Um dos grandes admiradores da obra de H.P. Lovecraft, o sensacional escritor argentino Jorge Luis Borges, também deu a sua contribuição na elaboração de cidades fantásticas.
Utilizando técnicas totalmente diferentes de Lovecraft, no livro Ficções (Ficciones, 1944) Borges imaginou uma cidade historicamente conhecida e a transformou em cenário fantástico, no conto A Loteria em Babilônia (La Lotería em Babilonia. Escrito originalmente em 1941 e publicado na revista Sur). É uma Babilônia mítica, na qual existe uma loteria, apresentada por Borges como uma metáfora. Inicialmente, essa loteria apenas oferecia prêmios, como qualquer outra, mas ela começa a crescer e tornar-se mais complexa, envolvendo inúmeros interesses, até chegar ao ponto de ser inteiramente comandada por uma Companhia, que passa a decidir a sorte e o destino de todas as pessoas.
Jorge Luis Borges (Foto: Grete Stern, 1951).
Em O Aleph (El Aleph, 1949), a cidade apresentada é a Cidade dos Imortais, no conto O Imortal (El Inmortal, 1947). Conta a história do soldado romano Marcus Flaminius Rufus, que encontra um homem, no Egito, que lhe conta sobre a existência de um rio cujas águas dão a imortalidade. O rio fica próximo à citada Cidade dos Imortais, e Rufus parte em sua busca na África, enfrentando muitas dificuldades. Ele acaba bebendo da água do rio por acaso, e encontra a Cidade dos Imortais, que não passa de ruínas e um imenso labirinto – um dos temas preferidos de Borges. A descrição da arquitetura do local lembra muito os temas de Lovecraft, uma vez que se diz que a arquitetura é tão diferente, ou insensata, que parece ter sido elaborada por deuses loucos.
A cidade é habitada por trogloditas, que são os Imortais que beberam das águas sujas do rio e não podem morrer. Um dos Imortais é Homero, e Rufus passa séculos vivendo entre eles, até ficar sabendo da existência de um rio que pode “tirar a imortalidade”, e que ele só encontra em 1921.
Como ocorre com praticamente tudo o que Borges escreveu, o conto oferece inúmeras interpretações (e elas existem; é só procurar), e mantém-se como uma dos grandes momentos da literatura fantástica.
AS CIDADES DE OZ
O escritor norte-americano L. Frank Baum (1856-1919) criou uma terra repleta de cidades fantásticas ao imaginar a Terra de Oz, que desenvolveu numa série de livros, dos quais certamente O Mágico de Oz, ou O Maravilhoso Mágico de Oz (The Wonderful Wizard of Oz, 1900) é o mais conhecido. Hoje, poucos títulos são encontrados no Brasil; além do citado: A Terra de Oz/ A Maravilhosa Terra de Oz (The Marvelous Land of Oz, 1904) e Ozma de Oz (Ozma of Oz, 1907) foram os que consegui encontrar. Além desses, a série ainda traz: Dorothy and the Wizard in Oz (1908); The Road to Oz (1909); The Emerald City of Oz (1910); The Patchwork Girl of Oz (1913); Tik-Tok of Oz (1914); The Scarecrow of Oz (1915); Rinkitink in Oz (1916); The Lost Princess of Oz (1917); The Tin Woodman of Oz (1918); The Magic of Oz (1919, publicado um mês após o falecimento de Baum); Glinda of Oz (1920,publicado postumamente). E, a partir de 1921, vários escritores deram continuidade às histórias situadas num dos mundos mais bem elaborados da literatura.
(Livros em inglês, capas das primeiras edições: ilustrações de John R. Neill/ 1908, 1909 e 1913).
(Capas das primeiras edições. Ilustrações de John R. Neill/ 1915, 1916, 1917, 1918 e 1919).
Capa da primeira edição (1910. Ilustração de John R. Neill).
