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DE VOLTA À AMÉRICA

ESPECIAIS/VE O ROCK E A FC

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data10/07/2020
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Novas músicas e histórias de ficção científica invadem a América.

Nos EUA, a utilização de temas de ficção científica no rock continuou a pleno vapor, e um bom exemplo foi a transformação do Jefferson Airplane em Jefferson Starship, anunciando outros voos.
No entanto, ainda antes da transformação em espaçonave, o Airplane lançou o álbum Bark (1971), que trazia algumas aventuras na ficção científica. Como explica Jason Heller, o disco tem três canções – Rock and Roll Island, When the Earth Moves Again e War Movie – que se integram para compor a história sobre seres humanos que atingem a iluminação e liberação por meio da tecnologia e viagem espacial. Heller diz que a música Rock and Roll Island tem a frase “Can you feel us singing electric in your body”, que pode ter sido uma referência ao poema de Walt Whitman, Eu Canto o Corpo Elétrico, mas que mais provavelmente foi influenciada pelo conto de Ray Bradbury com o mesmo título (no Brasil, no livro A Cidade Perdida de Marte), que se refere a um robô que se torna parte integrante de uma família.
E, ainda em 1971, Paul Kantner e Grace Slick lançaram o álbum Sunfighter, que traz a música Holding Together, que fala de uma viagem a Andrômeda, dando continuidade à história no ponto em que Blows Against the Empire terminou, com a letra dizendo “Eu vejo o Império decompondo-se por dentro”. O disco traz as participações de Jerry Garcia, David Crosby e Graham Nash, além de integrantes do Airplane.

A banda iniciou sua nova formação em 1974, com o disco Dragon Fly, sem os antigos integrantes Jack Casady e Jorma Kaukonen. Como explica Jason Heller, o disco marcou a mudança definitiva de Paul Kantner em direção ao futuro. “O Jefferson Airplane e sua alusão à tecnologia contemporânea estava morto; o explorador do futuro Jefferson Starship tinha tomado seu lugar”. Adam Roberts também destaca esse período da banda, dizendo que só quando a banda foi renomeada Jefferson Starship é que a FC tornou-se um ponto central em suas gravações.
Falando sobre Dragon Fly, Adam Roberts faz referência à música Hyperdrive, “(...) um surpreendente, mas sugestivo hino a uma tecnologia avançada, talvez alimentada por magia”, além da música All Fly Away, “(...) que parece ser uma versão da série Cities in Flight, de James Blish”. Jason Heller diz que a música Hyperdrive, com letras de Grace Slick, envolve viagem no tempo por meios mentais e deslocamento mais rápido do que a luz. “Dragon Fly pode não ter sido indicado para um Prêmio Hugo”, diz Heller, referindo-se à indicação de Blows Agains the Empire, de Kantner, em 1971, “mas foi tocado durante a cerimônia de inauguração da Convenção Mundial de Ficção Científica, a casa do Hugo, em Kansas City, naquele verão”. Mais especificamente, parece que a música Hyperdrive foi tocada na cerimônia.
All Fly Away foi escrita por Tom Pacheco, compositor e guitarrista folk que se tornou amigo de Kantner e Slick, e que também gostava de ficção científica. Como explica Heller, “A ficção científica na música country é um espécime raro, mas já teve um precedente: em 1974, o primeiro filme de John Carpenter, a ficção científica Dark Star – que compartilha o nome com a obra de fc do Grateful Dead – apresenta uma música country chamada Benson, Arizona. Escrita por Carpenter e cantada por John Yager, a melodia soa como se fosse sobre caminhoneiros ou amarrar gado. Na verdade, é sobre um astronauta que se move rapidamente ao longo da galáxia enquanto deseja sua namorada na Terra”.

Capa de Dean Ellis (Ballantine Books, 1972).

