Segundo Peter Nicholls, a “ameaça alienígena” frequentemente foi apresentada em termos sexuais nas ilustrações da ficção científica que prevaleceram dos anos 1920 a 1940, ou até os anos 1950, e que tinham um aspecto sexual mais forte do que as histórias “água com açúcar” às quais se referiam.
Essas ilustrações tornaram-se comuns em particular nas capas das chamadas revistas pulp que invadiram o mercado norte-americano, trazendo não apenas histórias de ficção científica, mas de todos os gêneros e, às vezes, com escritores da categoria de Jack London.
Nicholls refere-se também ao que os americanos costumam chamar de “she-devil”, uma mulher demoníaca, uma femme fatale, “um arquétipo literário Vitoriano recorrente”, que surge ao longo da ficção científica pulp, especialmente nos livros de Edgar Rice Burroughs e em vários contos publicados na revista Planet Stories.
(Capa: Bruce Pennington/ New English Library).
Burroughs começou a ser publicado na revista pulp, The All-Story, que mais tarde se fundiria com a Argosy e, segundo John Eggeling, foi a revista mais prolífica na publicação de ficção científica no período anterior a 1926. A revista começou publicando Under the Moons of Mars, em 1912, história que posteriormente seria republicada em forma de livro com o título Uma Princesa de Marte (A Princess of Mars), inaugurando a série situada em Barsoom, o nome pelo qual os nativos chamam o planeta Marte.
Tanto nas histórias de Barsoom, com o herói John Carter, quanto as histórias de Tarzan, outro sucesso estrondoso que também começou a ser publicado em 1912 na The All-Story, surgem as mulheres perigosas, mas que não são ameaça para os heróis que as rejeitam. Adam Roberts escreveu sobre Tarzan: “É claro que ele é irresistível para as mulheres em termos sexuais; e é claro que tem força de vontade suficiente para não sucumbir a essa tentação. Os livros têm como base a crença de que essas duas coisas existem e são uma relação mútua determinada de forma muito precisa”. Isso tem a ver com o que Roberts disse que Burroughs emprega em suas histórias, “(...) a reinvenção da vontade de poder como heroína da ação”.
Capa da primeira edição da Planet Stories, com data "inverno de 1939" (ilustração de A. Drake), já com direito a tudo o que marcou a era das revistas, com mulheres em trajes sumários sendo ameaçadas por seres horrendos e um homem com seu equipamento espacial completo.
As revistas pulp foram importantes para a ficção científica, apesar de suas limitações. Adam Roberts lembra que a palavra “pulp” é “usada para indicar um tipo particular de história publicado em uma série de revistas vendidas em certo nicho de mercado”, e não se restringiam à ficção científica, atingindo também o público de aventuras em geral, policiais, faroestes e romances. “A essência da FC pulp não é o formato de revista, mas o preço reduzido”, devido ao tipo de papel utilizado em sua confecção – a polpa (pulp) de madeira tratada – e também pelos preços pagos aos escritores. “A linguagem pulp e sua enorme popularidade”, disse Roberts, “recriaram a FC. Dentro dessa forma bastante segmentada, eram publicadas histórias que apelavam para um público leitor de diversidade social cada vez maior. A ênfase estava na narrativa movimentada, nos personagens sólidos, em um código de ética binário de bem e mal, bem como (em particular nas pulp de FC) em locais exóticos, maravilhosos”. Roberts entende que “(...) o solo de apelo das pulps era afetivo em essência. Esses textos se propõem a engendrar certos sentimentos, com ênfase particular em entusiasmo, espanto, excitação sexual e autossatisfação, mediando a resposta emocional dos leitores por meio da tecnologia e ciência. (..) O que as pulps encarnam, de fato, é um profundo apego à estética da sensibilidade e, para ser mais específico, a uma versão masculinizada (às vezes hipermasculinizada) do venerável estilo do século XVIII”.
A capa da segunda edição da Planet Stories, com data "primavera de 1940". A ilustração não foi creditada, mas segue basicamente a mesma linha da anterior.
