geralmente estavam associados à falta de entendimento que Vicki tinha das atividades humanas. Era chatíssimo. E nenhum dos robôs desses seriados chegou perto do humor do Robô de Perdidos no Espaço, já comentado na matéria "Os famosos".

As robôs e o cientista Vincent Price, em A Máquina de Fazer Biquinis (American International Pictures).


No cinema, os filmes A Máquina de Fazer Biquinis (Dr. Goldfoot and the Bikini Machine, 1965) e Bonecas Explosivas (Dr. Goldfoot and the Girls Bombs, 1966) também poderiam ser citados entre os filmes em que os robôs são utilizados para a dominação, mas o que prevalece é o humor leve, com uma certa gozação com os filmes de agentes secretos em voga na época.
O primeiro foi dirigido por Norman Taurog, conhecido por dirigir inúmeros filmes de Elvis Presley e de Jerry Lewis, além de uma lista impressionante de grandes nomes do cinema norte-americano. O doutor Goldfoot do título é nada menos do que Vincent Price, um cientista louco que constrói mulheres robôs com o objetivo de seduzir os homens poderosos do planeta. Também tem Frankie Avalon e Annette Funicello, mais conhecidos pelos chamados filmes da “turma da praia” (beach party films), dos anos 1960. Se não for levado a sério, pode até divertir, em particular com a atuação de Vincent Price.

Vincent Price como o cientista louco, construindo mais uma de suas "máquinas", em A Máquina de Fazer Biquinis.

Ele voltou encarnado no mesmo personagem no filme seguinte, dessa vez uma produção conjunta com a Itália, e dirigido pelo lendário Mario Bava, o que, infelizmente, não ajudou a história em nada (com o título em italiano Le Spie Vengono dal Semifreddo, uma brincadeira com o título O Espião que Veio do Frio, conhecida história de espionagem de John le Carré, filmada por Martin Ritt). O doutor maléfico quer provocar uma guerra entre os EUA e a URSS, e retorna à sua ideia de construir mulheres robôs gostosas que devem explodir assim que fizerem amor com os generais aos quais forem destinadas.

Vincent Prince mais uma vez analisa suas robôs em Bonecas Explosivas (American International Pictures).

Pelas imagens dá para perceber que não há qualquer diferença entre as mulheres robô do primeiro e do segundo filme.
Os filmes com o personagem Austin Powers também trazem robôs femininas (ou fembots) que lembram as que foram utilizadas pelo doutor Goldfoot. Elas também tem a função de atrair os homens, Powers em particular, e liquidá-los.

 

 

As fembots de Austin Powers, com seus sutiãs explosivos (New Line Cinema).

 


Douglas Adams também criou robôs interessantes. Sem dúvida, o principal deles foi Marvin, o androide paranoico, personagem da série de livros iniciada com O Guia do Mochileiro das Galáxias (The HitchHicker’s Guide to the Galaxy, 1979) e que teve sequência com O Restaurante do Fim do Universo (The Restaurant at the End of the Universe, 1980); Vida, Universo e Sabe Lá o Que Mais (Life, Universe and Everything, 1982); Até Mais, Valeu o Peixe (So Long, and Thanks for All the Fish, 1984); Praticamente Inofensiva (Mostly Harmless, 1992); e ainda o livro escrito por Eoin Colfer, E Tem Outra Coisa (And Another Thing, 2009).
Como todos os personagens desenvolvidos por Douglas Adams para a série de livros, Marvin é completamente alucinado. Ele sofre de profunda depressão, em grande parte porque tem (ou diz ter) um cérebro do tamanho de um planeta, sempre sem ter a oportunidade de utilizá-lo por completo. Ele está envolvido em inúmeras aventuras pelo universo, incluindo deslocamentos temporais. Sua visão única do universo pode fazer com que as criaturas (e também pelo menos uma ponte) cometam suicídio. Segundo Marvin, as suas viagens temporais o tornaram dezenas de vezes mais velho do que o próprio universo, uma afirmação que, é claro, só faz sentido na absoluta falta de sentido do universo de Douglas Adams. Só lendo para entender. Ou não.

 

 

 

 

 

 

 


Menos alucinado, mas igualmente engraçado, é Roderick, o robô que surge em dois livros com seu nome: Roderick (Roderick, 1980) e Roderick à Solta (Roderick at Random, or Further Education of a Young Machine, 1983), de John Sladek.
Roderick está entre os principais livros com robôs de todos os tempos. O crítico David Pringle, em seu livro The Ultimate Guide to Science Fiction, chegou a afirmar que se trata do livro “definitivo” sobre robôs. Pode até ser um exagero, mas certamente não está muito longe disso.
Roderick nasce como um projeto de uma universidade, mas em circunstâncias fraudulentas, uma vez que o projeto era parte de um golpe de um homem para arrecadar dinheiro para si mesmo. Só que um jovem consegue fazer com o cérebro de Roderick funcione, apesar de tudo. O robô é colocado num corpo com apenas um metro de altura e é “criado” numa casa de família como se fosse humano, apesar de não ter qualquer aspecto físico que indique isso. Ele passa os dias vendo televisão, e as referências populares formam sua personalidade inicial. Sladek narra muitos eventos do ponto de vista do robô e a partir do conhecimento televisivo que ele tem da vida, tentando conciliar a fantasia que conheceu nas séries, filmes e anúncios com o que vê ao seu redor.
Assim, Roderick vai se desenvolvendo, aprendendo a interagir com o mundo humano, passando de uma família a outra, jogado no mundo, passando de uma situação absurda e hilariante a outra, como ser raptado por ciganos e vendido a um sujeito que o coloca para ler a sorte num parque de diversões.
É um dos livros de ficção científica com mais situações de ironia, humor negro e sarcasmo, criticando a sociedade e suas normas, às vezes aproximando-se do ritmo alucinante dos melhores momentos de Kurt Vonnegut Jr., autor que é citado no início do livro.
Roderick chega a ir para um colégio de padres, no qual inferniza a vida dos coitados rebatendo os argumentos teológicos com sua lógica absoluta, inclusive tendo uma discussão com um padre que é fã de ficção científica e afirma categoricamente que Roderick não pode ser um robô porque não segue as Três Leis de Asimov, as quais Roderick simplesmente arrasa.
Até onde sei, os livros só foram publicados, em português, em Portugal, na coleção Argonauta, o que é uma pena. Merecia uma edição brasileira.