Harpias na Floresta dos Suicidas (Gustave Doré).
Os monstros e demais seres fantásticos estão entre nós desde sempre. Às vezes, alimentando-se de seres humanos, ou de seus medos, outras vezes, ajudando-os em suas tarefas e fornecendo conhecimentos importantes sobre o mundo.
Eles tanto foram criados em pesadelos quanto em contatos inusitados com a realidade, com suas formas e objetivos sendo ampliados pela imaginação fértil, formando mitologias, que se tornaram parte essencial da cultura humana no planeta.
São monstros dos mais variados tipos, tamanhos e objetivos, que vêm apavorando as noites – e, muitas vezes, os dias – dos seres humanos há milhares de anos. E, ainda assim, com todo o avanço da ciência e da psicologia, que passou a explicar muito sobre esses seres, eles continuam sendo uma atração em nossas vidas. Algumas vezes, passando a fazer parte do imaginário e do entretenimento, povoando, não apenas pesadelos, mas telas de cinema e um número incontável de páginas de livros.
A história, como já foi dito, é antiga, remontando às primeiras civilizações da Terra e, provavelmente, antes disso. Mas foi nas culturas mais elaboradas, que começaram a se formar pelo globo, que os monstros ganharam formas definidas e terríveis.
No Oriente Médio, as civilizações da Suméria, Babilônia e Pérsia gravaram animais fantásticos em paredes e portais ou falaram sobre eles em narrativas como A Epopeia de Gilgamés, tido como um dos mais antigos textos do planeta – se não for o mais antigo texto.
Foi na região da Mesopotâmia que os demônios – que nada mais são do que monstros – nasceram e ganharam formas e funções definidas, passando a ter uma ação fundamental sobre a vida das pessoas, geralmente para o mal. Seres que mesclavam formas humanas e animais também foram elaborados como protetores, como no caso do lamassu, entidade defensora, com corpo de touro ou leão, asas de águia e cabeça humana; um monstro, sem dúvida, para apavorar invasores de lares ou, em períodos posteriores da história da região, para servir como protetor de reis.
Sirrush, criatura semelhante ao dragão da mitologia da Mesopotâmia, em gravação no Portal de Ishtar (Foto: Allie Caulfield/ Wikimedia).
E, também, aqueles que, um dia, foram deuses criadores e protetores transformaram-se em demônios. Historiadores costumam afirmar que muitos dos demônios cristãos tiveram sua origem nos antigos deuses do Oriente Médio. Para falar a verdade, os deuses locais eram uma mistura de Bem e Mal, tanto ofertando a vida quanto aterrorizando quando algo lhes convinha. Quando as religiões monoteístas dominaram a região, os demais deuses foram definitivamente demonizados.
Um exemplo disso é a transformação de Belzebu, um dos demônios mais populares ainda hoje. Originariamente, Belzebu era um deus semítico, cujo nome tem suas raízes na denominação Baal Zabub, o deus da cidade de Ekron, sendo que baal era um título honorífico comum a vários deuses patronos de cidades. Com o surgimento da cristandade, ele passou a ser considerado um dos sete príncipes do inferno.
Além dos demônios, a Bíblia também conta histórias de gigantes, tema constante em várias mitologias do planeta, em particular nas dos países escandinavos. Em tempos mais recentes, pesquisadores como Erich von Däniken chegaram a sugerir que, em épocas remotas, a Terra teria abrigado uma civilização de gigantes, responsável por obras monumentais em pedra, cujos resquícios ainda poderiam ser encontrados, tais como as ruínas em Tiahuanaco, na Bolívia.
Os dragões, que se tornariam tão comuns nas narrativas lendárias da Europa Medieval, também já eram citados na Mesopotâmia e surgiam em algumas gravações, como as existentes no Portal de Ishtar, do atual Iraque, ou em uma gravação encontrada em um pergaminho da Babilônia, retratando o deus Marduk e seu dragão de estimação.
Um lamassu, divindade protetora da Mesopotâmia, do período Assírio (c. 721-705 a.C.), atualmente na Universidade de Chicago (Foto: Trjames/ Wikimedia).
Como se vê, os monstros de épocas mais distantes nem sempre eram vistos necessariamente como seres ruins, mas apenas eram observados como diferentes, sendo possuidores de imagens e capacidades que os distinguiam dos humanos, para o bem ou para o mal.
Na Grécia, os monstros ganharam novo status. Assim como os deuses, eles tiveram características mais definidas, interagindo intensamente com a humanidade. É o caso das harpias, que surgem como parte essencial do conto lendário sobre o rei Fineu (Phineas), da Trácia; das górgonas, criaturas femininas terríveis – das quais a mais conhecida ficou sendo Medusa, por ser a única mortal –, que tinham serpentes como cabelos e podiam transformar as pessoas em pedra; ou da serpente de muitas cabeças, Hidra, combatida por Hércules.
Não podemos deixar de mencionar os famosos ciclopes, seres que possuíam apenas um olho, membros de uma raça de gigantes que existia no passado mitológico das raças; e o Minotauro, criatura com corpo de homem e cabeça de touro, que habitava o labirinto de Creta.
Das Lendas para os Mapas
O mappa mundi da Catedral de Hereford, atribuído a Richard de Haldingham (c. 1300).
Seres estranhos também começaram a aparecer em livros de história, de geografia e em mapas do mundo. Uma das primeiras referências nesse sentido é o título História Natural, do romano Plínio, o Velho (23-79), por volta do ano 79. Na obra, ele cita o ser que chamou de basilisco, tido como o “rei dos répteis”. Na narrativa original, era uma criatura pequena e extremamente venenosa. A descrição avançou durante a Idade Média, de modo que o basilisco cresceu, tornando-se quase um dragão, em alguns casos, e um ser com cabeça de galo, em outros, mas, ainda assim, capaz de matar apenas com o olhar.
Os viajantes europeus da Idade Média foram quase imbatíveis na narração e localização de seres estranhos e monstruosos, que logo passaram a figurar em diversas obras da época.
Um dos mapas mais famosos, datando de cerca de 1300, é o que está exposto na Catedral de Hereford e atribuído a Richard de Haldingham. O mapa traz o Jardim do Éden no alto, de onde saem quatro rios dividindo a Terra. Em várias localidades, ele situa a existência de seres como os blemeyes, que teriam a boca e os olhos na altura do peito; os cinântropos, com a aparência de cães e cabeça humana; seus opostos, os cinocéfalos, com corpo humano e cabeça canina; os parvines, moradores da Etiópia, com quatro olhos; os monópodos, que possuiriam apenas um pé, gigantesco, com o qual se protegem do sol e correm a velocidades fantásticas. O grifo também surge nesse mapa, mas sua origem é anterior, remontando às lendas do Oriente Médio, com a cabeça e pescoço de águia, corpo de leão e garras afiadas.
Hoje em dia, apesar da ciência saber que esses seres jamais existiram, alguns pesquisadores entendem que as descrições podem ter se originado da confusão dos viajantes ao se depararem com animais desconhecidos na Europa.