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QUEM SÃO OS MONSTROS?

ESPECIAIS/VE ALGUNS MONSTROS

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data12/07/2019
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Os monstros sempre foram parte significativa da literatura e do cinema fantástico.

A Destruição do Leviatã (Gustave Doré, 1865).

Em The Science Fiction Encyclopedia, Brian Stableford lembra que os monstros sempre caçaram no território da imaginação, como emblemas do medo e símbolos da culpa. “Eles geralmente obtêm seus aspectos e funções da imaginação sobrenatural; mas, por sua parte, a imaginação científica produziu muitos monstros”. E ele estava falando sobre os monstros que surgem nas histórias de ficção científica. Como exemplo do que ele chamou de imaginação sobrenatural, ele cita as histórias de William Hope Hodgson, o autor do excelente A Casa Sobre o Abismo (The House on the Borderland, 1908. Veja também as matérias Sem ControleMuito Depois do Fim), “cujos monstros surgem como projeções arquetípicas de horrores internos”.
Stableford lista uma série de fontes a partir das quais os escritores desenvolveram suas imagens de monstros, tais como: o passado pré-histórico revelado pela descoberta de fósseis; criaturas familiares, mas repulsivas, tornadas monstruosas pelo aumento de tamanho; produtos de criação alienígena; os monstros que surgem como mutantes ou como produtos acidentais do esforço científico humano, como é o caso daquele que, provavelmente, é o mais famoso monstro de todos os tempos, criado pelo dr. Victor Frankenstein.

A revista Amazing Stories de 1926, com o conto The Thing From - Outside (Capa: Frank R. Paul).

O pesquisador também diz que “Muitas das imagens padrão do medo abriram seu caminho, da mitologia ou de outro lugar, até a ficção científica por processos mais ou menos inventivos de racionalização”. Assim, segundo Stableford, o monstro invisível mostrou-se facilmente adaptável à ficção científica, e já no primeiro número da revista Amazing Stories, em 1926, aparece um conto nessa linha, The Thing From – Outside (1923), de George Allan England. “O monstro assombra os personagens como ocorreria numa história de fantasmas clássica, mas o interesse da história reside em suas respostas racionais e com determinação à sua situação difícil”.

A revista Weird Tales de 1933, com o conto Shambleau, de C.L. Moore (Capa: Margaret Brundage).

Essa “racionalização” aparece também em Shambleau (1933), de C.L. Moore (Catherine Lucille Moore), que apresenta uma revisão do mito da górgona Medusa, com história situada em Marte e com a criatura conhecida como shambleau sendo capaz de se alimentar da força vital das pessoas utilizando apêndices que se parecem com cabelo, ao mesmo tempo em que as mantêm em estado de êxtase. A adaptação do tema dos lobisomens para a FC aparece em Darker Than You Think (1948), de Jack Williamson, publicado originalmente como um conto em 1940, na revista Unknown; e também com o conto There Shall Be No Darkness (1950), de James Blish, publicado em Thrilling Wonder Stories.

(Capa: A. J. Donnell).

Assim, vários dos temas que pertenciam ao campo do terror foram adaptados à ficção científica, como em Eu Sou a Lenda (I Am Legend, 1954. Veja também a matéria O Mundo Dominado Pelas Pragas), o clássico de Richard Matheson, que não apenas explica o surgimento dos vampiros pela ação de um vírus que transforma a humanidade, como inverte o sentido da lenda, ao transformar o ser humano no monstro, em um mundo já totalmente modificado. O mesmo com Vampiros do Espaço (The Space Vampires, 1976. Veja também a matéria Os Primeiros Extraterrestres), de Colin Wilson, que imaginou os sugadores de energia como alienígenas. O cinema também usou e abusou da ideia de vampiros como extraterrestres, em especial nas produções dos anos 1950.

Em The Encyclopedia of Fantasy, Mike Ashley, editor e pesquisador na área da ficção científica e fantasia, diz que, no moderno gênero fantasia, os monstros são “uma conveniência do autor para colocar mais um obstáculo no caminho da jornada do herói”. Ainda segundo ele, monstros mais tradicionais frequentemente são eles próprios o objetivo de uma jornada, e compõem uma parte fundamental da tradição folclórica.

