A trilogia de Margaret Atwood começou com Oryx e Crake, teve sequência com O Ano do Dilúvio, e foi completada com esse Maddaddão. O livro é impenetrável para quem não leu os dois primeiros, que estabeleceram o ambiente de final do mundo no qual os personagens se movimentam.
Na verdade, a trilogia é pós-apocalíptica, mas também pré-apocalíptica, uma vez que a narrativa vai e volta no tempo, conforme os personagens tentam entender exatamente o que aconteceu, qual o seu papel nos eventos e como exatamente devem se comportar no mundo totalmente diferente que têm pela frente, sendo os poucos sobreviventes humanos da catástrofe que aniquilou a raça humana, cuidadosamente preparada por Crake.
Atwood fala tanto sobre um possível futuro quanto sobre nosso passado, a forma pela qual a humanidade destruiu o planeta aos poucos. O que Crake fez ao criar um vírus para acabar com tudo foi não só acelerar um processo já em andamento, mas abrir espaço para a nova raça que ele criou.
Em Maddaddão, os crakers, os seres pacíficos e curiosos criados pela engenharia genética, têm mais espaço na narrativa, com uma participação definitiva na sociedade futura, interagindo com os humanos e ouvindo deles as histórias sobre sua própria criação.
Esse é um dos aspectos mais interessantes do livro, ou seja, a forma pela qual uma mitologia é construída, a partir do nada. A narrativa é centrada nos personagens Toby e Zeb, e eles relembram o passado para contar aos crakers as histórias sobre Crake, Oryx e Jimmy-Homem das Neves. Totalmente alheios à sociedade humana e sem conhecimento da violência ou sentimentos de ódio e vingança, os crakers têm interpretações próprias para as histórias, às vezes recebendo informações truncadas ou mesmo erradas devido à impaciência de Toby com as intermináveis perguntas que eles fazem. Assim, Crake e Oryx se transformam em personagens míticos, invisíveis, mas sempre presentes, como deuses, especialmente Crake, seu Criador.
Crake é como um deus para os seres que criou, e é odiado por Jimmy (por vários motivos, além de ter destruído a humanidade) e por outros humanos que queriam continuar suas vidas, por piores que fossem, sem ter de lutar pela sobrevivência a cada dia. Às vezes, pode ser que o leitor tenha a sensação de que Crake foi longe demais, assumindo a posição de um deus ao tomar uma decisão gigantesca, mas Atwood é bem incisiva quando apresenta as mazelas da humanidade, sejam elas pessoais ou coletivas, o que de certa forma justifica tudo o que foi feito.
A impressão final é de que, talvez, o mundo realmente siga por um caminho melhor sem os humanos tão presentes, tão atuantes, com novas raças se desenvolvendo com uma visão diferente de como se relacionar com a natureza e com os demais seres do planeta.
MADDADDÃO (Maddaddam, 2013)
Editora Rocco
448 páginas