Roberts ainda se refere a uma “intensidade sentimental básica” com a qual as revistas pulp lidavam, que é o sexo “(...) quase sempre apresentado da perspectiva heterossexual e focada de um homem. (..) A ficção científica pulp tende a interpelar determinado tipo de leitor: jovem, do sexo masculino, libidinoso, aberto à atraente fantasia de que poderia existir outro mundo, ou outra época, em que ele teria maior sucesso sexual e individual do que na vida presente. Mediando a dimensão erótica por meio da tecnologização extrapolada, de forma sistemática, da sociedade, essas histórias concebem o sexo como vibrante e perigoso, ao mesmo tempo que o tornam (julgado pelos costumes sexuais do Ocidente na década de 1920 e 1930) magicamente acessível”.
A edição de outono de 1940 da Planet Stories (A. Drake).
Roberts diz que costumamos ter uma imagem mental das ilustrações para as revistas pulp como “(...) uma mulher seminua sendo resgatada de um monstruoso ataque pelo herói espacial de cara comprida. Não se trata de ilusão; há centenas de exemplos de tais visualizações. Mas as revistas pulp também eram capazes de representar a mulher atraente como uma perigosa femme fatale, às vezes roboticamente fatal”, no que concorda com o que Nicholls afirmou e que foi exposto anteriormente. Roberts continua dizendo que “De maneiras que as histórias reais não podiam expor de forma explícita, o erotismo da FC pulp está empenhado em abrir um espaço onde a ‘simples’ satisfação do desejo pode ser complicada por possibilidades que são tabus excitantes”. Para ele, “Todas as revistas pulp apresentam, de forma mais ou menos explícita, fantasia sexual codificada. O que é significativo na FC é o modo como seus espaços imaginários, diferenciados de forma mais radical, e suas vigorosas possibilidades tecnológicas servem de intermediários ao desejo erótico”.
Malcolm J. Edwards, em The Science Fiction Encyclopedia, diz que a Planet Stories, publicada entre 1939 e 1955, foi a epítome da ficção científica pulp, com capas extravagantes, chamativas, um exemplo perfeito do que Adam Roberts falou sobre as mulheres seminuas sendo resgatadas das garras de monstros. E com relação às histórias, quase sempre o conteúdo era o mesmo, com aventuras interplanetárias melodramáticas, ainda que, posteriormente, a revista tenha publicado contos de Poul Anderson e de Ray Bradbury, inclusive as primeiras histórias que iriam compor o clássico As Crônicas Marcianas (ver mais sobre o livro em O Caminho da Fé e Os Vizinhos); e também o primeiro conto publicado de Philip K. Dick, E Lá ao Fundo Vivem os Wubs (Beyond Lies the Wub, 1952. Em português, no livro A Máquina Preservadora), além de Theodore Sturgeon, Isaac Asimov, Clifford D. Simak, James Blish, Fredric Brown e Damon Knight.
No entanto, o clima criado pelas capas sempre prevaleceu, desde o primeiro número até o encerramento de suas atividades.
O exemplo citado por Harry Harrison, na capa da Planet Stories de novembro de 1953 (ilustração de Frank Kelly Freas).
A arte das capas das revistas pulp era importante a ponto de alguns críticos ressaltarem esse aspecto como sendo fundamental. O escritor e crítico de fc Harry Harrison chegou a escrever um livro sobre a representação visual no gênero, relacionado à sexualidade, em Great Balls of Fire: An Illustrated History of Sex in Science Fiction (1977), com um capítulo dedicado às pulp.
Em Encyclopedia of Science Fiction (1978), editado por Robert Holdstock, no capítulo “Machine as Hero” Harry Harrison falou sobre os trajes espaciais utilizados nas histórias de FC, comentando: “A principal mudança no design dos trajes espaciais começou com as pulps de space opera, particularmente em Planet Stories. Aqui nós encontramos o desenvolvimento e a aceitação quase instantânea do dimorfismo no espaço. Apesar de que uma pesquisa intensiva nunca descobriu esses fatos em uma história, é mais do que óbvio nas ilustrações e capas das revistas que homens e mulheres vestiam-se de forma completamente diferente para encarar os rigores do vácuo total. Os homens, com razão, usavam botas pesadas, roupas feitas de material grosso e flexível; luvas incômodas cobriam suas mãos, enquanto suas cabeças eram protegidas por capacetes transparentes semelhantes a aquários de peixes com pequenos tanques de ar. Com as mulheres não era assim! Elas usavam biquínis ou trajes de banho apertados que podiam ser vistos claramente uma vez que suas roupas espaciais eram feitas de celofane ou outra substância transparente. Suas luvas leves podiam ser usadas na ópera e elas ostentavam a interessante novidade das botas espaciais com saltos altos. O capacete de vidro era tudo o que dividiam com os homens”. Ele completa sua observação sarcástica afirmando que “É bem óbvio que isso tem mais a ver com sexo do que com ciência”.