                                                                                                O monstro Grendel, do poema Beowulf (Ilustração: J. R. Skelton, 1908).

Ashley diz que a maioria dos monstros nas histórias de fantasia inspira temor e são mortos, ampliando a glória do herói, mesmo que esses monstros possam não ser basicamente maus. É o que se vê, por exemplo, com King Kong, um dos mais famosos monstros do cinema; para o povo da ilha em que ele reside, ele é um rei e tem uma função específica, mas se transforma em monstro de fato quando é retirado de seu ambiente e levado à civilização ocidental. Ashley cita outro exemplo em Frankenstein: “O monstro de Frankenstein não tem a capacidade de ser bom ou mau: seu ‘pecado’ é que sua mera aparência provoca repulsa (ou, numa leitura mais profunda, ele se tornou o repositório para a vergonha plenamente justificada de seu criador), e isso o leva a seus atos malévolos”. Mike Ashley cita também, como exemplo dessa situação, a mãe de Grendel, no poema épico Beowulf; às vezes, ela é apresentada como uma bruxa ou outro ser monstruoso que causa destruição, mas ela está apenas vingando a morte de seu filho. Grendel, por sua vez, é apresentado como um monstro, um gigante, “uma criatura das trevas”, mas ele é assim por ter sido amaldiçoado por ser descendente de Caim.

Ao se perguntar “O que é exatamente um monstro?”, em seu livro de ensaios Dança Macabra (Danse Macabre, 1981), Stephen King, evidentemente pensando mais nos monstros das histórias e filmes de terror, começa dizendo que é preciso assumir “(...) que uma história de horror, não importa quão primitiva, é alegórica por sua própria natureza, que é simbólica – assumindo que ela, tal como um paciente no divã do analista, nos fala sobre uma coisa quando quer nos dizer outra. Eu não digo que o horror seja conscientemente alegórico ou simbólico; isso seria sugerir uma destreza que poucos escritores de ficção de horror ou diretores de filmes de horror aspiram”. Para Stephen King, o horror nos atrai porque ele diz, de uma forma simbólica, coisas que nós teríamos medo de falar em voz alta.
Mike Ashley refere-se ainda à palavra em si, pois monstro deriva do latim monstrum, significando algo maravilhoso, mas que deve ser visto como um aviso ou presságio de eventos negativos e que devem ser temidos.

A Destruição do Leviatã (Gustave Doré, 1865).

Em seu excelente livro Esquecidos por Deus (2000, Companhia das Letras), a historiadora Mary Del Priore diz que a humanidade nunca deixou de amar os monstros e, hoje em dia, mais do que nunca. “A cultura contemporânea acabou por torná-los familiares”, diz Del Priore, “trazendo-os para nosso cotidiano e privacidade”. Ela ressalta que as mídias modernas deram espaço aos monstros, “industrializando imagens e sonhos fantásticos”. E, se em uma análise superficial esse fenômeno poderia ser classificado como escapismo, por outro, “(...) numa era que se caracteriza pela ciência e tecnologia, é impressionante constatar o fascínio pelos símbolos e motivos monstruosos, que trazem de volta a noção de um universo encantado e fantástico”.
Mas também é preciso entender essa afirmação de outra forma, uma vez que a noção de “um universo encantado e fantástico” jamais deixou de existir. Os monstros e outros temas fantásticos sempre foram assunto da literatura e do cinema. A diferença é que a cultura contemporânea dispõe de meios de divulgação que antes não existiam, dessa forma conseguindo tornar as monstruosidades mais familiares.
Del Priore escreveu que “O monstro, personagem fantástico, é o homem que abandonou a humanidade para encontrar-se com a fera. Só participamos de sua existência pelo horror que ele nos inspira. A diferença entre nosso olhar sobre os monstros e aquele de nossos antepassados é que hoje sabemos que a narrativa sobre o monstruoso não passa – quiçá, para muitos – de fantasia: trata-se de uma simples história”.
As definições e explicações para o desenvolvimento dos monstros nas mais variadas culturas humanas são as mais variadas e renderam inúmeras obras, mais do que é possível discutir aqui. Seja como for, o que parece bem claro é que a atração pelos monstros, pelo monstruoso em geral, é constante na história da humanidade, e continua viva nas criações artísticas do gênero fantástico.