O disco seguinte do Starship, Red Octopus (1975), continua a apresentar o que Heller chamou de “(...) a tradição de colocar pelo menos uma canção de fc em cada um de seus álbuns”, o que fazem com a música I Want to See Another World, composta por Kantner, Slick e Marty Balin. E no álbum Spitfire (1976), com a música Song to the Sun, dividida em duas partes; a primeira com o título Ozymandias; a segunda com o título Don’t Let it Rain, música que Adam Roberts disse ser uma atualização místico-futurista de um poema de Percy Bysshe Shelley. No entanto, Heller diz que a música foi inspirada pelo livro de Arthur C. Clarke, O Fim da Infância (Childhood’s End, 1953. Ver mais em Sem Más Intenções). Segundo Heller, o próprio Paul Kantner explicou, com orgulho: “Na realidade, as exatas palavras Childhood’s End estão na canção”.
O disco Earth (1978), não apresentava qualquer música relacionada à ficção científica, mas Kantner voltou ao gênero em Freedom at Point Zero (1979), realizado sem a presença de Grace Slick e Marty Balin. Segundo Jason Heller, é plausível entender que a aparição da banda no The Star Wars Holiday Special (1978), baseado na criação de George Lucas, reacendeu o desejo de Kantner de contar histórias de FC por meio da música. Lucas havia sido um dos câmeras que trabalharam no tenebroso festival de Altamont, em 1969 – que resultou em muita violência e três mortes – no qual o Jefferson Airplane havia tocado. E o disco traz o que Heller chamou de a semente de um novo conceito de fc. “A canção Lightning Rose (Carry the Fire) era, segundo Kantner, ‘basicamente sobre pessoas em um acampamento fora da lei no exterior de uma cidade com um domo e reatores nucleares’. Mais do que projetar a contracultura dos anos 1960 no espaço exterior, como tinha sido feito com Blows Against the Empire, Lightning Rose introduziu uma jovem salvadora em um futuro distópico – uma espécie de Joana D’Arc da era nuclear”.
Adam Roberts cita as músicas Alien, no disco Modern Times (1981), e Winds of Change, do álbum com o mesmo título (1982), como exemplos de canções espiritualmente otimistas que “(...) não escaparam de uma certa previsibilidade e até suavidade”.
Kantner deixou a banda em 1984, e os membros restantes formaram o Starship, com pouca relação com a FC a não ser o nome. Kantner reformou o grupo em 1994, com o nome Jefferson Starship: The Next Generation, em homenagem à serie Star Trek: The Next Generation.

Outra banda californiana, Spirit, fundada em 1967 em Los Angeles, também teve sua passagem pela ficção científica, e também com um interesse em Jornada nas Estrelas. A banda foi formada por Randy California – que havia tocado na banda Jimmy James and the Blue Fames com Jimi Hendrix, que lhe deu o apelido “California” –, Mark Andres, Jay Ferguson, John Locke e o padrasto de California, Ed Cassidy.
Em 1969, eles lançaram um compacto que trazia a música 1984, baseada na obra de George Orwell, e em 1970 lançaram o álbum Twelve Dreams of Dr. Sardonicus que, segundo Adam Roberts, “(...) captura a tardia combinação hippy de Mãe Natureza com cosmo extraterrestre de uma forma interessante”.
E foram mais específicos com o disco Future Games (1977), baseado no interesse de Randy California na ficção científica e, especificamente, em Jornada nas Estrelas. Como disse Jason Heller, as canções Gorn Attack e The Romulan Experience não fazem segredo sobre a origem das músicas, enquanto a canção Star Trek Dreaming elimina qualquer possível dúvida. Até mesmo alguns trechos de áudio de episódios da série foram utilizados. “Outras faixas”, explica Heller, “como Stars Are Love, são mais genéricas em sua adoração pela fc, mas não menos ardentes”. E uma citação a fasers surge na música Bionic Unit.

Frank Zappa, em show de 1975 (Foto: Carl Lender).

