(Abe Books).
Um dos primeiros exemplos de história apresentando pessoas com poderes mentais superiores é A Raça Futura (Vril, The Power of the Coming Race, 1871), de Edward George Earle Bulwer Lytton (1803-1873). O autor ficou mais conhecido por seu livro Os Últimos Dias de Pompeia (1834), mas esse chegou a ter seus dias de fama, em particular porque algumas pessoas entenderam que ele de fato se referia a uma sociedade secreta relacionada a uma civilização antiga. O próprio autor foi tido como pertencente à Ordem Rosacruz, em particular devido ao seu livro Zanoni (1842), relacionado às atividades da Ordem. E, ainda que jamais tenha sido comprovado seu envolvimento com a Rosacruz e mesmo com atividades ocultistas, o “vril”, apresentado como uma força da natureza que pode ser utilizada pelos humanos, chegou a ser um termo popular na época.
Seja como for, o livro é bem ruinzinho e apresenta o personagem central que descobre a existência de uma civilização subterrânea, em tudo superior à humana, cujos integrantes, entre outras coisas, têm o poder da telepatia – ainda que o termo ainda não tivesse sido inventado na época, mas apenas em 1882, pelo pesquisador Frederic Myers.
Em The Visual Encyclopedia of Science Fiction, os autores se referem a uma história de Charles Stephens, The Thing Behind the Curtains (1908), como uma das primeiras a apresentar um aparelho capaz de receber e transmitir “ondas de pensamento”, mas não consegui obter qualquer informação sobre a história ou mesmo sobre o autor. A citação obscura parece servir de introdução ao nome de Hugo Gernsback, que surge a seguir no texto da Enciclopédia. “Quando Hugo Gernsback” ,diz o texto, “começou a publicar ficção científica apenas alguns anos mais tarde, esse era o tipo de história que interessava a ele. Sua política editorial era mais inclinada para máquinas esquisitas e desenvolvimento científico do que para pessoas. E qualquer história envolvendo leitura de pensamento publicada em suas revistas geralmente estava centrada em uma máquina” (ver mais sobre o autor e editor em Utopias e Distopias Modernas).
(Capa: Frank R. Paul).
(Capa: Frank R. Paul).
São os casos de The Telepathic Pick Up (1926), conto de Samuel M. Sargent publicado na revista Amazing Stories, editada por Gernsback, e do conto The Tissue-Culture King, do famoso biólogo Julian Huxley, inicialmente publicado em The Cornhill Magazine e em The Yale Review, em 1926, e posteriormente na mesma Amazing Stories, em 1927. Segundo a Enciclopédia, o conto de Huxley apresenta uma máquina capaz de transmitir ordens por longas distâncias na forma de pensamentos, de tal forma que as pessoas que recebem esses “pensamentos-ordens” agem em obediência, como se estivessem hipnotizados.
Ainda assim, mesmo nas publicações de Gernsback, às vezes sua regra de dar mais atenção às máquinas e aparelhos de vários tipos era rompida, em particular para publicar histórias de autores mais conhecidos, como foi o caso da republicação do conto The Stolen Body (1898), de H.G. Wells, basicamente uma história de fantasia sobre projeção astral. Da mesma forma, Gernsback publicava histórias em que apareciam alienígenas com capacidades telepáticas. Em The Visual Encyclopedia of Science Fiction é dito que se tratava de um artifício que não apenas permitia uma comunicação conveniente entre terrestres e extraterrestres, mas ainda enfatizava sua suposta superioridade mental com relação aos humanos.
Entre essas primeiras aparições dos poderes mentais nas histórias, também é citado o conto Devil Ritter (1918), de Max Brand, inicialmente publicado em All-Story Weekly. Brand era o pseudônimo do norte-americano Frederick Schiller Faust, que ficou mais conhecido por seus livros western e como o criador do personagem Dr. James Kildare, que depois ficou famoso no cinema e na série de TV dos anos 1960, estrelada por Richard Chamberlain. A história se refere a uma mulher com poderes telepáticos, capaz de transmitir informações a qualquer lugar do planeta.
David Langford e Peter Nicholls (em The Science Fiction Encyclopedia) fazem referência a alguns antecedentes às histórias de FC envolvendo a chamada percepção extrassensorial, ao final do século 19 e início do século 20. Segundo explicam, houve um grande aumento na publicação de romances “ocultos” nos quais surgiam diversas das capacidades paranormais. Os pesquisadores entendem que as pesquisas da Society for Psychical Research e as tentativas de esclarecer essas capacidades a partir de métodos e teorias científicas, aproximou esses romances da ficção científica. Eles citam os livros: A Seventh Child (1894), de John Strange Winter (pseudônimo de Henrietta Eliza Vaughan Stannard); Karl Grier: The Strange Story of a Man with a Sixth Sense (1906), de Louis Tracy; The Sixth Sense (1915), de Stephen McKenna; The Man with Six Senses (1927), de Muriel Jaeger.