Provavelmente é no livro The Emerald City of Oz que surge o maior número de cidades. L. Frank Baum tinha a intenção de finalizar a série com esse livro, de modo que ele traz muitas informações sobre a organização social, costumes e geografia do mundo de Oz. Uma delas é Bunbury, a cidade inteiramente comestível, com casas feitas de bolacha e telhados de wafers. Os próprios habitantes são bolinhos, pães e biscoitos, vivos é claro. A cidade fica no país de Quadling, na parte sul de Oz, assim como Fuddlecumjig, cidade habitada pelas pessoas que se dizem as mais curiosas de Oz e são feitas de pedaços de quebra-cabeças e têm de ser constantemente remontados, pois têm o costume de desmontar-se quando estranhos se aproximam ou quando escutam barulhos que os assustem.
Também situada em Quadling é Bunnybury, habitada por coelhos brancos inteligentes e civilizados e cercada por uma muralha de mármore, e a entrada de cães é proibida.
Outra cidade do país é Rigmarole, um dos postos de defesa de Oz, habitada por pessoas que só conseguem falar por meio de longos e complicados discursos. Outro posto de defesa de Oz é Flutterbudget Centre, cujos habitantes estão constantemente preocupados com qualquer coisa ruim que possa acontecer, sentimentos geralmente sem fundamento. Também em Quadling fica Cuttenclip, cidade feita de papel, inclusive seus habitantes. Eles foram feitos pela senhorita Cuttenclip, que recebeu de Glinda, a Boa, “papel vivo”, de modo que ela passou a recortar o papel na forma de pessoas e suas habitações. A cidade é protegida por um muro alto, para o vento não jogar pessoas e habitações pelos ares, e é protegida da chuva, por motivos igualmente óbvios.
Mapa de Oz, com os desertos à volta. Mostrado pela primeira vez em Tik-Tok of Oz, com desenho do próprio Frank L. Baum (1914).
Em Quadling também se destaca a cidade-Estado de Utensia, na parte norte do país, habitada por utensílios de cozinha e governada pelo Rei Kutelo, que é um, bem, cutelo de açougueiro.
No país de Munchkin, ou Munchkinlândia, na região leste de Oz, fica a famosa vila onde Dorothy aterrissou após ser levada pelo tornado. Também é onde fica a Cidade de Safira, capital das ilhas Ozure, tida como a principal cidade de Oz, após, é claro, a Cidade de Esmeralda. Por alguma razão, nos mapas apresentados pela editora a partir do livro Tik-Tok of Oz, Munchkin aparece a oeste.
No oeste fica o país de Winkie, das cidades de Thi e Herku, numa região pouco explorada de Oz. Sabe-se que a primeira é cercada por campos que mudam constantemente, fazendo com que os viajantes sigam na direção oposta. Seus habitantes têm o corpo em forma de coração e a cabeça em forma de diamante. Também se sabe que usam dragões mecânicos para puxar suas carroças. Já em Herku os habitantes utilizam uma substância que os torna ao mesmo tempo extremamente fortes e muito magros, e eles mantêm gigantes como seus escravos. Ao norte está o país Gillikin.
Mapa de Winkie, no livro The Lost Princess of Oz, já com a inversão entre leste e oeste. Feito por Frank L. Baum e ilustrado por John R. Neill (1917).
E, é claro, a Cidade de Esmeralda, ou Cidade Esmeralda, capital de Oz, situada em seu centro, morada da Princesa Ozma. Fica no final da estrada de tijolos amarelos. Segundo Baum, não existe cidade tão formidável quanto ela na Terra ou em outras histórias fantásticas. Tem mais de nove mil prédios e quase 60 mil habitantes, tendo sido construída pelo Mágico de Oz, ou o Mago de Oz, como é mais adequado se dizer. A cidade é citada em vários livros da série, mas a melhor e mais completa descrição encontra-se em The Emerald City of Oz.
No cinema, sem dúvida a versão mais famosa é O Mágico de Oz (The Wizard of Oz, 1939), o musical com Judy Garland, com direção de Victor Fleming. O filme tornou-se uma referência na cultura popular, com o interesse só aumentando com o passar do tempo, apesar de não ter ido tão bem de bilheteria na época de seu lançamento.