Tendo feito a maior parte de sua vida e carreira igualmente na Califórnia, Frank Zappa formou a banda Mothers of Invention em 1966, e iria tornar-se um dos melhores, mais inventivos e mais produtivos guitarristas da história do rock. Adam Roberts diz que Zappa lançou 75 álbuns ao longo da vida; outras versões dizem que, contando os 50 discos póstumos, a conta chega a 112 álbuns. Dá a impressão de que Frank Zappa gravava absolutamente tudo o que fazia, ao vivo ou em estúdio.
Roberts diz que alguns desses discos incluem referências a heróis e monstruosidades das revistas pulp que são reconhecíveis como ficção científica. Um exemplo, ainda com o Mothers of Invention, foi a música instrumental King Kong, do álbum Uncle Meat (1969), uma representação jazz-fusion do que Roberts disse ser uma boa amostra da tendência de Zappa em fundir música clássica de vanguarda, música experimental e a música pop das paradas de sucesso com a cultura popular.
Mas as obras mais diretamente relacionadas com a FC são Joe’s Garage (1979) e Thing-Fish (1984). Robert McFarland (em Science Fiction in Classic Rock) disse que Joe’s Garage utiliza a sátira e uma narrativa próxima da ficção científica como forma de crítica social, seguindo sua característica de “zombar e lutar contra os abusos de autoridade e poder na sociedade, no governo e na indústria musical”.
Originalmente, a obra foi lançada em dois álbuns, o primeiro simples, com Act I, o segundo duplo, com Acts II e III. Conta a história de Joe, que tem uma banda de garagem e cuja namorada o abandona para cair na estrada com uma estrela do rock, que a deixa desamparada em Miami. “A narrativa da canção começa a seguir em direção a uma distopia de ficção científica”, diz McFarland, “quando ele (Joe) junta-se à ‘igreja’ Ron Hoover, uma referência tenuamente velada à Igreja da Cientologia, de L. Ron Hubbard. Lá, ele encontra o Central Scrutinizer, um coletor de informações, e ensinam a ele sobre a satisfação sexual por meio de máquinas”. O Central Scrutinizer, cujas falas surgem ao longo da obra, entre uma música e outra, com uma voz desumanizada, é uma espécie de versão Zappa do Grande Irmão.
A história fala de Joe tendo sexo com Sy Borg, uma máquina, ou mais exatamente o modelo XQJ-37 Nuclear Powered Pansexual Roto-Plooker, a quem mata ou destrói durante o ato sexual e, sem dinheiro para consertá-lo, é enviado para a prisão, onde é sodomizado por executivos da indústria fonográfica. Quando sai da prisão, Joe vê uma sociedade distópica na qual a música tornou-se ilegal.

O álbum Thing-Fish também foi elaborado como uma longa história, igualmente apresentada em três discos, em torno de um conceito envolvendo mutantes, eugenia, teorias da conspiração, feminismo, homossexualidade e cultura afro-americana. Adam Roberts entendeu que o álbum “flerta com o racismo” ao apresentar vítimas negras e de aparência monstruosa, falando com linguajar exagerado. A caracterização do personagem Thing-Fish ficou a cargo do excepcional cantor e guitarrista afro-americano Ike Willis, integrante da banda de Zappa por mais de 10 anos, que foi quem desenvolveu a forma dos diálogos apresentados a partir de brincadeiras com dialetos feitas em sua família. Ou seja, como tudo o que Zappa fez, é uma crítica em forma de sátira ao que existe de mais racista na sociedade norte-americana.
O disco também recebeu algumas críticas por ser, em grande parte, uma reutilização de músicas anteriores de Zappa, com algumas letras modificadas, e que originalmente era para ser uma peça de teatro. Basicamente, fala de um racista malévolo que cria uma doença para erradicar afro-americanos e homossexuais, a qual é testada em prisioneiros. Também existe uma “história dentro da história”, referente a um casal WASP (White Anglo-Saxon Protestant). No entanto, em 2002, no livro Dangerous Kitchen: The Subversive World of Zappa, o autor Kevin Courrier, escritor, crítico de cinema e apresentador de TV na Canadian Broadcasting Corporation, entendeu que o álbum é um compêndio dos ataques mais explícitos de Zappa à hipocrisia política e sexual na cultura norte-americana.