Outra imagem que pode ser aplicada ao comentário de Harry Harrison (Capa: Earle Bergey).
Adam Roberts também tocou na questão, dizendo que, sob certos aspectos, o componente visual da FC pulp era mais importante do que o componente prosa. “As revistas colocavam nas capas”, ele escreveu, “uma gravura atraente, brilhante, multicolorida, para chamar a atenção dos potenciais compradores, e as histórias em seu interior eram ilustradas em preto e branco”. E, claro, as imagens em preto e branco do interior tinham a ver com a redução do custo com o papel de baixa qualidade. “Apesar da enorme variedade de imagens publicadas entre 1920 e 1950”, diz Roberts, “a maioria das pessoas faz uma ideia do que é uma capa típica de revista pulp. O tema envolveria com certeza homens heroicos, mulheres atraentes seminuas e alienígenas monstruosos ou robôs retratados em plena ação”. E também foi nas capas dessas revistas que ficaram consagrados os chamados “monstros de olhos esbugalhados”, muitas vezes ameaçando mulheres seminuas.
Um exemplo significativo das capas da Planet Stories: a mulher em trajes sumários ameaçada por um "monstro de olhos esbugalhados" (ilustração de Leydenfrost).
Nesse ambiente masculino das revistas pulp, era de se imaginar que a imagem da mulher como perigosa, dominadora, seria uma fantasia exclusivamente masculina, mas, como explicou Peter Nicholls, também atraiu algumas escritoras, “(...) talvez”, ele disse, “porque é, no mínimo, uma imagem de poder em um mundo no qual, durante a era das revistas pulp, as mulheres eram relativamente impotentes”. Geralmente, quem se destaca nesse aspecto é Catherine Lucille Moore, que assinava apenas como C.L. Moore e, eventualmente, como Lawrence O’Donnell, e que se especializou em apresentar esses personagens característicos da época, especialmente nas histórias envolvendo o herói Northwest Smith, começando com Shambleau (1933), conto publicado na revista Weird Tales. Para Nicholls, a criatura semelhante à Medusa apresentada nessa história é o arquétipo da “mulher como horror sexual”.
(Capa: Margaret Brundage).
Mas Moore fez mais do que apenas reproduzir um tipo de história comum na época, também abrindo caminho para outras escritoras de FC e fantasia. Adam Roberts escreveu: “Moore publicou sua primeira obra em revistas pulp da década de 1930, ancorando sua fluência às vezes onírica em uma vivacidade emocional e sensual muito bem concretizada. Em sua história ‘The Black God’s Kiss’ [O Beijo do Deus Negro] (publicada em Weird Tales, 1934), uma guerreira desce ao Inferno para recuperar uma arma mortal, cuja natureza estranha está de fato telegrafada no título do conto. A história se destaca pela forma convincente como consegue levar seu estilo ‘espada e feitiçaria’ a uma sublimidade mais materialista, evocativa da grandiosidade da melhor tradição da Terra oca (...)”.
Roberts ainda faz referência ao seu conto No Woman Born (1944), publicado em Astounding Science Fiction, no qual uma bela atriz morre e é trazida de volta à vida em um corpo robótico. “Isso se configura”, diz Roberts, “como um milagre de real páthos, quando a protagonista retorna ao palco para tentar estancar o inevitável sentimento de perda de sua genuína humanidade. Mas, sem querer ser repetitivo, tamanha nuance emocional não era comum na vasta maioria das histórias pulp (...)”.
Essa situação começou a passar por alguma transformação também em histórias publicadas nas revistas, em particular com as obras de Philip José Farmer e Theodore Sturgeon nos anos 1950.