A chegada à Cidade de Esmeralda, em O Mágico de Oz (MGM).
A Cidade de Esmeralda é o objetivo final de Dorothy, seguindo pela estrada de tijolos amarelos, percurso no qual encontra seus companheiros de viagem, o Espantalho, o Homem de Lata e o Leão covarde, cada qual com suas expectativas com relação ao encontro com o Mágico de Oz, que poderá solucionar seus problemas.
Considerados à distância de tantos anos, os efeitos podem ser considerados banais, em particular a visão à distância da Cidade de Esmeralda. Porém, na época, foram um sucesso absoluto.
Mais recentemente, em 2013, utilizando os modernos recursos visuais, surgiu Oz: Mágico e Poderoso (Oz the Great and Powerful), dirigido por Sam Raimi, e com as boas presenças no elenco de James Franco, Mila Kunis e Rachel Weisz. O filme é baseado nas histórias clássicas de L. Frank Baum, com ação situada 20 anos antes do primeiro livro da série.
Oz, Mágico e Poderoso (Walt Disney Pictures).
Franco interpreta Oscar “Oz” Diggs, um mágico de um circo itinerante com propensão a se envolver em confusões, especialmente com mulheres. Para não ser morto por um marido enciumado, ele foge num balão que é sugado por um tornado, e vai parar no mundo de Oz, onde encontra a bruxa Theodora (Mila Kunis). Ela entende que ele é o poderoso mago anunciado por uma profecia e que deverá derrotar a bruxa má, responsável pela morte do Rei de Oz. Oscar envolve-se com as três bruxas e passa por muitas situações em que suas “habilidades” são necessárias para livrar o povo de Oz das maldades da bruxa má. Ainda que a história seja interessante, repetindo os bons momentos de humor do filme e da história original, o destaque fica mesmo para os efeitos especiais. É uma fantasia acima da média do que se fez em 2013.
A sensacional cidade das bonecas de porcelana, devastada pela bruxa, e a sobrevivente, em Oz, Mágico e Poderoso (Walt Disney Pictures).
Quem quer procurar por uma versão mais adulta e moderna, além de política, do mundo de Oz, é indispensável ler o sensacional Maligna, de Gregory Maguire.
CIDADES DE SONHOS E PESADELOS
Hoje em dia, o filme Demência (Dementia, 1953) é considerado cult, mas na época chegou a ter sua exibição proibida pelo New York State Censorship Board, só conseguindo uma exibição em 1955. Na época, a censura disse que o filme era “inumano, indecente e a quintessência do que há de mais nojento”. Claro que a censura nos anos 1950, nos EUA, era bem diferente do que é agora.
Demência (J.J. Parker Productions).
Foi filmado originalmente em preto e branco e sem qualquer diálogo ou narração, a qual foi adicionada posteriormente, com o título alterado para Daughter of Horror. A direção é atribuída a John Parker, também produtor do filme.
As filmagens foram realizadas em Venice, California, mas grande parte em estúdio, mostrando uma cidade de sonho, ou de pesadelo. A história segue a lógica de um sonho, ou a falta de lógica, centrando-se em torno de uma mulher (Adrienne Barrett), que acorda de um pesadelo num apartamento sórdido e, numa espécie de estado de transe, pega uma faca e perambula pela cidade à noite. Seu trajeto é repleto de sonhos dentro de sonhos, violentos. A faca surge em seus sonhos dentro do sonho, quando ela mata seu pai e, depois, esfaqueia um homem que tenta conquistá-la.
Duas cidades fantásticas, que podem ou não existirem em sonhos e pesadelos, são as que foram elaboradas pelos diretores franceses Marc Caro e Jean-Pierre Jeuneut, em dois filmes espetaculares: Delicatessen (Delicatessen, 1991) e Ladrão de Sonhos (La Cité des Enfants Perdus, 1995).
