Entre os escritores das gerações anteriores às dos autores relacionados à new wave, possivelmente Robert A. Heinlein tenha sido o que mais abordou questões relativas a sexo, a começar pelo excelente conto All You Zombies (1959), publicado em The Magazine of Fantasy and Science Fiction. Nele, além de apresentar uma das histórias mais bem trabalhadas sobre viagens no tempo, em particular ao observar o conceito chamado de “arco fechado no tempo”, Heinlein utilizou o tema para também falar sobre relações sexuais.
Uma criança do sexo feminino é deixada em um orfanato em 1945 e vive ali até sua adolescência; em 1963, encontra um homem mais velho que a seduz, a engravida e desaparece. Quando ela tem a criança, ocorrem complicações no parto e os médicos descobrem que a jovem tem os órgãos internos tanto do sexo feminino quanto do masculino; como seus órgãos femininos ficaram prejudicados, os médicos fazem uma operação transgênero, ativando seus órgãos masculinos. Em seguida, o bebê é sequestrado por um homem misterioso, e não é mais encontrado. A mãe agora tem de viver como homem e começa a viver como escritor, assinando uma coluna em uma revista como Mãe Solteira.
Quando a história inicia, o jovem escritor está contando sua história a um barman, que lhe diz que pode ajudá-lo a encontrar o homem que a seduziu e obter sua vingança. O barman, um viajante do tempo, a leva para uma máquina do tempo, e eles retornam a 1963. Deixando o escritor naquela época, o barman vai a 1945, sequestra o bebê e o deixa em um orfanato, então avançando no tempo para 1963 para pegar o escritor, que ficou imediatamente atraído por sua versão feminina mais jovem, seduzindo-a e a engravidando.
O barman faz com que o escritor perceba que todas as pessoas são a mesma, inclusive o viajante do tempo. E ele deixa o escritor em um escritório do Departamento do Tempo, uma agência secreta que tem como missão alterar eventos ao longo da história para ajudar a raça humana. Na agência, o escritor é recrutado para ser um dos viajantes do tempo, e o ciclo se fecha. O viajante recrutou a si mesmo e, finalmente, pode descansar e parar de viajar no tempo.
A história foi adaptada para o cinema no excelente O Predestinado (Predestination, 2014), com a história seguindo muito de perto os eventos do conto, apenas com uma alteração ao final, que não prejudica em absoluto a história.
Costuma-se ressaltar que Robert A. Heinlein sempre apresentou em suas histórias seu pensamento a respeito da liberação sexual, do amor livre e da igualdade entre os sexos, mas nem todos concordam que essa igualdade apareça de forma desenvolvida, ou correta, em seus livros.
(Capa: Don Sibley). A edição sem cortes (Capa: Barclay Shaw/ Del Rey - Ballantine).
O livro Os Manipuladores (The Puppet Masters, 1951) também lida com o sexo de uma forma que considerada inconveniente para a época pelos editores, tanto que todas as referências sexuais foram cortadas da história, originalmente publicada em três partes na revista Galaxy Science Fiction. Em 1990, dois anos após a morte de Heinlein, a versão original foi publicada com o consentimento de sua viúva, e nela é mencionado que os homens possuídos pelos invasores extraterrestres perdem todo o interesse sexual; também foi reapresentada uma parte em que os invasores eventualmente descobrem a sexualidade humana e começam a realizar orgias que são até mesmo transmitidas pela televisão nas regiões que estão sob seu controle.
O livro mais citado de Heinlein certamente é Um Estranho Numa Terra Estranha (Stranger in a Strange Land, 1961), no qual desenvolve claramente o conceito do amor livre como parte integrante da religião que o marciano Michael Valentine Smith introduz na Terra (ver mais na matéria Novas Religiões). Mas a série de livros que apresentam o personagem Lazarus Long e seus familiares lida mais diretamente com as questões sexuais que marcaram a fase final da carreira de Heinlein.
(Capa: Hubert Rogers).
A série começou com a publicação do conto Methuselah’s Children (1941), na revista Astounding Science Fiction, posteriormente reescrito e publicado como o livro Os Filhos de Matusalém (Methuselah’s Children, 1958).
(Capa: Carl Lundgren/ Berkley Books).
Mas foi em Amor Sem Limites (Time Enough For Love, 1973) que ele contou a maior parte da história de Lazarus Long, o homem mais velho do universo, dois mil anos após os eventos de Os Filhos de Matusalém. Aqui, Lazarus viaja ao passado, ao ano em que nasceu, e chega a ter relações incestuosas com sua mãe. O crítico David Pringle disse: “Nesse livro longo demais e narcisista, o autor tenta amarrar muito de sua ficção anterior, com resultado infeliz”.
Adam Roberts escreveu: “Na época de Amor Sem Limites (...) uma novela árida e encorpada (mais ou menos mil páginas) sobre a interminável extensão da vida de um personagem porta-voz de Heinlein chamado Lazarus Long, a figura autoritária foi definida com mais precisão como o patriarca e o estudado não convencionalismo de Heinlein se contrai em uma fantasia sexista do ago mais óbvia. O incesto, com o qual essa novela está preocupada a ponto da obsessão, torna-se o objeto correspondente à crença tácita de que não há ninguém que Heinlein possa preferir a Heinlein em termos sexuais”.
(Capa: Boris Vallejo/ Ace - Putnam).
A saga da família terminou com o último livro escrito por Heinlein, To Sail Beyond the Sunset (1987), trazendo as memórias de Maureen Johnson Smith Long, mãe, amante e eventual esposa de Lazarus Long. Além do incesto com o filho viajante do tempo vindo do futuro, ela narra várias aventuras sexuais, inclusive o desejo que sente pelo pai, muitos jovens, maridos de outras mulheres, sessões de sexo grupal, além de encorajar o relacionamento sexual do seu marido com suas filhas, do qual ela também participa.
Um curto comentário de David Pringle diz muito sobre o livro: “Esse foi o último trabalho de Heinlein, e talvez seja mais gentil não dizer mais nada”. Certamente, em respeito ao que o autor fez de melhor, geralmente em sua primeira fase literária. A última fase de sua produção, que alguns críticos dizem ter se iniciado por volta de 1980 com a publicação de O Número do Monstro (The Number of the Beast), de acordo com Adam Roberts foi desprezado pelo crítico Darko Suvin em uma palavra: senilia.
Antes dessa fase, no entanto, Heinlein já produzia obras tão ruins e pesadas quanto Amor Sem Limites, como foi o caso de Não Temerei o Mal (I Will Fear No Evil, 1970), no qual um homem de 94 anos, riquíssimo, oferece uma fortuna para quem queira doar o corpo de um paciente que tenha morte cerebral decretada. Como ele não tinha especificado o sexo do corpo, seu cérebro é transplantado para o corpo de sua linda secretária que foi assassinada. Só que as coisas não saem como se esperava e ele descobre que a personalidade da mulher continua a existir, sabe-se lá como.
É uma desculpa para iniciar uma série de diálogos internos chatíssimos entre os dois, resolvidos a manter em segredo a existência da segunda personalidade. O homem, agora em um corpo de mulher, também aproveita para experimentar os prazeres sexuais de um novo ponto de vista. Eventualmente, eles decidem ter um filho a partir do esperma congelado do homem, e ainda recebem outra personalidade em seu cérebro. David Pringle considerou o livro enfadonho, obstinado, exagero e tolo.