Na costa oeste, em Nova York, o Blue Öyster Cult surgia em 1967, com o nome Soft White Underbelly, e lançou seu primeiro álbum com o novo nome em 1972; a formação tinha Buck Dharma, Eric Bloom, Allen Lanier, Albert Bouchard e Joe Bouchard. O disco, com o mesmo nome da banda, trazia músicas que, segundo Adam Roberts, criavam um clima fantástico mesmo em canções que pareciam lidar com assuntos mundanos. Por exemplo, a música Workshop of the Telescopes, segundo Roberts, evoca mundos de fantasia ou até mesmo de FC nos quais os anéis de Saturno podem ser alcançados por salamandras e ondinas.
A banda teve uma relação muito próxima com Sandy Pearlman, não apenas um empresário e crítico musical, e também escritor, tendo colaborado com várias letras para o grupo. Pearlman tinha escrito uma obra de poesia, não publicada, chamada The Soft Doctrines of Imaginos, que envolvia uma conspiração de alienígenas conhecidos como Les Invisibles, que deram a um super-humano chamado Imaginos a habilidade de viajar pelo tempo, influenciando eventos históricos conforme os planos secretos e sinistros dos aliens. Na realidade, o próprio nome Blue Öyster Cult foi tirado da poesia de Pearlman, na qual o “culto” era exatamente o grupo secreto de alienígenas que pretendia dirigir a história da Terra.
Workshop of the Telescopes é o primeiro exemplo da relação de Pearlman com as composições da banda. Pearlman disse que “É realmente o que eu chamo de uma canção de tecnologia gótica”. E com relação ao seu segundo disco, Tyranny and Mutation (1973), Heller disse que “O tema da metamorfose foi transportado para o título de seu álbum seguinte, Tyranny and Mutation, cuja capa impressionante em preto e branco mostra a ilustração de um zigurate enigmático, futurista – do tipo que poderia ter sido construído por visitantes alienígenas”. O baixista da banda, Joe Bouchard disse que era “(...) muito futurista, definitivamente de outro mundo. Eu acho que combinava com o tipo de música que estávamos fazendo, nossa ideia com tendência futurista, de ficção científica”.

O terceiro disco da banda, Secret Treaties (1974), traz mais um exemplo dessa relação, na música Astronomy, como diz Jason Heller, “(...) uma de várias canções do BÖC escritas ao longo da existência da banda que foram extraídas do texto Imaginos, de Pearlman”. Heller diz que, assim como Les Invisibles puxavam as cordas de Imaginos para seus próprios propósitos, Pearlman utilizou os membros do BÖC, muito receptivos, como seus ministros, misturando alquimia e o oculto com ficção científica. Heller cita um amigo de Pearlman, Bolle Gregmar, que disse que ele era muito fascinado pelos antigos druidas, mas que queria colocar o tema em um contexto futuro, e não passado.
Subhuman é outra música escrita por Pearlman, com história que, segundo Heller, situa-se em algum momento antes do holocausto e, “junto com Astronomy, é uma canção essencial no ciclo Imaginos, estabelecendo o conceito que eventualmente iria culminar no álbum Imaginos, de 1988. As informações na capa de Secret Treaties falam enigmaticamente de um acordo secreto entre os aliens e a Terra”. E ao comentar sobre a música Flaming Telepaths, Heller diz que o que há de exagero e melodrama na ficção científica da banda, é admiravelmente balanceado pelo amor sincero de Pearlman pela ficção especulativa em todas suas formas: terror, fantasia e ficção científica. Segundo disse o próprio Pearlman, a música lida com temas sobrenaturais de uma forma científica, falando de um cientista que tenta transformar a consciência; não consegue, falha inúmeras vezes, mas continua tentando.
O disco Agents of Fortune (1976) traz a música E.T.I. (Extra Terrestrial Intelligence), que fala sobre os homens de preto, que proibiram o narrador da história de contar sua experiência com OVNI. E o disco seguinte, Spectres (1977), apresenta a música Godzilla, baseada, é claro, no personagem dos filmes.

Adam Roberts considera que, do ponto de vista da ficção científica, o período mais interessante do BÖC começa com o álbum Mirrors (1979), que marca a primeira colaboração da banda com o escritor Michael Moorcock.

                                                                                              Capa de Richard Powers (Paperback Library, 1969).