Delicatessen (UGC).
Algumas sinopses apontam Delicatessen como sendo situado numa França pós-apocalíptica, mas o clima é de pesadelo mesmo, com os diretores dando muita atenção ao aspecto visual de uma cidade indefinida, escura, lúgubre, com alguns dos personagens mais estranhos e, às vezes, engraçados do cinema francês. As pessoas vivem trancadas em seus apartamentos miseráveis e existe falta de comida. Um dos prédios decadentes é dirigido por um açougueiro, que tem uma loja no térreo e vende carne para seus inquilinos; a carne ele obtém das vítimas que atrai para o local com a promessa de emprego.
Um artista de circo desempregado vai trabalhar no local e a filha do açougueiro apaixona-se por ele, entrando em contato com a organização rebelde que vive nos subterrâneos, os Trogloditas, vegetarianos, para ajudá-lo.
Ladrão de Sonhos.
O cuidado com o aspecto visual também é fundamental na elaboração da cidade de Ladrão de Sonhos. A localização da cidade jamais é definida, mas a água está por todo lado, e as crianças locais estão desaparecendo, sendo raptadas pelos ciclopes, seres que só podem observar o nosso mundo através de uma lente especial colocada num dos olhos. Eles e outros seres grotescos estão a serviço de um cientista maluco que está roubando os sonhos das crianças, com objetivos nunca exatamente definidos.
Ron Perlman interpreta One, o sujeito musculoso e que quase não sabe falar, mas que tem um coração de ouro, e vai atrás de seu irmãozinho, sendo ajudado por um grupo de crianças ladras.
O filme é alucinante, composto por retalhos que, aos poucos, vão formando o quadro geral.
DO OUTRO LADO
Do outro lado pode ser qualquer coisa mesmo. Por exemplo, a Toontown, do excelente Uma Cilada Para Roger Rabbit (Who Framed Roger Rabbit?, 1988), dirigido por Robert Zemeckis. O filme é baseado no livro Who Censored Roger Rabbit?, escrito por Gary K. Wolf em 1981, e mostra um mundo dividido entre personagens humanos e dos desenhos animados, interagindo livremente.
Uma Cilada Para Roger Rabbit (Touchstone Pic./ Amblin Entert./ Buena Vista Pic.).
O coelho Roger, insanamente irritante e engraçado, é acusado de um crime e é ajudado pelo detetive Eddie Valiant (Bob Hoskins), que tenta encontrar o verdadeiro assassino. Eles se envolvem numa trama que ameaça a existência de Toontown, a cidade onde vivem todos os personagens dos desenhos animados. A trama ainda envolve Jessica Rabbit, a sensual esposa de Roger.
A fórmula de interação entre humanos e desenhos foi repetida em Mundo Proibido (Cool World, 1992), de Ralph Bakshi, um dos mais famosos diretores de filmes de animação desde sua estreia com Fritz the Cat, em 1972. Aqui ele parte da premissa de que o mundo dos desenhos animados é um universo paralelo.
Mundo Proibido (Paramount).
A trama envolve um cientista que consegue abrir passagens entre os dois mundos. Frank Harris (Brad Pitt) é transportado para o mundo dos desenhos, e a sensual Holli Would (Kim Basinger) pretende ter uma existência como humana, e para isso precisa da ajuda do desenhista que criou o mundo paralelo, Jack Deebs (Gabriel Byrne). Claro que a cidade no mundo paralelo é parecida com as nossas, mas só aparentemente; basta entrar na cidade para perceber que as coisas por lá são completamente diferentes, com uma arquitetura que mais parece uma alucinação.
Holli Would, em sua versão desenho, em Mundo Proibido.
O filme recebeu críticas bem variadas. Em The Encyclopedia of Fantasy, recebe elogios rasgados de John Grant, segundo o qual o filme é uma das maiores realizações do cinema fantástico. Já em The Ultimate Encyclopedia of Fantasy, editado por David Pringle, o filme recebe uma avaliação bem ruim, em particular devido ao enredo que não leva a lugar algum. E, de fato, o final é bem confuso.
