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ROBÔS PARA TODO GOSTO

ESPECIAIS/VE ROBÔS

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data10/10/2016
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Entre aqueles temas que sempre são imediatamente associados à ficção científica, os robôs certamente estão entre os principais.

Talvez nenhum tema da ficção científica supere a popularidade das viagens e das naves espaciais, mas os homens de lata (ou de carne, ou outro material) estão na linha de frente. E além disso, mesmo quando não são os personagens centrais das histórias, estão sempre aparecendo.
Hoje em dia, os robôs da ficção começam a competir com os robôs reais que estão sendo desenvolvidos por inúmeras empresas, cada vez mais sofisticados. Mas é uma competição ainda injusta. Por enquanto, só na ficção científica é possível seguir as famosas “três leis da robótica” desenvolvidas por Isaac Asimov e, posteriormente, adotadas por inúmeros autores do gênero. Só nas histórias é possível ter robôs com inteligência artificial; ou com sentimentos quase iguais, ou exatamente iguais aos dos humanos. E, apesar das tentativas dos japoneses, os robôs para sexo ainda não se comparam com os robôs sexualmente ativos da ficção científica.


(FreeImages.com/ Greg Scherer).


Não sei se é possível dizer que a ficção antecipou a realidade, como tantos fãs do gênero gostam de pensar, sempre levantando situações em que a literatura saiu na frente, imaginando tecnologias que, mais tarde, seriam desenvolvidas pela ciência, mais ou menos próximas da ficção. No caso dos robôs utilizados para sexo, ora, estava mais do que na cara que esse seria um desenvolvimento que aconteceria. Seres humanos fazem de tudo para ter sexo. Ter um parceiro ou parceira de sexo que não tem dor de cabeça, não brocha e não trai? E ainda por cima poder escolher o modelo? Existem situações apresentadas na fc que têm um desenvolvimento na vida real, como o elevador imaginado por Arthur C. Clarke em As Fontes do Paraíso (The Fountains of Paradise, 1979), que rendeu a formação de grupos de discussão e pesquisa entre cientistas do mundo inteiro, que aguardavam o desenvolvimento da tecnologia necessária para tornar o projeto viável. Mas outras situações são apenas aquelas esperadas da natureza humana.



(FreeImages.com/Iva Villi).

Alguns críticos e autores já falaram sobre a natureza dos robôs e sua relação com os humanos, seguindo por diferentes vertentes de pensamento. Não é incomum ver os robôs da ficção científica como seres ameaçadores ou perigosos; para alguns críticos, essa postura é uma extensão da relação entre patrão e escravo, uma vez que os seres artificiais podem ser perfeitamente encarados como serviçais. Bráulio Tavares, em O que é ficção científica (Editora Brasiliense, 1986), escreve que “A relação homem/robô na fc muitas vezes não passa de uma reprodução das narrativas que giram em torno de um ‘patrão civilizado’ e um ‘criado primitivo’, onde um encarna a ‘cultura’ e o outro a ‘espontaneidade’; um comanda, o outro comenta”.
Para Tavares, não é mera coincidência o fato de a palavra robô derivar da palavra tcheca robota, “que significa escravo”. A origem do termo é, de fato tcheca, mas outros autores dão outro significado ao termo. Ele surgiu pela primeira vez na peça teatral R.U.R. (1920), do escritor Karel Capek; a sigla é a abreviação de Rossumovi Univerzální Roboti, ou Robôs Universais Rossum. Algumas fontes afirmam que a palavra robota significa “trabalho penoso”, em tcheco, e apenas “trabalho”, em eslovaco; outras fontes dizem que a tradução seria “trabalho forçado”. Claro que, como os seres foram criados para servir aos humanos sem questionar as ordens, podem ser encarados como escravos.

                                                         Cena da peça R.U.R., com três robôs no lado direito.

 

No caso dos seres da peça de Capek, eles são semelhantes aos humanos e ainda têm a capacidade de pensar por si mesmos, o que inevitavelmente leva a uma rebelião, na qual a raça humana é extinta.
Curiosamente, os robôs de R.U.R. não eram nada parecidos com os robôs que invadiriam a ficção científica, uma vez que eram seres biológicos, mais parecidos com aqueles que seriam definidos como androides.