Robert McParland explica que Eric Bloom era um leitor ávido de ficção científica, e enviou uma carta a Michael Moorcock. O escritor respondeu dizendo que tinha gostado da banda e começou a enviar algumas letras para serem utilizadas pelo grupo. Em Mirrors, surge a música The Great Sun Jester, de Moorcock, Bloom e John Trivers, baseado em personagem do livro The Fireclown (1965. Posteriormente, publicado com o título The Winds of Limbo), de Moorcock; segundo Jason Heller, o livro provavelmente também tenha sido a inspiração de Syd Barrett ao compor Set the Controls for the Heart of the Sun, do Pink Floyd. A história situa-se em um futuro no qual a maior parte da população vive nos subterrâneos, e um personagem misterioso conhecido como The Fireclown (O Palhaço de Fogo) surge nos níveis mais baixos da cidade subterrânea; o enredo ainda envolve uma conspiração governamental e uma viagem ao Sol.
A colaboração rendeu a excelente música Black Blade, do álbum Cultösaurus Erectus (1980), um dos melhores da banda, baseada no personagem Elric de Melniboné e sua espada Stormbringer, que surgem em uma série de histórias de fantasia de Moorcock.
A terceira colaboração com o autor veio com a música Veteran of the Psychic Wars, do álbum Fire of Unknown Origin (1981). Tanto Adam Roberts quanto Jason Heller dizem que várias músicas do álbum era para serem utilizadas na trilha sonora do filme Heavy Metal – Universo em Fantasia (Heavy Metal, 1981), animação com personagens que surgiam na revista Heavy Metal, a versão norte-americana da francesa Métal Hurlant, criada em 1974 por Moebius e Philippe Druillet. Curiosamente, Veteran... não era para ser usada no filme, mas foi escolhida pelos produtores. Moorcock já tinha utilizado a frase “veteran of the psychic war” para a música Standing on the Edge, da banda inglesa Hawkwind, em 1975, mas sua origem é o poema Far Arden, que Jim Morrison, dos Doors, escreveu em 1970.
Vários críticos entendem que o BÖC entrou em decadência ao final dos anos 1980, mas eles ainda teriam algumas incursões na ficção científica, em particular com o álbum Imaginos (1988), um disco conceitual totalmente baseado na obra de Sandy Pearlman que rendeu várias músicas no início da carreira da banda. Apresenta a história do personagem Imaginos e o conceito de uma conspiração alienígena ameaçando a Terra.
Na época do lançamento, a banda já estava em uma fase difícil, com alguns integrantes tendo saído. Para complicar as coisas, a ideia original era lançar uma trilogia de discos duplos, mas acabou sendo apenas esse álbum; e as músicas foram colocadas no disco fora da ordem cronológica, dificultando a compreensão da história. O baterista Albert Bouchard, que tinha sido demitido da banda em 1981, já estava trabalhando nas letras para as músicas desde o primeiro disco do BÖC, e passou então a trabalhar diretamente com Pearlman e o plano era lançar como um disco-solo. Mas a gravadora quis lançar como um disco da banda.
Entre inúmeras participações especiais de músicos convidados, destacam-se os guitarristas Robby Krieger, dos Doors, e Joe Satriani.
Em 1992, o Blue Öyster Cult compôs a trilha sonora do filme O Alien do Mal (Bad Channels, 1992), uma produção tenebrosa de Charles Band sobre alienígenas que tomam conta de uma estação de rádio e, através do telefone, conseguem enviar sinais alucinógenos a quem está do outro lado da linha, caso seja uma mulher atraente, e abduzi-la, além de diminuir seu tamanho de forma que possam ser colocadas dentro de um pote de vidro.
O que levou a banda a compor para um filme tão pobre, não se sabe, mas nesse trabalho já surgiu a colaboração do grupo com o escritor John Shirley, que iria expandir-se nos álbuns Heaven Forbid (1988) e Curse of the Hidden Mirror (2001).

Alex Lifeson e Geddy Lee, em show de 2011, na Holanda (Vtpeters/ Wikipedia); Neil Peart, em show de 2004, na Itália (Foto: Enrico Frangi/ Wikimedia).

