Na matéria Em Busca do Criador, Brian Stableford citou histórias de Clifford D. Simak e Arthur C. Clarke, às vezes relacionando-as com conceitos do jesuíta Pierre Teilhard de Chardin. Ele também lembra que as histórias que propõem uma teologia racionalizada são “não-cristãs”, mas que também existem histórias que se aproximam do símbolo central da fé cristã, em particular o momento da crucificação.
(Capa: Mel Hunter/ Chamberlain Press).
Ele lembra o conto de Richard Matheson, The Traveller (1954), originalmente publicado na coletânea Born of Man and Woman, e que diz respeito a uma viagem no tempo para a época de Jesus. O escolhido para fazer a primeira viagem no tempo é um homem cético, e ele testemunha a crucificação de dentro de sua máquina do tempo, que é invisível às pessoas da época. O evento causa uma profunda modificação no homem.
Também é citado o livro de Brian Earnshaw, Planet in the Eye of Time (1968), com outra viagem no tempo realizada com o objetivo de proteger a fé da subversão; e também o excelente conto de Michael Moorcock, Eis o Homem (Behold the Man, 1969. Ver a matéria Tudo de Novo). Para não falar da série de livros iniciada com Operação Cavalo de Troia (Caballo de Troya 1: Jerusalén, 1984), de J.J. Benítez (ver a matéria As Máquinas do Tempo).
Em O Correio do Tempo (Up the Line, 1969), de Robert Silverberg (também comentado na matéria Alterando o Passado), as viagens no tempo, utilizadas como forma de turismo, também causam uma série de problemas, em particular aqueles relacionados ao momento em que Jesus Cristo proferiu o Sermão da Montanha. Os agentes que controlam as viagens percebem que a multidão que acompanha o sermão é cada vez maior; o que era uma reunião de dezenas de pessoas chegando a milhares.
(Capa: Jim Burns/ Unwin Paperbacks).
Outro problema surge do “turismo no tempo” no conto Let’s Go to Golgotha! (1974), de Gary Kilworth, originalmente publicado no Sunday Times Weekly Review, e depois também na coletânea The Songbirds of Pain. Na história, o turismo é praticado em larga escala, em particular para o momento do julgamento de Cristo. Os viajantes do tempo são alertados de que, no momento em que é perguntado à multidão presente se deve ser libertado Jesus ou Barrabás, as pessoas devem responder “Barrabás”, com o intuito de não modificar o curso da história; os turistas são até mesmo previamente absolvidos por um padre por não libertarem Jesus. Só que, em determinado momento, um dos viajantes percebe que a multidão presente no julgamento é formada inteiramente por turistas temporais, sem que qualquer cidadão de Jerusalém presente.
Em O Tempo dos Mastodontes (ver a matéria Por Conta Própria), de Clifford D. Simak, quando as viagens no tempo se tornam viáveis vários grupos se interessam em explorá-las comercialmente. As diversas igrejas dos EUA se unem para tentar obter exclusividade nas viagens para o tempo de Jesus. A diferença, aqui, é que elas não pretendem realizar viagens e lucrar com isso, mas querem impedir as viagens, temendo que elas possam refutar alguns relatos dos Evangelhos e, com isso, prejudicar o Cristianismo. Sua proposta é recusada e os grupos cristãos passam a fazer um lobby agressivo no Congresso para banir qualquer tipo de viagem temporal.
(Capa: Frank R. Paul).
Antes de Clifford D. Simak encontrar a resistência das revistas para publicar seu conto The Creator (ver matéria FC e Religião), ele publicou o conto The Voice in the Void (1932), originalmente na revista Wonder Stories Quarterly, editada pelo lendário Hugo Gernsback. A história apresenta exploradores terrestres em Marte que descobrem uma tumba antiga atribuída ao um messias do planeta. O problema é que eles descobrem que o messias teria visitado a Terra. É estranho considerar que The Creator foi rejeitado como sendo blasfêmia e este conto não, apesar da óbvia relação com o messias terrestre Jesus.
