O filme O Planeta Proibido (Forbidden Planet, 1956), além de ser um dos clássicos do gênero, também carrega o crédito de ter sido parte da inspiração de Gene Roddenberry para criar a série Jornada nas Estrelas (Star Trek, 1966-1969). No filme, é citada uma organização chamada United Planets (Planetas Unidos), mas o conceito não está no centro das atenções do enredo. Por outro lado, a Federação de Jornada nas Estrelas é praticamente um personagem a parte da série, sendo fundamental para quase todas as ações e eventos apresentados.
(Desilu Productions/ Norway Corporation/ Paramount Television).
A United Federation of Planets (Federação Unida dos Planetas) reúne diversas raças alienígenas, incluindo os humanos, em um sistema de cooperação e proteção contra governos violentos ou despóticos, como os impérios klingon e romulano – e, posteriormente, o Dominion –, para a exploração de novos mundos e novas raças. A Federação é dirigida por um Conselho no qual os planetas membros têm direito a voto. E também tem a Frota Estelar, que percorre a galáxia com diferentes missões, com a Enterprise como o centro das atenções.
Na série original, os klingons aparecem como inimigos constantes da Federação, mas em Jornada nas Estrelas: A Nova Geração (Star Trek: The Next Generation, 1987-1994) eles surgem como aliados e, eventualmente, passam a fazer parte da Federação. Posteriormente, até mesmo os romulanos aliam-se à Federação para enfrentar o Dominion.
Como ocorre com o conceito de impérios galácticos, existem críticos com relação à formação de uma federação galáctica, seja nos termos em que ela surge em Jornada nas Estrelas, seja em outros. Na série, a Federação aceita como membros até mesmo impérios que, por definição, seguem uma linha de governo totalmente oposta aos desejos da Federação que, por exemplo, não aceita entre seus integrantes governos ou sociedades nas quais exista discriminação de casta, sexo ou raça. Os membros também não podem ter registros de violação de direitos de raças conscientes.
Kurtwood Smith como o Presidente da Federação, e Lena Banks como sua assistente, em Jornada nas Estrelas VI: A Terra Desconhecida (1991/ Paramount Pictures).
Algumas das críticas referem-se ao provável sistema econômico da Federação, ainda que o mecanismo exato do comércio intergaláctico jamais tenha sido esclarecido em detalhes. Às vezes, parece que a Federação não lida mais diretamente com o dinheiro como nós conhecemos, mas outras vezes integrantes da Federação parecem comerciar com algum tipo de moeda.
A consideração por raças alienígenas que ainda não têm conhecimento da existência de outras raças no universo levou ao desenvolvimento da Primeira Diretiva, mecanismo que impede o contato da Federação e de quaisquer de seus membros com um planeta ou planetas nessas condições.
Reunião do Conselho da Federação, em Jornada nas Estrelas IV: A Volta para Casa (1986/ Paramount Pictures/ Industrial Light & Magic).
Apesar de a série não ter obtido um sucesso imediato, posteriormente tornou-se uma das mais conhecidas do gênero, e as sequências ajudaram a consolidar a ideia de uma possível federação unindo planetas e raças distintas, às vezes até mesmo com conceitos opostos no que diz respeito a religião, moral, ética e outros aspectos das civilizações envolvidas. Como desde seu início Jornada nas Estrelas lidou com questões pertinentes à sua época, exteriorizando-as no futuro e no espaço, a ideia de uma união desse tipo de certa forma estende a discussão sobre a possibilidade de raças totalmente diferentes conviverem em harmonia. Claro que ter uma Frota Estelar poderosa ajuda na observação dos preceitos federativos. Mas, ainda assim, a união parece ser boa para todos.
Como já citado em matérias anteriores, ainda que o conceito de federação galáctica já fosse amplamente utilizado pela literatura de FC, não há dúvida de que foi com Jornada nas Estrelas que ele se tornou popular, assumindo o papel de antagonista natural de qualquer império malévolo.
Ian McDiarmid como o Imperador Palpatine, em Star Wars, Episódio VI: O Retorno de Jedi (Lucasfilm).
E temos Guerra nas Estrelas (Star Wars, 1977), posteriormente rebatizado como Stars Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança. Foi o filme que popularizou definitivamente a noção do império galáctico malévolo, além de ter modificado o cinema de ficção científica para sempre – para o melhor e para o pior.
O filme, e suas sequências, tem hoje uma incontável legião de fãs, faturou bilhões de dólares, mas também despertou a ira de muitos críticos e também de fãs da FC considerada de mais qualidade, em particular a literatura do gênero. John Scalzi falou bastante sobre o filme e pode ser lido na matéria E Mais Algumas Naves.
Quando escreveram sobre o filme em The Science Fiction Encyclopedia, publicada cerca de dois anos após o lançamento do filme, John Brosnan e Peter Nicholls também realçaram o aspecto juvenil da produção, com destaque para os efeitos especiais, dizendo que Guerra nas Estrelas é um pastiche divertido que explora uma grande variedade de outros gêneros como os quadrinhos, os antigos seriados, faroestes, as histórias de James Bond, O Mágico de Oz, Branca de Neve, as aventuras de Errol Flynn e filmes sobre a Segunda Guerra Mundial. “O final, por exemplo, é roubado de Labaredas do Inferno (The Dam Busters, 1955”, dizem os críticos.
