O portal pode ser uma via de mão dupla, permitindo o acesso de humanos ao inferno, e o de demônios (ou do próprio Diabo) ao nosso mundo; ou pode ser uma abertura permitindo que os capetas venham nos atormentar de alguma forma.
Além das diferentes visões do inferno, os portais também podem funcionar de muitas maneiras.
Em A Sentinela dos Malditos (The Sentinel, 1977), por exemplo, o portal é um prédio. O filme foi dirigido por Michael Winner e tem no elenco nomes muito conhecidos, como Chris Sarandon, Ava Gardner, Burgess Meredith, José Ferrer, John Carradine, Christopher Walken, Eli Wallach, Jeff Goldblum, Martin Balsam, Beverly D’Angelo, alguns deles em início de carreira.
Burgess Meredith e os seres estranhos de A Sentinela dos Malditos (Universal Pictures).
A base da história é o livro de Jeffrey Konvitz, A Sentinela (The Sentinel, 1974. Editora Record). Cristina Raines interpreta a jovem modelo Alison Parker, de Nova York, que consegue alugar um apartamento num prédio antigo da cidade por um preço excelente. No último andar mora o padre Halliran (Carradine) que, apesar de ser cego, passa o tempo inteiro sentado à janela.
A modelo logo começa a ter alguns problemas no prédio, ouvindo ruídos estranhos e tendo encontros com os demais ocupantes, muito estranhos. No início, ficamos na dúvida sobre o que pode estar ocorrendo, uma vez que a modelo tem um histórico de tentativas de suicídio, que ficamos sabendo pelos sonhos recorrentes que ela tem. E a coisa complica quando ela reclama sobre seus vizinhos para o corretor, que lhe diz que o outro único ocupante do prédio é o padre Halliran.
Cristina Raines, enfrentando os seres do inferno.
As cenas vão se tornando cada vez mais estranhas, surrealistas, e a jovem finalmente fica sabendo que o prédio é propriedade de uma sociedade secreta formada por padres que foram excomungados, e que o local é um portal para o Inferno. O padre cego é o guardião do portal, garantindo que os demônios não venham para nosso mundo. Alison foi escolhida para ser a próxima guardiã.
No geral, o filme não foi bem recebido pela crítica, mas tem momentos impressionantes e bem elaborados.
Outro prédio que é uma entrada para o Inferno surge em Terror nas Trevas (E Tu Vivrai nel Terrore! L’Aldila, 1981), produção italiana dirigida pelo especialista em filmes de terror, Lucio Fulci, e que se tornou um dos favoritos entre os fãs do gênero.
Terror nas Trevas (Fulvia Film).
Apesar de ser um filme italiano, a história situa-se na Louisiana, nos EUA, e o centro das atenções é um hotel que, entre outras coisas, fica no local exato de uma das sete entradas para o Inferno. Entrada e saída, uma vez que uma profecia diz que, em um determinado dia, os mortos sairão pelo portal e caminharão pela Terra.
O filme inicia com um prólogo situado nos anos 1920, com o antigo proprietário do local sendo perseguido e crucificado, tido como satanista. E ele estava pintando um quadro que era nada menos do que o cenário do Inferno, que os novos moradores irão conhecer bem de perto.
Terror nas Trevas é o segundo filme da trilogia Gates of Hell, iniciada com Pavor na Cidade dos Zumbis (Paura Nella Città dei Morti Viventi, 1980), no qual as portas do Inferno são abertas após um padre cometer suicídio na paróquia de Dunwich – a cidade inventada por H.P. Lovecraft – e como resultado, os cadáveres se levantam e cometem atos violentos. O terceiro filme é A Casa do Cemitério (Quella Villa Accanto al Cimitero, 1981), que não traz qualquer portal para o Inferno. Os três filmes foram lançados em VHS no Brasil.
Outro grande nome dos filmes de terror, Wes Craven, também abriu as portas do Inferno em Convite para o Inferno (Invitation to Hell, 1984), produção feita para a TV e sem grande sucesso. No mesmo ano, Craven iria lançar A Hora do Pesadelo (A Nightmare on Elm Street), que seria um sucesso de público e abriria as portas, não do inferno, mas de uma franquia bem sucedida. Mas esse é bem fraquinho, apresentando uma família mudando-se para uma nova cidade, onde são pressionados a entrar para um clube de campo, símbolo de riqueza e poder. Claro que eles descobrem que o local é uma entrada para o Inferno, e o diretor é o próprio Diabo, seduzindo as almas das vizinhanças.
Bem mais interessante e criativa é a visão de Clive Barker em Hellraiser – Renascido do Inferno (Hellbound Heart, 1986. Darkside Books), livro que passou muito tempo sem ser publicado no Brasil, apesar do imenso sucesso do filme entre os fãs do gênero.
O Inferno de Barker é diferente de tudo o que se viu antes, assim como seus demônios, seres extradimensionais conhecidos como cenobitas, cujo exemplo mais famoso é o Pinhead, o sujeito com a cabeça cheia de pregos. Tudo começa quando Frank Cotton compra um objeto que, segundo ele acredita, irá lhe propiciar a experiência sensual definitiva. O objeto é a caixa de Lemarchand, mais conhecida como Caixa das Lamentações, que deverá abrir um portal para outra dimensão, onde poderá experimentar prazeres carnais desconhecidos em nosso mundo. Ele consegue a caixa em Düsseldorf, na Alemanha, e retorna com ela para a Inglaterra.