(Capa: Robert Engle).
Arthur C. Clarke – já citado na matéria Em Busca do Criador – elaborou um conto em que a fé religiosa de um jesuíta é testada duramente. A Estrela (The Star, 1955) foi publicado na revista Infinity Science Fiction e, posteriormente, na coletânea O Outro Lado do Céu. É um dos contos mais famosos de Clarke e ganhou o Prêmio Hugo de 1956.
Num futuro distante, uma nave terrestre viaja até um sistema estelar distante e descobre um planeta com o que restou de uma civilização desenvolvida, destruída quando sua estrela se tornou supernova. O astrofísico-chefe da expedição é também um jesuíta e cabe a ele determinar o momento exato em que a estrela se tornou supernova, liquidando a civilização. Os moradores do planeta, sabendo que a estrela iria explodir, resolveram guardar todo o seu conhecimento e história para ser encontrados por alguma civilização estelar.
O dilema do jesuíta é enorme, sabendo que os cientistas que não são religiosos iriam utilizar a destruição dessa civilização como uma prova de que Deus não existe e não poderia ser a criatura misericordiosa da qual os jesuítas falam. Os cálculos do astrofísico são concluídos, e ele percebe que foi a luz da explosão da estrela que brilhou sobre Belém no nascimento de Cristo. O conto termina com essa informação e o sentimento de angústia do padre, percebendo que a chegada de Cristo à Terra foi anunciada com a destruição de uma civilização inteira.
O conto foi adaptado para a televisão, no seriado Além da Imaginação (The Twilight Zone), em sua segunda versão de 1985. Foi apresentado como um especial de Natal, o que me pareceu estranho, mas então percebi que o final foi modificado, com a angústia do jesuíta sendo amenizada.
(Capa: Richard Powers/ Ballantine Books).
Ainda mais terrível é a dúvida do padre no clássico Um Caso de Consciência (A Case of Conscience, 1958), de James Blish, livro vencedor do Prêmio Hugo de 1959. Trata-se do jesuíta Ramon Ruiz-Sanchez, biólogo e bioquímico, integrante de um grupo de quatro cientistas enviados ao planeta Lithia para avaliar se ele pode ou não ser aberto para o contato com os humanos.
Para o pesquisador Adam Roberts (A Verdadeira História da Ficção Científica. Ed. Seoman), o livro faz parte do que ele chamou de algumas das mais longevas FC dos anos 1950, e que “(...) ainda indagavam, de um modo surpreendentemente similar, as inquietações ideológicas que tinham dado origem ao gênero no início dos anos 1600”. Assim, o padre Ramon “(...) é perturbado por dúvidas sobre o motivo de os alienígenas do planeta Lithia, que levam vidas sem pecado em um paraíso terrestre, não terem ideia de Deus ou alma”.
(Capa: Jacques Wyrs/ Ballantine Books).
