Como ocorre com tantos temas utilizados pela ficção científica, as histórias envolvendo alienígenas também servem para os autores falarem sobre o que há de melhor e de pior em nós, terrestres. Às vezes, as ações dos alienígenas são uma espécie de projeção de características humanas, apresentadas de forma exagerada ou não; outras vezes, elas são um contraponto às nossas próprias ações e características.
Neste especial Vimana vamos falar apenas sobre a presença de alienígenas em nosso planeta, deixando um pouco de lado quaisquer tipos de contatos ou interações entre terrestres e extraterrestres realizados fora da Terra, ou sem consequências imediatas para o planeta. E, mesmo deixando de lado essas histórias, o volume de livros e de filmes abordando a presença dos alienígenas na Terra é fabuloso. O cinema, em particular, parece ter abraçado o tema com volúpia. O resultado disso foi a produção tanto de obras excelentes quanto de produções paupérrimas.
(NASA/JPL-Caltech).
Em The Encyclopedia of Science Fiction, os autores do tema “Aliens” (Brian Stableford, Robert K.J. Killhefer e David Langford, em diferentes edições da enciclopédia), dizem que já faz bastante tempo que os escritores têm explorado as ricas oportunidades literárias oferecidas pela figura do alienígena, quer esses alienígenas que eles imaginam sejam muito diferentes ou não dos seres humanos. “Ocasionalmente, eles têm se esforçado para transmitir o sentido de uma mente alienígena que pense de forma diferente dos seres humanos”, entendendo que esse desafio tem sido frequentemente reconhecido como um dos mais difíceis que um escritor de FC pode encarar. Os escritores têm tentado de diversas maneiras descrever seres verdadeiramente alienígenas, seres que sejam o resultado de meios ambientes e histórias diferentes dos da Terra.
“A própria possibilidade de uma inteligência alienígena”, escrevem, “é uma provocação existencial, a substância da crise de identidade, e escritores de ficção têm explorado as implicações dos seres alienígenas desde que sua existência começou a ser seriamente considerada na protoficção científica do início do século 17”.
Stableford chegou a escrever que os primeiros contatos entre terrestres e alienígenas nesses primórdios da FC, não eram alienígenas genuínos, uma vez que, mesmo quando tinham outras formas, seus papéis eram facilmente reconhecíveis. Para ele, o conceito de formas de pensamento e de uma vida realmente alienígena começou a surgir ao final do século 19, como uma consequência natural das noções de evolução e de adaptação ao meio ambiente, iniciadas com Lamarck e desenvolvidas por Darwin.
Camille Flammarion, autor de Narrações do Infinito.
Existem vários antecedentes na literatura, mas Stableford e outros pesquisadores parecem concordar que o conceito da existência de seres alienígenas tornou-se popular com o famoso astrônomo francês Camille Flammarion, com sua obra de não ficção Os Mundos Imaginários e os Mundos Reais (Les Mondes Imaginaires et les Mondes Réels, 1865). Posteriormente, ele publicou Narrações do Infinito (Lumen, 1867), que ele chegou a chamar de “romance astronômico”, apresentando um diálogo entre um ser vivo e um morto, ou espírito. O livro apresenta relatos de vida em outros mundos e lida com o tema da reencarnação, uma vez que Flammarion estava intimamente relacionado com Allan Kardec e com a então nascente filosofia do Espiritismo.
Stableford cita ainda um livro do franco-belga J.H. Rosny Aîné, Les Xipéhuz (1887) como exemplo inicial de contato com uma forma de vida alienígena, mas na verdade a história se refere a um tipo de vida mineral que se desenvolve na própria Terra. O que Stableford considera, no entanto, é que tanto Aîné quanto Flammarion têm uma atitude positiva com relação aos seres alienígenas, mais evidenciado pelo livro de Aîné, Les Navigateurs de L’Infini (1925), no qual ocorre um relacionamento amoroso entre um humano e um ser de Marte com três pés e seis olhos.
“Na tradição dos filósofos evolucionistas franceses Lamarck e Bergson”, escreveu Stableford, “esses primeiros escritores franceses de FC encontraram um lugar semelhante para seres humanos e alienígenas em um grande plano evolucionário”.
O que não ocorreu, por exemplo, na Grã-Bretanha, “onde a filosofia evolucionista foi dominada por Darwin e Thomas Henry Huxley, que não viam nenhum grande plano evolucionário, mas apenas uma luta pela existência na qual o mais apto sobrevive e os demais se extinguem”. Dessa forma, quando os alienígenas passaram a ter um papel na literatura inglesa, foi como competidores, e necessariamente como inimigos da humanidade.
Os primeiros “inimigos” a surgirem nessa tradição foram os marcianos de A Guerra dos Mundos (The War of the Worlds, 1898), de H.G. Wells, ainda hoje um dos marcos da ficção científica, em um período em que o termo sequer existia. E os alienígenas invasores e monstruosos foram predominantes na ficção científica por muito tempo, em que pese algumas tentativas bem sucedidas em mostrar sociedades extraterrestres benévolas ou sem esse aspecto beligerante presente.
Arte para o livro Guerra dos Mundos, com as máquinas de guerra marcianas destruindo uma cidade na Inglaterra (edição belga de 1906, com ilustrações do brasileiro Henrique Alvim Corrêa).
