Já citamos, na primeira matéria, a existência de uma ilha em A Epopeia de Gilgamés, para alguns historiadores da literatura, o livro mais antigo conhecido, de modo que o conceito de utilizar as ilhas como referência já vem de muito longe.
As ilhas são parte fundamental, por exemplo, das peripécias de Odisseu (ou Ulisses, como os romanos o chamavam), no clássico Odisseia, de Homero, já no século 9 a.C. Claro que, no caso de um grego antigo, é impossível escapar de referências a ilhas, uma vez que grande parte de seu mundo era composto por elas.
O poema épico conta a trajetória de Odisseu em seu retorno para casa, para a ilha de Ítaca, após ter passado 10 anos na guerra de Troia. A volta leva mais 10 anos, enquanto sua esposa, Penélope, e seu filho, Telêmaco, têm de lidar com os pretendentes à mão de Penélope, acreditando que Odisseu está morto.
Como a obra é parte importante da mitologia grega, as ilhas que vão surgindo ao longo de sua viagem estão repletas de criaturas fantásticas. Para completar, o deus Posseidon é inimigo de Odisseu, que é protegido pela deusa Atena.
Quando uma tormenta se abate sobre os navios de Odisseu, eles são levados à ilha dos comedores de lótus, cujos habitantes alimentam-se de, é claro, flores de lótus, que fazem com que eles se esqueçam dos cuidados mais básicos. Eles oferecem as flores a alguns homens que foram explorar o local, e que se esquecem de retornar. Odisseu tem de salvá-los.
Na ilha dos ciclopes, ele encontra o ciclope Polifemo, filho de Posseidon, entre os personagens mais marcantes da mitologia grega e romana. Eram seres gigantescos, com apenas um olho no centro da testa, e com um apetite por carne humana. Odisseu/Ulisses consegue escapar cegando-o com uma estaca de madeira. Na verdade, foi aí que começaram de fato os problemas para o herói, pois ele disse seu nome a Polifemo que, cego, contou a seu pai o que Ulisses tinha feito, de modo que Posseidon, deus dos mares, condenou Ulisses a viajar sem rumo por dez anos.
E mais: Ulisses chega à ilha Aiolia, onde vive o senhor dos ventos, Éolo, que lhe fornece um saco com todos os ventos; à ilha onde habita a feiticeira Circe, às presente na mitologia grega como uma deusa ou uma ninfa; à ilha Ogigis, onde vive a ninfa Calipso; à ilha das sereias, que atraem os navegantes com seu canto.
Bom, em dez anos dá para visitar um bocado de ilhas.
Jasão entregando o Velo de Ouro a Pélias (Cálice elaborado entre os anos 240-330. Museu do Louvre. Fotografia: Marie-Lan Nguyen, 2006).
Também da mitologia grega vem a história de Jasão e o Velo de Ouro, ou Jasão e os Argonautas. Ele lidera um grupo de navegantes, no navio Argos, numa jornada em busca do Velo de Ouro. Eles também passam por várias ilhas, como Lemnos, onde vive uma raça de mulheres que mataram seus maridos; os argonautas tomam concubinas entre as mulheres.
E encontram as sereias que, segundo se diz, são as mesmas que Ulisses encontrou em sua viagem e que vivem em três pequenas ilhas. Eles conseguem escapar da destruição porque um dos argonautas era Orfeu, o músico lendário que, com sua harpa, conseguiu tocar uma música mais linda do que o canto das sereias.
Na ilha de Creta, encontraram o gigante de bronze, Talos, que é derrotado por Medeia, esposa de Jasão.
Kirk Douglas, em Ulisses, sendo amarrado ao mastro para resistir ao canto das sereias (Lux Film/ Paramount Pictures/ Producciones Ponti-de Laurentiis).
Ulisses e seus companheiros, enfrentando o gigante Polifemo, em Ulisses.
No cinema, o épico Odisseia foi produzido em 1954, com o título Ulisses (Ulisse), com Kirk Douglas no papel principal e elenco que incluía Silvana Mangano e Anthony Quinn, com direção de Mario Camerini (e de Mario Bava, não creditada).
A produção conjunta dos EUA, Itália e França foi um sucesso de público, ainda que nem sempre muito bem recebida pela crítica, mas o filme tornou-se um dos clássicos do gênero, mostrando Ulisses enfrentando o ciclope Polifemo, a feiticeira Circe, e com o herói amarando-se ao mastro de seu navio para poder ouvir e resistir ao canto das sereias. E tem Kirk Douglas e Anthony Quinn, o que sempre é uma vantagem.
Os argonautas enfrentam o gigante Talos em Jasão e o Velo de Ouro (Columbia/ Sony).
Já as aventuras dos argonautas foram filmadas em 1963, em Jasão e o Velo de Ouro (Jason and the Argonauts. Em DVD, Sony), com direção de Don Chaffey, mas com destaque para os efeitos visuais de Ray Harryhausen (1920-2013), um dos pioneiros em sua arte e criador de um modelo inédito de animação pelo sistema stop-motion, muito repetido posteriormente.
Claro que existem muitas diferenças entre o enredo e situações apresentadas no filme e o mito original, mas lá estão o encontro dos argonautas com harpias, com a hidra de sete cabeças, e a visita à ilha dominada pelo gigante de bronze, Talos.
No ano 2000, a produtora Hallmark apresentou uma nova versão da história, feita para a televisão, Jasão e os Argonautas (Jason and the Argonauts), também apresentada no Brasil com o ridículo título A Vingança do Gladiador, acreditem. Foi uma produção muito mais cara – cerca de 30 milhões de dólares, contra 1 milhão do primeiro filme – com efeitos de última geração (na época), mas sem conseguir elaborar o mesmo ambiente de fantasia e magia do original. Ainda traz um elenco que se saiu muito bem e os efeitos visuais da Jim Henson’s Creature Shop, a empresa de Jim Henson (1936-1990), o criador do The Muppet Show.