Bem mais interessante, mas sem envolver personagens de desenhos animados, é o mundo do outro lado da televisão, em A Vida em Preto e Branco (Pleasantville, 1998), dirigido por Gary Ross.
A cidade do título original, Pleasantville, é o cenário de uma série de TV em preto e branco dos anos 1950, que o jovem David (Tobey Maguire) adora assistir. Ao contrário de sua irmã Jennifer (Reese Whiterspoon), ele é tímido e com poucos amigos. O controle da TV quebra quando os dois brigam para assistir a seus programas favoritos, e um homem misterioso aparece em sua porta para consertar a TV, entregando-lhes um novo controle. O aparelho faz com que os dois vão parar em Pleasantville, interagindo com os personagens em preto e branco como se eles também fizessem parte do programa.
Reese Whiterspoon e Tobey Maguire, no mundo da TV em A Vida em Preto e Branco, com Don Knotts na televisão (New Line Cinema).
As cores começam a surgir em Pleasantville, em A Vida em Preto e Branco.
O mais interessante do filme é a forma como os personagens interagem com esse mundo diferente e como o transformam, um processo lento que envolve igualmente a transformação da própria cidade e dos personagens de Pleasantville. Além disso, o elenco é excelente, com Jeff Daniels, Joan Allen, William H. Macy e a participação do ícone da comédia Don Knotts.
E para falar do outro lado da vida, que tal as cidades que surgem em Amor Além da Vida (What Dreams May Come, 1998), dirigido por Vincent Ward, a partir do livro de Richard Matheson, de 1978. E, às vezes, nem são exatamente cidades, mas um conjunto de memórias de uma ou mais pessoas, formando um conjunto fantástico de cores e formas arquitetônicas variadas, uma vez que no mundo além da vida as pessoas podem “compor” seus cenários, inclusive sua aparência.
Uma cidade espetacular em Amor Além da Vida (Polygram Filmed Entertainment/ Universal).
O filme foi um dos mais marcantes de sua época, com Robin Williams como o sujeito que vai fazer de tudo para resgatar sua esposa do local miserável no qual se encontra após ter se suicidado. Para o Espiritismo, trata-se do Umbral, no qual um espírito amargurado compõe o ambiente à sua volta, alheio a tudo mais.
Robin Williams, em Amor Além da Vida.
O filme tem um final bem mais feliz do que o apresentado no livro de Matheson, certamente por razões comerciais que todos já conhecemos. Ainda assim, é espetacular, em particular nas referências a pensamentos e tendências espirituais bastante variadas e, claro, os efeitos visuais deslumbrantes e criativos.
MAIS CIDADES
NADA É ETERNO (Nothing Lasts Forever, 1984)
Filme dirigido por Tom Schiller e produzido por Lorne Michaels, mais conhecido por ser o produtor da famosa série de humor da TV, Saturday Night Live. Traz no elenco Zach Galligan, Lauren Tom, Dan Aykroyd, Bill Murray e Imogene Coca.
O filme teve imensos problemas para ser exibido; a estreia no cinema foi adiada pela MGM, em 1984, e o filme jamais foi apresentado nos cinemas ou lançado em VHS ou DVD, até ser finalmente veiculado na televisão.
Beckett (Zach Galligan) esperando para fazer sua prova, com Toulouse Lautrec no banco de trás, em Nada é Eterno (MGM).