Darth Vader, em Guerra nas Estrelas (Lucasfilm/ Twentieth Century Fox).
“Lucas talvez não tenha sido bem sucedido em unificar todos esses diferentes elementos em um todo satisfatório”, continuam Brosnan e Nicholls, “e seu roteiro é extremamente juvenil, ainda que deliberadamente, mas o filme é sempre visualmente interessante. Os efeitos especiais, gratificantemente espetaculares, e a música marcial, hipnotizam a audiência levando a um estado de aceitação não crítica de um conflito entre o bem e o mal que é, basicamente, absurdo e deliberadamente em estilo pulp”.
Phil Hardy foi outro crítico que ressaltou os problemas do filme dizendo que “Em retrospecto, é fácil ver as falhas em Guerra nas Estrelas, ver que, mais do que inocente, é ingênuo, e que seus empréstimos são simplesmente ideias de outras pessoas postas em prática, mais do que alusões. Os significados presentes no filme não são intensificados por sabermos que C-3PO é baseado no robô em Metrópolis (1926); que a incursão de bombardeio à Estrela da Morte tem suas origens em Labaredas do Inferno e em Inferno nos Céus (633 Squadron, 1964); que as celebrações de vitória ao final foram copiadas de Triunfo da Vontade (Triumph des Willens, 1935) ou que a volta de Luke para a propriedade de seu tio e tia é uma citação de Rastros de Ódio (The Searchers, 1956)”.
A Estrela da Morte, em Guerra nas Estrelas.
Já Baird Searles, em seu livro Films of Science Fiction and Fantasy, apresenta um ponto de vista bem diferente da maioria dos críticos do gênero, entendendo que Guerra nas Estrelas foi a obra que tornou realidade todo o potencial do “filme espacial”, tanto em sua concepção como em uma produção física, com uma história que é uma extrapolação do romance medieval e um pouco dos faroestes clássicos nos quais tantos livros de ficção científica são baseados. “Como em tantas histórias de ficção científica”, diz Searles, “a fascinação reside menos no enredo do que na implicação de um universo complexo, cujos infinitos detalhes foram brilhantemente evocados. Da monumental Estrela da Morte (uma nave do tamanho de um mundo) a um bar sujo de um espaçoporto, esses detalhes forneceram a estranheza inventiva que tinha fascinado os leitores de ficção científica e que, até então, apenas tinha sido vistas pelo olho da mente”.
Claro que esse ponto de vista só reforça o que muitos críticos já vinham falando sobre o filme e sua posição antagônica à da produção de livros do gênero na época, retrocedendo a temas e propostas que remontavam às histórias pulp das décadas de 1920 e 1930.
Darth Vader e o Imperador, em O Império Contra-Ataca (Lucasfilm).
Para o público, como se sabe, isso não fez a menor diferença, e a série de filmes que se seguiram, assim como a imensidade de produtos ligados à série renderam, e ainda rendem, bilhões de dólares, movimentando multidões de seguidores, alguns tão fanáticos quanto torcedores de futebol.
No que diz respeito aos impérios da ficção científica, o de Guerra nas Estrelas pouco ou nada acrescenta. Não existem maiores explicações sobre como ele se sustenta, quais suas bases econômicas. A ligação evidente de tudo o que se refere ao império com o lado negro da Força é mais do que suficiente para apresentá-lo como uma representação básica de quaisquer impérios malignos do universo.
A caracterização está de acordo com o que Phil Hardy disse sobre o filme, ou seja, que o antigo seriado Flash Gordon (1936) foi sua principal inspiração, com o malévolo imperador Ming como o representante universal do Mal.
E todo império malévolo será ainda mais malévolo se tiver uma contraparte. No caso de Guerra nas Estrelas, a trilogia original, o império tem os rebeldes como inimigos, uma Aliança que tenta restaurar a antiga República, uma forma de governo galáctico mais democrática sobre a qual ficamos sabendo mais na segunda trilogia (cronologicamente anterior à trilogia original) que inicia com Star Wars, Episódio I: A Ameaça Fantasma (Star Wars: Episode I – The Phantom Menace, 1999). Na terceira trilogia, iniciada com Star Wars: O Despertar da Força (Star Wars: Episode VII – The Force Awakens, 2015), com ação iniciada 30 anos após a Guerra Civil Galáctica, vemos o ressurgimento de forças despóticas com a Primeira Ordem, formada por militares do Império insatisfeitos com a nova ordem da galáxia.
John Scalzi, que citamos mais acima, e que não é um grande fã dos filmes, também entende a importância do filme. “Em retrospecto”, ele diz, “é muito fácil ser um detrator de Lucas; e apesar de todos os golpes desferidos no filme sejam justificados, ele é inegavelmente um filme que definiu muito do cenário cultural do final do século 20. Também é um filme que cativou a imaginação de uma geração, e ampliou os horizontes da filmografia (para o melhor e para o pior)”.