Em Toronto, no Canadá, o Rush foi formado em 1968, mas só chegou à sua formação final em 1974, quando o baterista Neil Peart substituiu John Rutsey – que participou da gravação do primeiro disco do grupo, Rush (1974) – e juntou-se ao guitarrista Alex Lifeson e ao baixista Geddy Lee a tempo de participar da primeira turnê da banda nos Estados Unidos. E, certamente, foi a peça que faltava para o Rush decolar, passando a escrever as letras das músicas e, com o tempo, sendo considerado entre os principais bateristas do rock, e muito interessado em ficção científica.
A primeira obra voltada para a ficção científica surgiu no disco 2112 (1976), ocupando todo o Lado 1 do álbum com a música com o mesmo título e com história desenvolvida por Neil Peart. Na época, comentou-se muito o fato de haver um agradecimento ao gênio de Ayn Rand na capa interna do disco, a escritora controversa, autora de obras geralmente consideradas como ficção científica, como Cântico (Anthem, 1937) e A Revolta de Atlas (Atlas Shrugged, 1957), e que seguia uma filosofia que ficou conhecida como objetivismo, além de ser anticomunista e acreditar no individualismo. Os integrantes do Rush jamais seguiram essas ideias, mas apenas reconheceram a inspiração do livro Cântico na elaboração da obra. No entanto, uma crítica na revista New Musical Express, da Inglaterra, chamou a banda de fascista. O professor de música Rob Bowman, ao escrever sobre o disco no site Power Windows, por ocasião dos 40 anos do álbum, lembrou que Geddy Lee ficou particularmente perturbado com as acusações, uma vez que seus pais foram sobreviventes do Holocausto durante a Segunda Guerra Mundial, tendo passado pelos campos de concentração de Dachau, Auschwitz e Bergen-Belsen. “Eu fiquei ferido pelo que o NME disse a nosso respeito. Com a história que eu tenho – meus pais tendo sido sobreviventes do Holocausto – eu fiquei extremamente furioso e e transtornado. Ayn Rand foi a inspiração para 2112. Nós reconhecemos isso. Mas nós não temos qualquer ligação com sua política de direita. 2112 é uma história antitotalitária e antifascista. E o final da história é intencionalmente ambíguo. O que acontece ao final é ou liberação ou a invasão de outro estado totalitário. É o ouvinte que decide qual, baseado em sua própria percepção da vida”.
A música tem pouco mais de 20 minutos e é dividida em sete partes, imaginando uma sociedade 136 anos no futuro na qual o individualismo e a criatividade são consideradas ilegais, com as pessoas sob o controle de um grupo de sacerdotes malévolos que moram no Templo de Syrinx. Nesse futuro, a música já se tornou algo desconhecido das pessoas, até que o personagem central descobre um violão antigo em uma caverna e descobre os sons que ele pode produzir, imaginando o que poderá mudar na sociedade. Ele resolve levá-lo para os sacerdotes no Templo, que dizem já conhecer o instrumento, que destroem, banindo o personagem.
Nesse futuro também aconteceu uma guerra envolvendo vários planetas, e eles uniram-se em uma Federação Solar. E o final ambíguo ao qual Geddy Lee se referiu surge nas sentenças: “Attention all planets of the Solar Federation. We have assumed control” (Atenção, todos os planetas da Federação Solar. Nós assumimos o controle). E, realmente, tanto pode ser um momento liberador quanto de um novo governo ditatorial assumindo.
Jason Heller disse que a obra-prima de Peart, como o livro 1984, de George Orwell, fala de um regime totalitário que controla todos os aspectos da vida e suprime toda liberdade e individualidade de seus cidadãos. “Ao invés de situar-se em uma versão reconhecível da Terra, 2112 situa-se em uma união de planetas pós-guerra – alguém até pode chamar de império – governada pela Estrela Vermelha da Federação Solar. (...) O personagem é construído não na música do disco, mas no texto de Peart com informações da gravação, no qual o herói vive em um planeta com duas luas”.
Adam Roberts falou sobre a influência de Ayn Rand, e em particular do livro Cântico, lembrando que segundo álbum do Rush, Fly By Night (1975), traz a música Anthem, que “(...) adapta sentimento, embora não o enredo, da novela de ficção científica objetivista” de Rand.
O músico e estudioso de música Durrell S. Bowman, especialista na banda Rush, escrevendo para o livro Progressive Rock Reconsidered (editado por Kevin Holm-Hudson), disse: “De modo geral, 2112 reflete a visão pós-contracultura de um jovem desejando contribuir para a sociedade apesar de obstáculos consideráveis. No entanto, vários comentaristas críticos aparentemente assumiram que o Rush apoia os vencedores autoritários dessa narrativa”. Ele cita como um exemplo dessa postura o crítico J. Kordosh – que, entre outras, escreveu para a revista Creem – que, em um artigo publicado após sua entrevista com Neil Peart, deseja estabelecer uma conexão entre a identificação de Peart com o arquiteto individualista do livro A Nascente (The Fountainhead, 1943) e o fascismo, “No entanto”, diz Bowman, “sem explicar por que individualismo é fascismo”. E além disso, ele não entra em detalhes a respeito de uma declaração de Peart, na mesma entrevista, na qual o baterista e compositor diz que não sustenta o conceito de lei e ordem, de autoridade e tudo o mais que, obviamente, é o preceito da extrema direita. “Individualismo”, diz Bowman, “não é fascismo, a menos que um indivíduo ou um grupo tente controlar a sociedade sem o processo democrático”.
Mais do que isso, a relação entre 2112 e o livro Cântico de Ayn Rand pode ter sido totalmente casual, conforme Peart disse na mesma entrevista a Kordosh, ao falar sobre a influência por trás da história.