A presença de Michaels e dos comediantes Aykroyd, Murray e Imogene Coca já indica que se trata de um filme de humor, ainda que com uma história alucinante que gira em torno de Adam Beckett (Zach Galligan, o jovem ator de Gremlins), que está na Europa tentando a vida como artista, mas resolve retornar aos Estados Unidos, que enfrentam uma greve geral. Nova York, ou Gotham, está sendo dirigida pelas autoridades portuárias de forma quase fascista. Quem quer ser artista, como ele, deve prestar um exame, no qual ele é reprovado. No local do teste, esperando para ser chamado, nada menos do que Toulouse Lautrec. Ele vai trabalhar num túnel, envolve-se com artistas absolutamente ridículos e conhece um maltrapilho que o leva a um mundo subterrâneo onde estão, segundo diz, os verdadeiros governantes da cidade. Por acaso, acaba entrando num ônibus que leva um grupo de turistas para a Lua. O satélite terrestre faz parte de um esquema comercial hipócrita para vender mais produtos para as pessoas que sabem acerca da existência de vida no local; diz-se que o governo faz viagens para a Lua desde os anos 1950.
É um filme muito estranho mesmo. As filmagens em Manhattan e na Europa são em preto e branco, e na cidade subterrânea e na Lua, em cores. A cidade parece a Nova York dos anos 1950, mas a história se passa nos anos 1980. A Lua verdadeira, que é apresentada ao jovem por uma mulher pela qual ele se apaixona, parece um paraíso havaiano, enquanto a Lua apresentada aos turistas é cheia de rochas e areia falsa.
Nem sempre muito bem recebido pela crítica, é um dos filmes mais instigantes de sua época – ainda que pouco visto então – com um humor sutil e bem trabalhado, críticas inteligentes e sarcásticas.
TROUBLE IN MIND (Trouble in Mind, 1986)
Quando foi lançado em VHS no Brasil, o filme recebeu o mesmo título do original em inglês. Posteriormente, foi relançado como Vidas em Conflito (e, aparentemente, também apresentado como Vidas Sem Destino).
Kris Kristofferson e Divine, em Trouble in Mind (Alive Films).
Dirigido por Alan Rudolph, tem no elenco Kris Kristofferson, Keith Carradine, Geneviève Bujold, Lori Singer e a drag queen Divine, que aparece como o rei do crime, sem sua representação como mulher. As filmagens foram feitas em Seattle, mas a cidade da história é a imaginária Rain City. A cidade é vazia, silenciosa, com tropas do exército espalhadas por todos os lados, servindo a uma estranha bandeira quadriculada em branco e preto; os personagens são ambíguos, e a época em que se passa a história também.
EDWARD MÃOS DE TESOURA (Edward Scissorhands, 1990)
Sensacional criação de Tim Burton, com Johnny Depp como um dos mais estranhos e inventivos androides já apresentados no cinema, criação do cientista ou inventor Vincent Price, que mora num castelo no alto de uma montanha, sobrepondo-se a uma pequena cidade de fábula.
A cidade de Edward Mãos de Tesoura (Fox).
A cidade em si é espetacular, com os toques típicos de Tim Burton. Uma cidadezinha típica dos Estados Unidos, talvez aquelas dos anos 1950, mas ainda assim com um castelo gótico nas redondezas, no qual um cientista realizava experiências. É demais.
Discworld
A série de livros situados no mundo chamado Discworld, inventado por Terry Pratchett (1948-2015), trazem inúmeras cidades, cada uma com descrição mais alucinada do que a outra. Mas sem dúvida a cidade mais comentada e citada, e o centro do maior número de histórias, é Ankh-Morpork.
Para quem ainda não conhece (e deveria conhecer), a série de livros está entre o que há de mais elaborado e engraçado na literatura fantástica, um total de 41 livros, dos quais alguns foram publicados no Brasil. O mundo conhecido como Discworld tem forma de disco e é sustentado por quatro elefantes que, por sua vez, apoiam-se no casco da imensa tartaruga, a Grande A’Tuin.
Ankh-Morpork é a capital mercantil do mundo e a cidade mais poluída de Discworld, além de ser descrita como multicultural, o que significa que abriga toda espécie de criaturas, de anões, gnomos e vampiros a zumbis, lobisomens e humanos, ou o que se passa por humano nesse mundo. A cidade tem um porto pois localiza-se às margens do rio Ankh, se é que se pode chamar de rio algo que é tão poluído que se pode caminhar nele.
