Depois de suas incursões na ficção científica nos anos 1960, o Pink Floyd não teve grande contato com o gênero. Depois de ser visto, como explicitou o crítico Maxim Jakubowski, como o primeiro grupo de rock de ficção científica a ganhar popularidade, e um nome associado ao space rock, a banda seguiu por outros caminhos.
Os discos seguintes à saída de Barrett não apresentaram visitas à ficção científica, o que só foi surgir em Obscured By Clouds (1972), composto para trilha sonora do filme La Vallée (1972), de Barbet Schroeder. O disco traz a música Childhood’s End, baseada na história O Fim da Infância (Childhood’s End, 1953), de Arthur C. Clarke.
O trabalho que mais se aproxima da FC é The Wall (1979), o álbum duplo que lida com inúmeras questões, sempre com um clima distópico. Adam Roberts disse que é mais uma ópera rock do que um álbum conceitual, e um exemplo significativo da distopia dos anos 1970. Robert McParland disse que o disco explora noções de conformidade, separação, abandono, perda e o embotamento dos sentimentos. “A narrativa de Waters nesse álbum conceitual”, disse McParland, “segue a perda do pai na guerra, tornar-se um músico e construir um muro de autoproteção do mundo”. As músicas seguem a vida de Pink, desde sua infância, quando perdeu o pai na guerra, até tornar-se um astro pop, construindo o muro à sua volta, depressivo e esquizofrênico, alucinando sobre um estado fascista liderado por ele.
Adam Roberts disse que “Apesar de às vezes ser gauche (tímido, incapaz), The Wall permanece como uma das mais importantes distopias de sua década; em seus melhores momentos é um texto intensamente expressivo e assustador”. E o conceito distópico continuou a ser explorado no disco The Final Cut (1983), “(...) no qual o mundo é visto de uma perspectiva satírica anti-guerra que parece ter uma amarga satisfação no apocalipse nuclear com o qual o álbum termina”.
Após o sucesso da ópera rock Tommy (1969), o grupo The Who resolveu realizar um disco conceitual em torno de uma premissa de ficção científica. Como explica Jason Heller, o álbum, que começou sendo um roteiro, iria se chamar Lifehouse e deveria refletir a visão do guitarrista Pete Townshend sobre o perigo de um cataclismo ecológico, controle social por meio da tecnologia e o poder redentor da música diante de uma distopia. “O ambiente seria um futuro indeterminado no qual as pessoas usavam os chamados Lifesuits para proteger-se do meio ambiente tóxico da Terra – só que essas roupas estavam conectadas a uma rede de comunicação opressiva chamada The Grid (A Rede)”.
Heller informa que Townshend enviou uma sinopse da história para Ray Bradbury, na esperança de que o escritor escrevesse um roteiro para um filme, que ele esperava que pudesse ser dirigido por um jovem diretor chamado Nicolas Roeg. Mas nenhuma das possíveis colaborações aconteceu. O guitarrista quase teve um esgotamento nervoso ao tentar dar vida à sua ideia, e acabou abandonando o projeto em 1971.
No entanto, partes dele foram aproveitadas e incluídas no álbum Who’s Next, que Jason Heller classifica como “decididamente um álbum não de FC”.
Já Adam Roberts entende que Who’s Next – que ele classifica como uma obra-prima do rock – é um “texto oblíquo de FC” e “(...) consiste em porções desconexas do projeto. Essas músicas, alternadamente tonitruantes e delicadas, capturam brilhantemente um espírito distópico no qual a alienação adolescente é projetada no cosmo como um todo”. Outras músicas apareceram em alguns discos da banda, como Who Are You (1978).
Em 2000, Pete Townshend lançou uma caixa de CDs com o título Lifehouse Chronicles, com músicas do projeto abandonado. Ainda em 1999, a BBC Radio 3 transmitiu a peça de Townshend adaptada para o rádio, incorporando a música escrita originalmente para o projeto Lifehouse. Na caixa de CDs lançada em 2000 – com vendas sendo realizadas exclusivamente no site do músico e em shows dele – consta também a peça radiofônica.
Após o sucesso com o personagem Major Tom de Space Oddity, David Bowie iria ainda mais longe em sua aventuras de ficção científica no rock, a começar com algumas músicas de seu disco The Man Who Sold the World (1970), como Saviour Machine, que apresenta um computador que domina a sociedade ou que, como disse Jason Heller, apresenta um Presidente Joe semelhante ao Big Brother de 1984, de George Orwell. “Em outro eco de 2001”, diz Heller, “a música antevê um futuro aterrorizante no qual um supercomputador ‘odeia a espécie que lhe deu vida’ e, como o HAL de Clarke e Kubrick, começa a brincar com os humanos aos quais serve”. E a música The Supermen tem, ao que tudo indica, uma relação com os deuses ancestrais de H.P. Lovecraft, ainda que nenhum nome seja citado.