No livro Visão Alienígena – Ensaios sobre ficção científica brasileira (Devir Livraria, 2010), no capítulo “Do Robô ao Ciborgue – Raça e nacionalidade na ficção científica brasileira”, a autora M. Elizabeth Ginway cita a caracterização de Gary K. Wolfe dos robôs na ficção científica americana como máquinas que “servem, suplantam e substituem funções humanas”, situação que “conduz ao medo da rebelião dos robôs e cria hostilidade entre humanos e máquinas típicas da ficção científica nos filmes dos anos cinquenta e sessenta”. Ela também entende que o gênero “frequentemente lida com alienígenas ou robôs como o Outro racial”.
Isaac Asimov, um dos nomes mais citados quando se fala sobre histórias envolvendo robôs, vê a questão sob outro ponto de vista. Como ele comenta em seu livro No Mundo da Ficção Científica (Asimov on Science Fiction, 1981. Francisco Alves Editora, 1984), desde os primórdios, “a máquina apresentou-se diante da humanidade com um duplo aspecto. Enquanto permanece inteiramente sob o controle dos homens, é útil e boa, e torna melhor sua vida. Todavia, a experiência do gênero humano nos informa (foi sempre essa a sua experiência desde tempos bastante remotos) que a tecnologia é cumulativa: as máquinas são invariavelmente aperfeiçoadas, e esse aperfeiçoamento inelutavelmente se processa no sentido de seu refinamento, em direção ao menor controle dos homens e ao crescente autocontrole dessas máquinas, o que ocorre em ritmo acelerado. À medida que se reduz o controle do homem sobre a máquina, esta se torna aterrorizadora, em grau exatamente proporcional à diminuição desse controle”.
Claro que esse ponto de vista não invalida aquele que vê a relação entre o tratamento dado aos robôs e aos escravos, mas Asimov ateve-se ao aspecto do desenvolvimento da tecnologia e da ciência envolvida nisso.

Em The Science Fiction Encyclopedia (1979), editado por Peter Nicholls, o escritor e crítico inglês Brian Stableford diz que as histórias publicadas na primeira década das revistas de ficção científica mostravam uma atitude ambivalente com relação aos robôs, de modo que não se pode dizer que eles eram apresentados preponderantemente como auxiliares da humanidade ou como ameaças.
Ainda assim, Isaac Asimov declarou que elaborou as famosas “Três Leis da Robótica” como uma resposta à “síndrome de Frankenstein”, ou seja, a crença de que toda vida criada artificialmente seja ameaça à existência humana, postura que, supostamente, marcava a ficção científica. Para Stableford, como dissemos, essa atitude não só não era generalizada, como sequer era muito evidente. Ele cita várias histórias que desmentem essa teoria. Por exemplo, ele explica que na época em que Asimov publicou sua primeira história apresentando um robô com cérebro positrônico – Strange Flayfellow, que apareceu na edição de setembro de 1940 da revista Super Science Stories, e posteriormente foi rebatizada com o título Robbie e publicada no clássico Eu, Robô (I, Robot, 1950) – já existiam várias histórias que apresentavam robôs “amáveis e altruísticos”.

É o caso do conto "Helen O’Loy", de Lester del Rey (1915-1993), publicado em 1938 na famosa revista Astounding Science Fiction. Também no conto A Volta do Robô (Robots Return, 1938. No Brasil, publicado em Máquinas que Pensam), de Robert Moore Williams (1907-1977), no qual robôs que exploram o espaço descobrem que, no passado, foram criados por seres humanos. O conto Rust (1939, Astounding Science Fiction), de Joseph E. Kelleam (1913-1975), é apresentado por Stableford como “uma tragédia robótica descrevendo o declínio da vida mecânica na Terra, até sua extinção”.
E o conto I, Robot, de Eando Binder (pseudônimo de Earl Andrew Binder e seu irmão Otto Binder), publicado em 1939 na revista Amazing Stories, é visto por Stableford como uma parábola antiFrankenstein. O próprio Asimov disse que o conto inspirou a criação de sua primeira história sobre robôs. Ele apresenta o robô Adam Link, que seria personagem de outras nove histórias até 1942. O mesmo título foi utilizado para a famosa coletânea de contos robóticos de Isaac Asimov, contra seu desejo. E também foi adaptado para a televisão no seriado clássico Quinta Dimensão (The Outer Limits), apresentado num episódio de 1964, com a história unindo os dois primeiros contos com Adam Link; o já citado e O Julgamento de Adam Link, Robô (The Trial of Adam Link, Robot, 1939). Quando a série foi reproduzida em 1995, esse episódio também foi apresentado (no Brasil, em DVD da Fox Vídeo). Leonard “Spock” Nimoy atua nas duas versões, em papéis diferentes.