Os autores da enciclopédia também ressaltam o fato de que a imagem dos alienígenas como invasores opressores rapidamente se tornou um clichê no gênero; e o livro de Wells também estipulou o padrão pelo qual os seres alienígenas passaram a ser frequentemente apresentados como monstros horrendos. Mas é claro que essas imagens dos alienígenas desprezam a abordagem mais ampla apresentada por H.G. Wells. “Ele emprega seus aliens como agentes de crítica social”, eles escrevem, “explicitamente invertendo o colonialismo sob o qual a sociedade britânica descansava. (...) Na tradição de Cyrano de Bergerac e Voltaire, Wells centrava-se intensamente na ameaça existencial representada por seus seres alienígenas, no rebaixamento radical da humanidade no plano da criação, quando os terrestres são forçados a assumir o papel de animais sendo caçados”.
Wells ainda produziria o que Stableford chamou de “a descrição clássica de uma sociedade alienígena em Os Primeiros Homens na Lua (The First Men in the Moon, 1901). Ele baseou essa sociedade na organização dos formigueiros, apresentando diferentes tipos físicos adaptados para funções específicas, ainda que também deu aos selenitas nomes e personalidades individuais, além de uma cultura tecnológica avançada. “A civilização dos selenitas”, escrevem os autores, “foi a sociedade alienígena mais completamente desenvolvida de sua época, apesar de que o impulso satírico ainda tenha guiado a concepção de vários elementos. Nesse ponto, a história tem mais em comum com os países imaginários de Jonathan Swift, nas Viagens de Gulliver, do que com as culturas alienígenas concebidas de formas complexas encontradas na FC posterior”.
Segundo Stableford, quando a FC surgiu como uma categoria independente, em particular nas revistas chamadas pulp, ela herdou os seres alienígenas, apresentados em sua versão ameaçadora, de modo que monstros e invasões alienígenas foram usados em larga escala, mas por motivos unicamente melodramáticos. Ele diz que as histórias com alienígenas ameaçadores, ainda que não tenham desaparecido, deixaram de ser dominantes após a Segunda Guerra Mundial, pelo menos no que diz respeito às publicadas nas principais revistas do gênero. As revistas menos conhecidas continuaram com as histórias repletas de clichês e extraterrestres monstruosos e, nesse ponto, foram seguidas de perto pelo cinema, que abraçou os seres monstruosos com muito entusiasmo.
Robert K.J. Killhefer e David Langford dizem que a fórmula “ameaça alienígena” não apenas oferece um material sem paralelo para o melodrama, mas também é a expressão mais direta do medo e do horror que muitos leitores sentem desde que a ideia de seres alienígenas se tornou objeto de especulações sérias. Daí os extraterrestres invasores jamais terem deixado de ocupar seu espaço na FC.
Talvez tenha contribuído para o sucesso das histórias do gênero a onda de avistamentos de UFOs que explodiu em todo o planeta após 1947 – para alguns ufólogos, considerado o ano 1 da ufologia. Foi nesse ano em que o piloto Kenneth Arnold relatou ter visto nove objetos voando em formação próximo ao Monte Rainier, nos EUA; sua história ganhou espaço inédito nos jornais, e sua descrição originou o termo “disco voador” (flying saucer ou flying disc); também foi o ano do incidente em Roswell, com a suposta queda de uma nave extraterrestre que teria sido levada pelos militares americanos para pesquisas. Nos anos seguintes, os avistamentos de OVNIs multiplicaram-se e ganharam espaço em jornais, revistas, rádio e televisão.
Porém, ao mesmo tempo em que os “monstros” invadiam as telas de cinema, muitas histórias de FC procuravam elaborar seres alienígenas mais complexos, mais convincentes e mais diferentes dos humanos, ainda que nem sempre com sucesso.
Tudo indica que algumas mudanças importantes na confecção das histórias acompanharam uma atenção maior aos problemas envolvendo as dificuldades de comunicação entre a raça humana e qualquer raça alienígena. Além disso, nos anos 1950 e 1960, cada vez mais temas ligados às chamadas ciências humanas, como a antropologia, por exemplo, passaram a ser consideradas pelos escritores, que começaram a tentar imaginar o choque inevitável proveniente do encontro de raças com desenvolvimentos culturais completamente distintos.
O escritor Clifford D. Simak, ao se referir sobre os conflitos entre terrestres e alienígenas na FC, levantou a questão de que não haveria necessidade econômica de qualquer tipo de ação dominadora de uma raça sobre outra, pois, uma vez que uma raça consiga realizar viagens espaciais, também deve ter conseguido uma fonte de energia que não será baseada nos recursos planetários naturais. Ao mesmo tempo, também terá alcançado uma administração populacional eficiente, de maneira a não precisar se expandir para obter mais espaço vital. Da mesma forma, não terá necessidade de escravizar populações, pois o trabalho será realizado por meio de máquinas e robôs. E isso valeria tanto para os contatos que partem dos terrestres quanto para os contatos de alienígenas com a Terra. Talvez mais com relação aos últimos, uma vez que os seres humanos nem sempre precisam de motivação de caráter econômico ou social para exercer a dominação sobre outros povos e raças.
Mas como nossos próprios conceitos de sociedade são constantemente transferidos para as histórias, as invasões alienígenas continuaram, e continuam, é claro.
Nas matérias a seguir vamos ver algumas dessas invasões, mas também as histórias em que outros tipos de relações são estabelecidos entre os terrestres e os alienígenas que chegam ao nosso planeta.