Filmes com David Bowie são algumas das atrações do 16º Festival Cultura Inglesa, apresentado em São Paulo, Campinas, Santos, São José dos Campos e Sorocaba (festival.culturainglesasp.com.br).
O Homem Que Caiu na Terra (The Man Who Fell to Earth), filme dirigido por Nicolas Roeg em 1976, será apresentado em São Paulo nos dias 29 e 30 de maio (às 21 e 19h, respectivamente), no Cine Livraria Cultura. E é um filme sobre o qual vale a pena falar. E rever.
O jornal Folha de S. Paulo, na seção “Ilustrada” de 25 de maio, apresentou o filme como “Baseado em personagem de suas canções, Bowie é um alienígena andrógino que enriquece na Terra”. Ainda bem que não é nada disso. Sim, ele é alienígena. Sim, ele enriquece na Terra. Não, não é andrógino; apenas alienígena (a androginia fica, talvez, por conta do histórico do próprio Bowie, e não do personagem). Mas o filme é muito mais.
Na verdade, já é visto como um clássico do cinema de ficção científica, com história baseada no livro com o mesmo título, escrito pelo norte-americano Walter Tevis (1928-1984) em 1963. Foi publicado em português pela Editorial Caminho, de Portugal, e pela Editora Campo da Comunicação. Mais recentemente, no Brasil, pela Darkside.
O alienígena em questão chega à Terra com a missão de obter suprimento de água para seu planeta agonizante. Tudo indica que estudou razoavelmente nossa sociedade, porque se disfarça de humano e traz uma série de anéis de ouro para usar como dinheiro. Além disso, traz conceitos revolucionários que lhe rendem nove patentes de inventos básicos, capazes de transformar o planeta e, claro, torná-lo rico.
E pode-se dizer que, na história do cinema, poucos seres extraterrestres foram tão maltratados quanto Thomas Newton, o alien interpretado por Bowie. Muitos alienígenas realmente mereciam paulada, já que vinham para invadir, raptar mulheres, destruir monumentos, controlar nossas mentes ou apenas realizar a rotineira destruição de Tóquio.
Mas ele, não. Só quer salvar seu planeta, retornar para sua família, ser feliz novamente. A riqueza é absolutamente necessária em nossa sociedade, especialmente para quem quer construir uma nave espacial para voltar para casa. Ao contrário do ET de Spielberg, não é possível fazer uma ligação à distância e esperar por ajuda.
Claro que os humanos desconfiam dele. Ninguém surge do nada com nove inventos básicos, torna-se riquíssimo e resolve viajar pelas estrelas. No mais, Newton é tão estranho que, mesmo querendo passar despercebido, chama a atenção.
A construção do personagem solitário e angustiado, e sua eventual transformação nas mãos dos humanos, é espetacular e triste. Bowie compôs um dos extraterrestres mais perfeitos do cinema do gênero, um ser tão fraco que, em momento algum, consegue esboçar qualquer reação às maldades que são feitas com ele, psicológicas e físicas.
E essa transformação diz mais a respeito de nós mesmos do que sobre o alienígena, revelando a violência e a sede de poder dos terrestres. Deixa clara uma triste característica da civilização humana: a de reduzir tudo o que não entendemos e que é maior do que nós às nossas próprias dimensões, por mais insignificantes que sejam.
A impressão final é de que, mais do que um filme sobre um alienígena, é um filme sobre os terrestres. Newton vem à Terra para mostrar aos terrestres o que eles poderiam ter sido, caso se dedicassem a melhorar: seres inteligentes, sensíveis, educados e não violentos. Para alguns humanos, o contraste torna-se quase insuportável, e eles precisam agir para mudar a situação. Talvez, tornando o alienígena em terrestre, transformando suas esperanças numa miragem do que poderia ter sido sua vida. Como ocorre com os humanos.
Um filmaço, também lançado no Brasil em DVD pela Universal Pictures.
Música
David Bowie também deveria compor a trilha sonora do filme, mas isso acabou não acontecendo. O diretor Nicolas Roeg preferiu utilizar outro tipo de música, solicitada ao compositor John Phillips – líder do extinto grupo The Mamas and the Papas.
No entanto, algo dessa trilha pôde ser ouvida no disco Low, que Bowie lançou em 1977, e que traz a participação de Brian Eno. Uma foto do filme ilustra a capa do disco, nitidamente dividido em dois tipos distintos de canções. O Lado 2 trazia as músicas “viajantes” imaginadas para o filme, com vocalizações sensacionais.