Roberts continua: “Em um prefácio para uma reedição do livro, Blish observa que recebeu cartas de ‘teólogos que conheciam a atual [isto é, de 1958] posição da Igreja sobre o problema da ‘pluralidade dos mundos’ e cita a opinião de Gerald Head: ‘Se há muitos planetas habitados por criaturas sencientes como a maioria dos astrônomos (incluindo jesuítas) agora suspeitam, então cada um desses planetas [...] tem de cair dentro de uma das três categorias’: os sem-alma; aqueles com almas que decaíram; e aqueles com almas que nunca decaíram. Blish acrescenta com orgulho evidente: ‘O leitor constatará [...] que os lithianos não se encaixam em nenhuma dessas categorias’. Ruiz-Sanchez, o jesuíta protagonista da novela, passa a acreditar que os lithianos racionais, civilizados, foram de fato criados pelo Demônio para induzir a Terra ao desastre. No fim da novela (em um trecho que um não crente teria dificuldade em considerar como outra coisa senão uma monstruosa celebração do genocídio), Ruiz-Sanchez exorciza o mundo inteiro para fora da existência, coincidindo o rito de exorcismo com uma reação nuclear em cadeia posta em ação por trabalhadores terráqueos que exploravam recursos naturais lithianos. (...) A novela de Blish efetivamente acrescenta uma nova categoria à análise teológica da vida alienígena feita por Gerard Head, que talvez diga algo do tipo: ‘Habitado por criaturas sencientes sem almas que foram produzidas por Satã para tentar e prejudicar a criação de Deus’. Mas isso, ao chamar atenção para outras ‘omissões’ da análise católica ortodoxa, sugere ainda, necessariamente, outra possibilidade: que outros mundos possam ser habitados por criaturas que nada têm a ver com o Deus da Bíblia terrena e que não foram criadas por ele. Como essa mesma lógica pode ser aplicada também à Terra, ela corrói a certeza teológica, o que, presume-se, foi uma das razões para a Igreja achar que tinha de matar Bruno”.
(Capa: Arthur Lidov/ Doubleday).
Ray Bradbury também levou padres para outro planeta, no caso Marte, no conto Os Balões de Fogo (The Fire Balloons), publicado no clássico As Crônicas Marcianas (The Martian Chronicles, 1950), e também em Uma Sombra Passou Por Aqui (The Illustrated Man, 1951, com o título Os Balões Ígneos).
Na história, um padre vai à Marte para tentar levar a religião cristã aos seres nativos do planeta. Só que eles descobre que os marcianos são seres etéreos semelhantes a balões de luz azuis, e eles se mostram muito superiores aos humanos. Eles são quase como deuses, sem desejo de qualquer espécie e, como não têm corpos materiais, não têm religião e não conhecem o pecado. Como vários dos contos que compõem o livro, aqui os humanos projetam seus pensamentos e desejos em um ambiente alheio, apenas para encontrar decepção e deparar-se com sua pequenez diante do universo.
O livro foi adaptado para uma minissérie em três partes, em 1980, Planeta Vermelho (The Martian Chronicles), com direção de Michael Anderson e roteiro de Richard Matheson. A segunda parte traz uma adaptação do conto, com dois padres sendo resgatados de um deslizamento de terra por seres luminosos, os marcianos etéreos com 250 milhões de anos.
(Capa: Charles Binger/ Bantam Books).
Em Uma Sombra Passou por Aqui, outro conto aborda um tema religioso: O Homem (The Man). Uma expedição terrestre chega a um planeta distante, mas eles não causam grande impressão na população local. Eles descobrem que, um dia antes deles chegarem, aconteceu algo tão importante no local que a chegada da nave ficou em segundo plano. Surgiu um homem notável, de imensa bondade, compassivo e muito sábio, um homem cuja presença eles estavam aguardando há séculos.
O homem em questão corresponde à imagem que os terrestres têm de Jesus Cristo, e os viajantes terrestres acabam acreditando que se tratava do próprio Jesus. O capitão resolve partir em sua nave para tentar encontrar o homem, mas a cada planeta em que chega sempre ouve a resposta de que acabou de ir embora, após espalhar sua palavra. Outros membros da tripulação resolvem permanecer no planeta para conhecer melhor o que o homem disse aos habitantes, e acabam descobrindo que, na verdade, ele não foi embora, mas permanece no local.
(Capa: Chris Foss/ Triad Panther).
A segunda vinda do messias também é o tema do conto Os Anjos do Comsat (The Comsat Angels), de J. B. Ballard, publicado no livro Aparelho Voador a Baixa Altitude (Low-Flying Aircraft and Other Stories, 1976). Um repórter investiga o misterioso aparecimento de jovens gênios em várias partes do planeta, e descobre que todos eles desapareceram durante certo período. Depois disso, eles reapareceram ocupando cargos importantes nos governos e religiões do mundo.