Para ter acesso à dimensão dos prazeres e aos seres que nela habitam, os cenobitas, ele precisa resolver o quebra-cabeças apresentado pelo cubo, uma espécie de cubo mágico do inferno. Ele consegue, é claro, mas quando os cenobitas aparecem, não são nada do que ele esperava encontrar; os cenobitas têm seus corpos totalmente modificados, a ponto de não se conseguir diferenciar quem é masculino e quem é feminino, e eles chegaram a um momento na existência em que não mais diferenciam a dor do prazer, dedicando-se a experiências sadomasoquistas extremas. Frank é levado para a dimensão dos cenobitas e percebe que está numa espécie de inferno, e que será submetido a torturas indizíveis pela eternidade.
As coisas se complicam quando Rory, o irmão de Frank, e sua esposa Julia, mudam-se para a casa. E Rory não sabe que a esposa não apenas teve um caso com o irmão, como continuou a desejá-lo, mesmo casada. E Frank, já com seu corpo totalmente dilacerado pelos cenobitas, consegue encontrar um caminho de volta, e Julia tenta ajudá-lo a recompor seu corpo fornecendo vítimas para ele.
Pinhead, saído do inferno, em Hellraiser (Cinemarque Entertainment BV/ Film Futures/ Rivdel Films).
O filme Hellraiser (Hellraiser, 1987), dirigido pelo próprio Clive Barker, foi um sucesso de bilheteria e de crítica, aumentando sua reputação ao longo dos anos (no Brasil, foi lançado originalmente como Hellraiser, e depois como Hellraiser – Renascido do Inferno). Segue basicamente os mesmos eventos do livro e, apesar da inexperiência de Barker na direção, o filme funciona e é um prato cheio para quem gosta de terror explícito, violentíssimo, e com bons efeitos especiais e maquiagens, em particular as que tornaram os cenobitas e seu líder, Pinhead, personagens dos mais famosos no gênero.
A Caixa das Lamentações, o portal para o mundo infernal.
O filme originou algumas sequências, começando com Renascido do Inferno 2 (Hellbound: Hellraiser II, 1988. Posteriormente, no Brasil, recebeu o título Hellraiser II – Renascido das Trevas), com direção de Tony Randel e Clive Barker envolvido na produção executiva. As cenas sangrentas e violentas se repetem, ainda mais explícitas, mas a história é confusa e envolve uma viagem ao inferno, o mundo dos cenobitas. As críticas não foram exatamente favoráveis, mas em The Encyclopedia of Fantasy John Grant diz que existem ressonâncias com os trabalhos de Hieronymus Bosch, Salvador Dali e M.C. Escher. Para John Stanley (em Creature Features), o roteiro de Peter Atkins é propositadamente caótico, tendo sido planejado a partir de uma lógica que não é comum aos seres humanos, justamente para ilustrar a jornada ao labirinto infernal.
Pedindo uma ajudinha para refazer seu corpo dilacerado.
O terceiro filme é Inferno na Terra (Hellraiser III: Hell on Earth, 1992. Posteriormente, no Brasil, com o título Hellraiser III – Inferno na Terra), com direção de Anthony Hickox e, novamente, com roteiro de Peter Atkins. Basicamente, a história segue as tentativas de Pinhead de permanecer na Terra e não ter de voltar ao Inferno. O filme é bem inferior aos anteriores e, como disse o crítico John Stanley, “... as regras do jogo continuam mudando, e você nunca consegue saber o que está acontecendo”.
Pinhead, tentando permanecer entre nós, em Inferno na Terra, o terceiro filme da série (Fifth Avenue Entertainment/ Trans Atlantic Entertainment).
A seguir surgiu Hellraiser IV – Herança Maldita (Hellraiser: Bloodline, 1996), dirigido por Kevin Yagher que, não satisfeito com o resultado final, assinou o filme com o pseudônimo Alan Smithee. John Stanley considerou que o filme foi feito estritamente para os fãs mais empedernidos da série. A história pula para o ano 2029, situada na estação espacial Minos, dirigida por um cientista que pretende fechar as portas do Inferno para sempre, uma vez que um de seus ancestrais foi quem construiu a caixa que abriu as portas.
E ainda vieram as produções feitas diretamente para DVD: Hellraiser V: Inferno (Hellraiser: Inferno, 2000); Hellraiser: Caçador do Inferno (Hellraiser: Hellseeker, 2002); Hellraiser 7: O Retorno dos Mortos (Hellraiser: Deader, 2005); Hellraiser 8: O Mundo do Inferno (Hellraiser: Hellworld, 2005); Hellraiser: Revelações (Hellraiser: Revelations, 2011).
É inacreditável, mas acontece. E ainda estão anunciando o décimo filme da série, Hellraiser: Judgement, para 2017.
Clive Barker escreveu uma sequência para seu livro em Evangelho de Sangue (The Scarlet Gospels, 2015. Darkside Books), apresentando o personagem Harry D’Amour, o detetive do sobrenatural que apareceu pela primeira vez no volume 6 de seu Livros de Sangue.
Barker visita os domínios do Diabo também no livro O Desfiladeiro do Medo que, apesar de não estar à altura do que ele fez de melhor, ainda é muito bom.