Barney Phillips, no episódio Will the Real Martians Please Stand Up, da segunda temporada (1961) de Além da Imaginação (Cayuga Productions/ CBS Television Network).

De qualquer forma, o disco marcou uma virada na carreira do Rush, que vinha de álbuns com baixas vendagens, que chegaram a fazer Alex Lifeson pensar em desistir. O disco vendeu muito bem, não apenas no Canadá, mas também nos EUA, obtendo o Disco de Ouro.
O lado 2 traz canções mais simples, mas também outro mergulho na ficção científica, com a música The Twilight Zone, obviamente um tributo ao seriado Além da Imaginação (The Twilight Zone, 1959-1964), baseado nos episódios Will the Real Martians Please Stand Up (1961) e Stopover in a Quiet Town (1964).

Em seu álbum seguinte, A Farewell to Kings (1977), o Rush embarcou em nova viagem ao mundo da FC com a música Cygnus X-1 Book I: The Voyage, que narra a viagem de um explorador espacial em direção ao buraco negro conhecido como Cygnus X-1, na Constelação do Cisne, a bordo de sua espaçonave Rocinante, nome certamente escolhido não por acaso; é o nome do cavalo de Dom Quixote. O viajante espacial acredita existir algo além do buraco negro e pretende descobrir.
A história foi dividida em duas partes, a segunda sendo apresentada no excelente disco Hemispheres (1978) com o título Cygnus X-1 Book II: Hemispheres, na qual o viajante chega ao Olimpo e vê os deuses Apolo e Dionísio em meio a uma luta entre a Mente e o Coração, representando duas formas de pensar e agir – lógica e emoção – e com uma proposta de união entre ambas.
O Rush só iria aventurar-se novamente na FC no disco Grace Under Pressure (1984), com a música The Body Electric, sobre um androide fugitivo; e no disco Counterparts (1993), com a música Alien Shore. Robert McParland disse que a música The Body Electric “(...) explora a crescente interface entre humano e máquina”.
E, em 2012, o Rush lançou o álbum Clockwork Angels, com as músicas compostas em torno do conceito elaborado por Neil Peart de uma história na linha de FC conhecida como steampunk, imaginando um mundo com uma estrutura de poder conservadora, representada pelo Relojoeiro, e a tentativa de derrubar esse poder, representada pelo Anarquista. Essa sociedade utiliza estranhos aparelhos movidos por vapor, além da alquimia. Como disse Robert McParland, no disco, a oposição entre cidade e campo surge em um contexto de ficção científica.
A história foi transformada no livro Os Anjos do Tempo (Clockwork Angels, 2012), por Kevin J. Anderson, escritor de inúmeros livros de FC e amigo de longa data de Neil Peart.