 

 

À esquerda, o jovem Leonard Nimoy no episódio de Quinta Dimensão, em 1964. Acima, Nimoy volta a atuar na série atualizada, em 1995.


O ponto de vista de Brian Stableford é o de que nenhum dos robôs dessas histórias – e de outras mais desse período – “tinha construído em sua natureza o sistema ético desenvolvido por Asimov, mas nenhum deles pode ser acusado de ser um monstro assustador ou mesmo indesejável”.

Isaac Asimov disse que, em virtude do momento em que surgiu, a ficção científica assumiu um caráter otimista. “A relação entre o homem e a máquina era uma relação de uso e controle desta última”, ele escreveu. “Cresceu o poder do homem, e as máquinas eram seus fiéis instrumentos, trazendo-lhe a riqueza e a segurança e transportando-o aos mais remotos confins do universo”. Mas, segundo o escritor, a Segunda Guerra Mundial mudou tudo. “A ciência e a tecnologia, que prometiam um novo paraíso terrestre, revelaram-se capazes de nos dar um Inferno”. Dessa forma, tornou a crescer o temor de que o ser humano poderia ser suplantado pelas máquinas.
Na verdade, Asimov é um pouco confuso nesse ponto; em determinado momento, ele afirma que o otimismo nas histórias de ficção científica levaram a melhor, em grande parte graças à influência de John W. Campbell Jr. – para quem ainda não sabe, o editor da revista Astounding Science Fiction e uma das figuras mais importantes dos primórdios do gênero. Mas em outro momento, Asimov diz que o pessimismo acabou por triunfar, não apenas devido ao fato de que as máquinas tornaram-se cada vez mais assustadoras e o rápido progresso do computador. “Parecia que esse computador estava roubando a alma do homem. (...) O que a bomba nuclear pode fazer é destruir-nos, ao passo que o computador será capaz de suplantar-nos”.
O outro motivo, segundo Asimov, tem a ver com a visão que ele sempre teve das características que um escritor de ficção científica deveria ter; ele já chegou a falar que apenas quem entende de ciência poderia ser um autor do gênero, o que foi contestado por inúmeros críticos e escritores. Seja como for, Asimov entendeu que os novos escritores não só não tinham qualquer noção de ciência como não a compreendiam e, portanto, eram hostis à ciência. “Esses escritores”, ele disse, “mostravam-se muito mais propensos a aceitar o aspecto de temor na relação amor e medo que havia entre o homem e a máquina. Em resultado disso, a ficção científica contemporânea nos oferece, com muito maior frequência, e reiteradamente, o mito do filho que suplanta o pai. Zeus suplanta Cronos, Satanás suplanta Deus, a máquina triunfa sobre o homem”.

Tenho a certeza de que essa questão não se encerra tão facilmente e, certamente, é bem mais antiga do que a ficção científica. O próprio Asimov deu a dica quando falou que desde os primórdios a máquina apresentou-se diante da humanidade com um duplo aspecto. As mitologias terrestres estão repletas de exemplos de suplantação, como o próprio autor lembrou, de modo que parece mais uma situação recorrente e constante. Para não falar das questões de mercado que, a partir dos anos 1940, tornaram-se cada vez mais importantes para a definição do que vai ou não ser publicado.
Seja como for, nunca fiz (nem conheci) um levantamento, mesmo que incompleto, do número de histórias apresentando robôs suplantando humanos, comparado ao número de histórias de robôs ajudando humanos. Mas acho que daria empate.