O que se fica sabendo é que eles são a versão moderna dos 12 apóstolos, até mesmo com um “gênio Judas” que passa a fazer parte de uma organização criminosa. E quando eles já estão estabelecidos, surge um novo gênio com um QI de 300, perto de Belém, em Israel.
A presença de Jesus Cristo na Terra é explicada de duas formas diferentes e interessantes nos filmes A Próxima Dimensão (The Next One, 1984) e O Homem da Terra (The Man From Earth, 2007).
O primeiro foi dirigido por Nico Mastorakis e é estrelado por Keir Dullea, o astronauta de 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968). Ele é encontrado, nu e desmaiado, numa praia da Grécia, por uma viúva (Adrienne Barbeau) e seu filho. Eles levam o sujeito para casa para ser tratado, e percebem que ele está com problemas de memória. No entanto, aos poucos ele vai se lembrando de algumas coisas e demonstrando imensa facilidade em aprender. Ele fica obcecado com a religião cristã e com a figura de Jesus Cristo. O elemento de ficção científica surge quando se sabe que o homem veio de outra dimensão, viajando através de um portal. Muitos anos antes disso, o irmão do viajante havia passado por esse mesmo portal e ficou perdido em nosso mundo; e ele era, adivinhem, ninguém menos do que Jesus Cristo.
O segundo filme, dirigido por Richard Schenkman, traz uma aproximação totalmente diferente ao tema. Trata-se de uma pequena produção, com um orçamento em torno de 200 mil dólares, filmado em uma única locação, porém com excelente elenco e uma história sensacional do escritor Jerome Bixby, autor de alguns roteiros das séries de TV Jornada nas Estrelas e Além da Imaginação. Ele teve a ideia para o roteiro nos anos 1960, mas só conseguiu finalizar em 1998, quando já estava morrendo, ditando as partes finais para seu filho Emerson Bixby, também roteirista. O filme foi exibido no Brasil no Fantaspoa, Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre, e também no RioFan, Festival Internacional de Cinema Fantástico do Rio de Janeiro, ambos em 2008.
William Katt, Alexis Thorpe, Annika Peterson, John Billingsley, Ellen Crawford, David Lee Smith e Tony Todd, em O Homem da Terra (Falling Sky Entertainment).
Apresenta o professor John Oldman (David Lee Smith) que resolve partir da cidade na qual está vivendo há dez anos. Seus colegas vão à sua casa para uma despedida, não entendendo porque ele está indo embora. Misterioso quanto às suas razões, inicialmente ele apenas diz que a cada 10 anos ele muda de cidade. Na conversa com os amigos, ele pede para eles imaginarem uma história de ficção científica a respeito de um homem que, por alguma razão, não morre jamais. Esse homem teria 14 mil anos de idade e teria conhecido tudo o que a humanidade fez nesse período.
Conforme a conversa evoluiu, ele passa a afirmar que não se trata de uma ficção, e que ele é esse homem, e passa a ser questionado sobre uma série de eventos históricos e conhecimentos científicos. Algumas das coisas que ele diz causas profundos impactos nas convicções e conhecimentos científicos e religiosos dos amigos, criando um clima de tensão crescente. A verdade só será conhecida ao final do filme, e vem de forma inesperada, confirmando sua história.
Edith (Ellen Crawford), uma das colegas, é profundamente religiosa e cristã, e é quem fica mais abalada quando Oldman, contra sua vontade, fala sobre o período em que passou no Oriente Médio, mais exatamente em Jerusalém. Como ele já tinha viajado por muitas partes do planeta e teve a oportunidade de estudar com Buda, resolveu aplicar parte de seu conhecimento com a população local. Resumindo, sua atuação naquela época criou uma lenda em torno de sua figura, e com o tempo ele passou a ser conhecido como Jesus Cristo.