As lendas sobre a criação da cidade são várias, mas destacam-se aquela que diz que foi fundada por irmãos gêmeos que foram criados por um hipopótamo, e outra segundo a qual o mundo foi inundado, há muitos séculos, e uma arca foi construída contendo um par de cada animal; assim, quando o esterco dos animais acumulado por 40 dias e noites foi jogado fora, o local foi chamado de Ankh-Morpork.
Para entender completamente a sociedade alucinada existente no local, só mesmo lendo os livros.
Alguns dos livros tiveram adaptações para a TV, como foi o caso da minissérie Soul Music (1997), Wyrd Sisters (do livro Estranhas Irmãs, 1997, animação), Hogfather (2006), Going Postal (2010) e A Cor da Magia (The Colour of Magic, 2008), este último apresentado no Brasil, no Fantaspoa 2009 (Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre).
Os livros publicados no Brasil:
A Cor da Magia
A Luz Fantástica
Direitos Iguais, Rituais Iguais
O Aprendiz de Morte
O Oitavo Mago
Estranhas Irmãs
Pirâmides
Guardas! Guardas!
Eric
A Magia de Holy Wood
O Senhor da Foice
Quando as Bruxas Viajam
1001 Noites
Como as histórias de As 1001 Noites são situadas, em grande parte, num ambiente de fantasia, as cidades apresentadas, mesmo as mais conhecidas como Cairo e Bagdá, nunca são exatamente as cidades históricas, com os eventos e pessoas comuns convivendo com gênios, tapetes mágicos e a magia em geral sendo apresentada como um elemento comum.
Sherazade (Sherazade e o Sultão Schariar. Ferdinand Keller, 1880).
Mas pelo menos duas cidades se destacam. Uma é Irem, também conhecida como Irem das Torres Altas, provavelmente relacionada com a Iram dos Pilares, citada no Corão e influência para histórias de escritores como Lovecraft e Clive Barker. A cidade mencionada no Corão é um local perdido, no deserto de Rub’al-Khali, na Península Arábica. A região também é conhecida como sendo parte do Hadramaut, o extremo sul da península, atualmente República do Iêmen. Segundos as lendas, o antigo país conhecido como Hadramaut era governado por sacerdotes mágicos chamados mukkaribs, ainda que historicamente os mukkaribs são tidos como reis-sacerdotes. Aqueles que seguem interpretações alternativas da história, como Erich von Däniken e outros pesquisadores, afirmam que as ruínas encontradas na região contêm inscrições nas quais são citadas cidades fantásticas que teriam existido ali – uma delas chamada El Yafri. As lendas vão mais longe, afirmando a região teria sido parte do reino de Makeda, mais conhecida como a Rainha de Sabá.
Na narrativa de As 1001 Noites, Irem surge como uma cidade espetacular, com edificações que se elevam até o céu e construções riquíssimas, com pedras preciosas, ouro e prata. Foi construída pelo rei Sheddad, ou Shaddad, que resolveu reconstruir o Paraíso na Terra.
Outro local citado no livro é a Cidade de Metal, esta situada na África, em algum local do Magreb, provavelmente a oeste do Saara. Na época em que a história é contada, a cidade já se encontrava morta há algum tempo, tendo sido descoberta pelo califa Abd-El-Melik ibn Marwan, que ouvira uma história sobre pescadores que encontravam garrafas de metal seladas com o sinete de Salomão. Quando eram abertas, uma fumaça azul subia aos céus, uma vez que o rei Salomão tinha aprisionado djins nelas – os djins são gênios, não necessariamente bons ou maus. A busca pelo local onde essas garrafas eram encontradas leva à procura pela Cidade de Metal, que tem 25 portões que só podem ser abertos por dentro, o que dificulta em muito a entrada. A narrativa, como costuma acontecer, fala de uma cidade imensa e riquíssima, ainda que desabitada.
Veja também:
A Cidade e a Cidade
Fronteiras do Universo
O Livro dos Dias Mortos
O Enigma de Malacia