(Capa: Jean Delville/ Gollancz - Orion).
Um livro bastante comentado é A Voyage to Arcturus (1920), de David Lindsay. A história não lida diretamente com a questão dos poderes psíquicos, mas ainda assim apresenta um personagem central que desenvolve órgãos para poder captar pensamentos diretamente. O livro narra a aventura do personagem Maskull que, desejando ter algumas aventuras, aceita o convite de um conhecido chamado Krag para viajar a Tormance. Ele, seu conhecido e um amigo vão a um observatório abandonado na Escócia e embarcam em uma nave de cristal. Maskull acorda sozinho em Tormance, onde passa por vários terras estranhas, encontrando pessoas que quase sempre morrem, para finalmente reencontrar Krag, que lhe diz que seu verdadeiro nome é Pain (“Dor”).
John Clute e Lee Weinstein (na versão online de The Science Fiction Encyclopedia) entendem que a história pode ser considerada entre os embriões da ficção científica. E ainda consideram que “Não parece que H.P. Lovecraft conhecia A Voyage to Arcturus – o que se pode entender já que a impressão do livro em 1920 foi pequena e que ele não foi publicado nos EUA até muito depois de sua morte - mas o Gnosticismo abissal do trabalho de Lindsay pode ser imediatamente entendido como consanguíneo ao Horror Cósmico de Lovecraft. Filosoficamente, também é relacionado a Nietzsche e Schopenhauer”.
(Capa: Tim Gaydos/ Citadel Press).
Adam Roberts (em A Verdadeira História da Ficção Científica) diz que o livro é “Um idiossincrático romance planetário com implicações místico-religiosas marcantes”. Roberts destaca que o livro continua sendo relativamente desconhecido – até onde sei, não existe qualquer tradução em português – “embora tenha discípulos que a louvam de modo exuberante”. Diz-se, por exemplo, que C.S. Lewis foi influenciado pela obra para compor sua trilogia Além do Planeta Silencioso, Perelandra e Uma Força Medonha (ver também o ensaio O Bem e o Mal na Literatura e no Cinema), e os escritores J.R.R. Tolkien, Colin Wilson, Michael Moorcock e Clive Barker elogiaram a obra. Roberts diz que as aventuras são criativas, embora um tanto desorientadoras, e o personagem Maskull “(...) avança para a compreensão da natureza espiritual do cosmos”.
Dois seres alienígenas apresentados na história, Muspel e Crystalman, “(...) revelam-se como espíritos maniqueístas em disputa”, o primeiro sendo a fonte de luz espiritual, despedaçada em fragmentos materiais por Crystalman.
Langford e Nicholls falam sobre o livro The Hampdenshire Wonder (1911. Posteriormente publicado com o título The Wonder), de J.D. Beresford, como um exemplo de histórias que propõem que os poderes psíquicos podem representar a evolução da humanidade; também é um dos primeiros exemplos de história envolvendo criança-prodígio, no caso o personagem Victor Stott, com capacidades mentais excepcionais e, até certo ponto, capaz de controlar a mente de outras pessoas.
Em texto publicado no SF Site, Georges T. Dodds entende que o livro, além de ser um dos primeiros clássicos do gênero, envelheceu muito bem porque é mais centrado nas pessoas do que na tecnologia, mas também porque retrata muito bem a situação de crianças superdotadas (ou, como ele diz, “nesse caso, super-humanas”) como pessoas estranhas à sociedade em que vivem. Dessa forma, segundo ele, o livro foi o primeiro a lidar com as implicações sociológicas da presença entre nós de um ser humano superior.
(Capa: Les Edwards/Gollancz - Orion).
Outra história bastante comentada é Last and First Men: A Story of the Near and Far Future (1930), de Olaf Stapledon. Segundo Peter Nicholls, o livro “vê a telepatia como um dos estágios evolucionários nos quais a humanidade aprende a transcender suas limitações corpóreas”. O livro é estruturado de forma a mostrar a evolução da humanidade, passando por 18 estágios, sendo que, no último, os humanos estão em todo o sistema solar e atingiram um ponto elevadíssimo de evolução, sendo telepatas e praticamente imortais, a não ser que morram devido a acidentes, o que é exatamente o que ocorre com a raça quando o Sol consome todo o sistema solar.
(Capa: H. W. Wesso).