Também de Toronto, a banda Klaatu foi formada em 1973 e ficou mais famosa devido a boatos de que seria composta, de fato, pelos integrantes dos Beatles. Mas a banda era formada por John Woloschuk, Dee Long e Terry Draper, com alguns músicos convidados para completar as gravações.
O nome, é claro, foi inspirado no alienígena Klaatu de O Dia em que a Terra Parou (The Day the Earth Stood Still, 1951), um filme clássico da ficção científica. E o sucesso repentino da banda deveu-se, basicamente, à música Calling Occupants of Interplanetary Craft, do seu álbum de estreia, 3:47 EST (1976), música que, no ano seguinte, ganhou ainda mais notoriedade ao ser regravada pelos Carpenters. O nome do álbum também é uma referência ao filme de 1951, marcando a hora exata em que a nave de Klaatu desce na Terra (ou, mais precisamente, em Washington).
Jason Heller considerou a música de sucesso “(...) um suave devaneio de sete minutos, com uma melodia prog e letras que encorajam o ouvinte a enviar um convite telepático ao cosmo, que possa seduzir aliens a virem à Terra”. Curiosamente, a música foi inspirada por um acontecimento real sobre o qual Woloschuk leu em The Flying Saucer Reader (1967), livro de Jay David, sobre um boletim enviado aos seus membros, em 1953, pela organização International Flying Saucer Bureau, pedindo que participassem de uma experiência na qual, em determinado dia e hora, todos enviariam uma mensagem telepática para visitantes do espaço; e a mensagem começava exatamente com a frase “Calling occupants of interplanetary craft”.
Jason Heller disse que “Não há medo de alienígenas em Calling Occupants, apenas um desejo ansioso em fazer contato. Isso não pode ser dito de outra faixa do álbum, Anus of Uranus, uma canção cômica sobre um alien idiota que visita a Terra e se torna um incômodo. O álbum termina com Little Neutrino, uma bonita peça de pop psicodélico barroco, apresentando vocais eletronicamente alterados, cantados do singular ponto de vista de um neutrino emitido pelo Sol”.
O segundo disco da banda também circula pela ficção científica. “Klaatu apresentou um álbum conceitual de ficção científica em 1977, chamado Hope”, explica Jason Heller. “Gravado com a London Symphony Orchestra, é uma reflexão sobre a solidão intergaláctica, dizendo respeito a um poderoso alienígena que é o último de sua raça e passa seus dias tentando ajudar os outros – essencialmente, a mesma premissa de Doutor Who, ainda que apresentado com rica, exuberante emoção”.
Adam Roberts entende que Hope é mais interessante do que seu disco de estreia, “(...) um álbum conceitual sobre o encontro da humanidade, em um futuro próximo, com o último sobrevivente do antigo império venusiano Politzanian. Após conceder uma rápida turnê pelo cosmo (na faixa 3, Around the Universe in Eighty Days), esse sobrevivente morre, mas não antes de transmitir o segredo do universo”, que é exatamente Hope, esperança. Roberts diz que o último disco da banda, Magentalane (1981), também traz “considerável conteúdo de FC”.

Outro grupo canadense, o Voivod, este de Quebec, surgiu em 1982, com certo interesse na ficção científica, inclusive com seu primeiro disco, War and Pain (1984), trazendo a música Nuclear War, com um estilo musical que o vocalista Denis Bélanger chamou de punk-trash e descrevendo as agruras de um conflito nuclear.
Seu terceiro disco, Killing Technology (1987), traz na capa o personagem Korgull, desenhado pelo baterista Michel “Away” Langevin, e que também apareceu nas capas dos discos anteriores, dentro de uma espaçonave. Os críticos dizem que esse foi o primeiro disco da banda a mesclar os elementos do trash metal ao rock progressivo. A faixa Forgotten in Space fala de uma prisão no espaço, e as músicas Killing Technology e Overreaction apresentam nosso planeta em decomposição devido ao uso errado ou exagerado de tecnologia e energia nuclear.
O quarto álbum da banda foi Dimension Hatröss (1988), e geralmente é visto como um disco conceitual em torno dos feitos do personagem desenvolvido por Langevin, o ciborgue Korgull.
O quinto disco do Voivod, Nothingface (1989), marca uma transição ainda mais destacada da banda em direção ao progressivo, e um exemplo é a excelente versão de Astronomy Domine, do Pink Floyd. Também foi o disco de maior sucesso comercial da banda.
Mas o disco mais claramente relacionado com a ficção científica é The Outer Limits (1993), já no título uma homenagem ao seriado clássico Quinta Dimensão (The Outer Limits, 1963-1965).
Em matéria de Mike Boehm no Los Angeles, em 1993, o baterista Michel Langevin diz que a série de TV foi a centelha inicial que acendeu seu interesse na ficção científica, e nesse álbum em particular eles queriam criar um clima das revistas pulp de antigamente, tentando obter certo sentimento de ingenuidade. E isso já começa na capa do disco, com uma imagem no antigo sistema 3-D e que vinha acompanhado por óculos especiais e um encarte. E para deixar clara a influência do Pink Floyd, mais um cover, dessa vez de The Nile Song, da trilha sonora do filme More.
Os discos seguintes do Voivod continuaram a apresentar eventuais músicas mais ou menos relacionadas com a ficção científica, mas provavelmente sem atingir a mesma magnitude, inventividade e qualidade musical mostrada em The Outer Limits, ainda que muitos fãs da banda entendam que a “virada” do grupo em direção ao progressivo foi uma queda de qualidade. Não foi.