O Dilúvio (Ilustração de Gustave Doré, para A Bíblia, c. 1866).
Diz-se que existem narrativas lendárias e mitológicas a respeito de cataclismos semelhantes às do dilúvio narrado na Bíblia cristã em mais de 70 idiomas, indo desde tribos indígenas do Brasil aos povos da Escandinávia, passando pela Polinésia, os incas, os sioux e os gregos. E quase todas são muito parecidas, com o mundo sendo coberto pelas águas e alguns escolhidos tendo construído uma embarcação para sobreviver, por instrução de um ou mais deuses.
É difícil saber se essas narrativas têm uma origem única, como supõem alguns estudiosos, ou se são mitologias separadas, tendo como ponto em comum um evento catastrófico que afetou cada cultura, cada civilização, em momentos diferentes da história e em pontos distintos do planeta.
Tanto o cinema quanto a literatura de ficção científica produziram centenas, talvez milhares de obras a respeito do fim do mundo, mas poucas lidaram com o planeta sendo arrasado pelas águas. Os exemplos mais conhecidos estão separados por mais de 60 anos, e entre eles, nada (sem trocadilhos).
Em 1933, surgiu O Dilúvio (Deluge), dirigido por Felix E. Feist, em produção da então poderosa RKO. A destruição do mundo que ocorre no filme se deve a uma série de desastres naturais, e a cena da inundação de Nova York ficou marcada como uma das mais potentes do cinema da época. Os eventos começam com terremotos na costa do Pacífico, provocando um tsunami que varre o país. Diz-se que a cena de Nova York sendo submersa inspirou o trabalho de efeitos especiais em O Dia Depois de Amanhã (The Day After Tomorrow, 2004), dirigido por Roland Emmerich.
O filme foi baseado em livro de Sydney Fowler Wright (1874-1965), de 1928, que, ao contrário do filme, situava-se na Inglaterra.
(Foto: Universal).
O outro filme foi Waterworld, O Segredo das Águas (Waterworld, 1995), tido como um dos grandes fracassos de bilheteria de seu tempo, com uma produção gigantesca, cujos custos aumentaram inacreditavelmente durante as filmagens. Na verdade, considerando a bilheteria mundial, o filme saiu-se bem.
Não chega a ser tão ruim quanto algumas críticas indicavam, mas também não é um primor de ficção científica – uma espécie de Mad Max muito molhado, com Kevin Costner fazendo o papel de um sujeito não muito legal, mas forçado pelas circunstâncias a se transformar em herói. Ele é um mutante, tendo desenvolvido guelras atrás das orelhas, e os mutantes não são bem vistos pela população.
Esse mundo foi totalmente transformado em água, segundo se pode supor devido ao derretimento das calotas polares. Todas as comunidades sobreviventes instalaram-se em navios, ou em conjunções de navios, formando ilhas, e vivendo do que o mar providencia. Alguns buscam por uma terra mítica, a Dryland (terra seca) que existiria em algum ponto do globo.
A Arca de Noé
Enquanto os dilúvios não religiosos e, especialmente, não bíblicos, são raros no cinema fantástico, as referências à Arca de Noé são bem mais numerosas, a começar pelo histórico Arca de Noé (Noah’s Ark, 1928), dirigido por Michael Curtiz, e que passou a ser um marco da transição do cinema mudo para o falado. E também pelos incidentes envolvendo a produção: a quantidade de água utilizada nos efeitos especiais foi tamanha que alguns extras se afogaram ou foram seriamente feridos. No entanto, não se trata de uma transcrição da história bíblica, que só é utilizada ao final do filme, numa comparação entre a guerra – o palco principal do filme – e os eventos bíblicos.
Ao pé da letra bíblica é A Arca de Noé (Noah’s Ark, 1999), filme feito para a TV, dirigido por John Irvin, com Jon Voight como o próprio Noé.
O filme A Bíblia: No Início (The Bible: In the Beginning, 1966), produção épica de Dino de Laurentiis com direção de John Huston – ele mesmo interpretando Noé, além de ser o narrador, a serpente e Deus – não foi bem recebido, e também não se deu muito bem nas bilheterias, apesar dos bons efeitos nas cenas do dilúvio.
E, claro, o recente e infeliz Noé (Noah, 2014), de Darren Aronofsky, com Russell Crowe e Jennifer Connelly. Chega a ser difícil acreditar que é o mesmo diretor de Pi (1998) e Cisne Negro (2010).