Antes mesmo de se tornar o editor da ASF, John Campbell também escreveu uma história, publicada na Astounding Stories em 1937 (um dos nomes que a revista teve ao longo de sua existência), Forgetfulness, com o pseudônimo Don A. Stuart. No conto, ele apresenta a raça humana como tendo se livrado de sua dependência da tecnologia uma vez que a mente poderia fazer tudo que antes necessitava ser feito com ferramentas.
(Capa: Leo Morey).
Porém, a série de histórias que ficou mais conhecida foi Lensman, de E.E. Smith, que começou em 1934, com Triplanetária (Triplanetary), publicado em quatro partes na revista Amazing Stories. Posteriormente, Smith expandiu as histórias e publicou em forma de livro, em 1948, como Triplanetária (Triplanetary. Em português, pela coleção Argonauta). Depois vieram: O Planeta Secreto (First Lensman, 1950); Patrulha Galáctica (Galactic Patrol, 1950. Originalmente publicado em seis partes, em 1937-1938, em Astounding Stories); Heróis Galácticos (Grey Lensman, 1951. Originalmente publicado em quatro partes, em 1939-1940, em Astounding Stories); A Lei do Espaço (Second Stage Lensman, 1953. Originalmente publicado em quatro partes, em 1941-1942, em Astounding Stories); Os Filhos do Cosmos (Children of the Lens, 1954. Originalmente publicado em quatro partes, em 1947-1948, em Astounding Stories); Os Senhores do Vórtice (The Vortex Blaster, 1960). As histórias passaram por adaptações feitas por E.E. Smith, para ajustar inconsistências e cronologia, e expandir algumas partes.
A série se tornou tão famosa que chegou a concorrer ao prêmio Hugo em 1966, como a melhor série de todos os tempos (até então, é claro), perdendo o posto para a série Fundação, de Isaac Asimov.
(Capa: Frank Kelly Freas).
Sequências foram escritas por outros escritores, com permissão de Smith, como é o caso de William B. Ellern, que publicou o conto Moon Prospector, na revista Analog (1966), e os livros New Lensman (1975. Originalmente, em capítulos na revista Perry Rhodan) e Triplanetary Agent (1978. Originalmente, em capítulos na revista Perry Rhodan). David Kyle também deu continuidade à série: The Dragon Lensman (1980); Lensman From Rigel (1982); Z-Lensman (1983).
A história inicia-se bilhões de anos antes de nossa época, e apresenta os Arisianos como uma grande raça pacífica habitante nosso universo, com poderes mentais desenvolvidos. Eles passam a ser ameaçados pela chegada dos Eddorianos em nosso universo, uma raça guerreira e conquistadora vinda de um universo em outro espaço-tempo, que vê a oportunidade de expandir seus domínios e seu poder conquistando nosso universo. Arísia, sem ser detectada por Eddore, passa a desenvolver programas de procriação e desenvolvimento de vida em vários planetas nos quais a vida inteligente pode surgir, entre eles a Terra, que chamam de Tellus. Com isso, esperam desenvolver uma raça que possa derrotar Eddore.
Os humanos resultantes desse programa formam, segundo explicada Adam Roberts (em A Verdadeira História da Ficção Científica), “(...) uma casta de humanos íntegros, cujas aptidões telepáticas concentram-se através de certas ‘lentes’ misteriosas, usadas no punho”.
Apesar do imenso sucesso da série na época, atualmente existem inúmeras críticas à obra de Smith. Adam Roberts diz: “É difícil pôr em dúvida a eficiência da apresentação dessa série de revelações, cada qual aproximando com clareza o leitor do segredo no centro do cosmos – embora os livros sejam toscos, um tanto maníacos e sem dúvidas pueris. Na verdade, agora é rotina para críticos do gênero, mesmo (ou talvez em particular) críticos do sexo masculino que leram os livros com entusiasmo na juventude, descartarem como lixo a obra de Smith”.
(Capa: Frank R. Paul).
Smith já tinha apresentado uma série de sucesso anteriormente, Skylark, que começou a ser publicada em 1928, na revista Amazing Stories, com The Skylark of Space. A Skylark do título (cotovia) é a nave do herói, que encontra várias espécies alienígenas e enfrenta vilões. Nesse universo também existem poderes psíquicos, como a telecinese, chamada de “o Talento”. Nos momentos mais exagerados da história, uma batalha de psiônicos, grupos de pessoas com talentos excepcionais, chegam a deslocar estrelas para transformá-las em armas. Como na série posterior, mais tarde os eventos narrados em Skylark foram ridicularizados pela crítica, e a literatura de Smith marcada pelo descrédito e, frequentemente, apresentada como exemplo do que a FC produziu de pior. É até estranho que, em 1966 tenha concorrido com a muito superior série Fundação para o prêmio Hugo.