Mas uma transformação radical surgiu com o personagem Ziggy Stardust. Jason Heller disse que o álbum The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders From Mars foi desvelado “como um artefato de alguma civilização alienígena”, em junho de 1972. Adam Roberts disse que o disco foi influenciado pelo foco nas atuações performáticas estilizadas do teatro Kabuki, com o personagem sendo representado tanto no palco quanto fora dele. “Ziggy é um marciano”, diz Roberts, “que antevê a destruição da Terra e viaja para cá para salvar o planeta com o poder de sua guitarra tocada com a mão esquerda. A música imensa e alegre de Bowie, baseada no rock-and-roll, acompanha de forma brilhante a narrativa do excesso que leva essa figura messiânica através do hedonismo do rock-and-roll até sua inevitável perdição. Apesar de a música ser atraente, possivelmente a característica mais significante de Ziggy foi a total personificação de Bowie, nas apresentações e na vida, de uma personalidade de ficção científica perfeitamente concretizada”.
Roberts lembra que a personificação foi tão intensa e profunda que ameaçou a sanidade de Bowie, que se tornou Ziggy Stardust. “Todos estavam me convencendo de que eu era o Messias”, disse Bowie, “especialmente naquela primeira turnê americana. Eu fiquei irremediavelmente perdido na fantasia”.
A música mais conhecida do disco é certamente Starman, que foi trabalhada como a linha de frente das vendas e sendo lançada em compacto, ainda que Moonage Daydream, a terceira música do disco e que antecede Starman, já tivesse sido lançada em compacto em 1971.
Capa de James Warhola (Ace Books, 1987).
Segundo Jason Heller, Starman era um excelente e impressionante apresentação da arte de compor canções pop, exatamente o que Bowie precisava naquele momento de sua carreira, com uma história de ficção científica centrada em Ziggy Stardust, tanto o alter ego de Bowie quanto o protagonista fictício do disco conceitual, ainda que com um conceito um tanto disperso, sendo mais uma reunião de ideias que se aglutinam em torno de um conceito.
Heller também diz que “Se Bowie pretendia que Starman fosse uma referência clara ao personagem Starman Jones, de Heinlein, do livro que ele amava quando criança, ele nunca confessou isso publicamente. Mas o enredo da história de Rise and Fall, reconhecidamente incompleto, encontra paralelo em outro trabalho de Heinlein: Um Estranho Numa Terra Estranha, o romance que influenciou David Crosby nos anos 1960 e, depois, muitos outros músicos de FC dos anos 1970”. Heller lembra que os dois heróis das obras citadas, Valentine (em Um Estranho) e Ziggy, tornaram-se um tipo de messias, andróginos, mensageiros libertinos de uma nova era da consciência humana.
Mas a maior revelação a respeito do personagem Ziggy, segundo Heller, veio em uma conversa-entrevista entre Bowie e o escritor Wiliam Burroughs, em 1973, quando Bowie disse que Ziggy Stardust na verdade não era um extraterrestre, mas um terrestre que fez contato com seres extradimensionais, que o utilizaram como um meio carismático para seu próprio plano de invasão nefasto. E assim como o monstro de Frankenstein passou a ser erroneamente chamado de Frankenstein, Ziggy Stardust também continuou a ser considerado a entidade alienígena de Rise and Fall. “Considerando a identidade e o gênero mutáveis do mais famoso alter ego de Bowie”, diz Heller, “essa ambiguidade pode muito bem ter sido sua intenção”.
(Capa de Guy Peellaert).
A investida seguinte de Bowie na FC veio no álbum Diamond Dogs (1974), um de seus melhores discos, que começou a se delinear como uma versão musical de 1984, de George Orwell, um dos livros favoritos de Bowie, e que não aconteceu por ele não ter conseguido os direitos. No entanto, o disco traz a música 1984, e o álbum desenvolveu-se em torno de um conceito geral de um mundo distópico futuro, apresentado no monólogo Future Legend que abre o disco com uivos animais e uma arrepiante e sensacional música de fundo.
Jason Heller diz que o disco é a obra de Bowie que mais cita trabalhos específicos de ficção científica, a começar pelo já citado 1984; e a música We Are the Dead é uma frase do livro.
Bowie teve de mudar completamente o foco do disco depois que Sonia Orwell, viúva de George Orwell, negou permissão para usar o livro, de modo que Bowie criou a Hunger City, a cidade infestada por mutantes, e também foi buscar inspiração no livro The Wild Boys (1971), de William S. Burroughs, e em Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1962), tanto o livro de Anthony Burgess quanto o filme de Stanley Kubrick (1971). Bowie também disse que o filme Metrópolis (1927) foi tão importante quanto 1984 na concepção do álbum.
Bowie em O Homem Que Caiu na Terra (British Lion Film Corporation/ Cinema 5).
Bowie reafirmou sua relação com a ficção científica ao interpretar o personagem Thomas Jerome Newton, o alienígena do filme O Homem Que Caiu na Terra (The Man Who Fell to Earth, 1976), dirigido por Nicolas Roeg, baseado no livro com o mesmo título, de Walter Tevis (1963). Como disse Adam Roberts, “As credenciais de Bowie como um alienígena estavam tão bem estabelecidas na cultura popular que ele quase não teve de atuar como o personagem central do filme de Nicolas Roeg”. E, baseado nesse personagem, uma nova personagem foi desenvolvida por Bowie, The Thin White Duke, que apareceu pela primeira vez no álbum Station to Station (1976), cuja capa traz uma imagem do filme de Roeg, ainda que as músicas do disco não tenham relação com a FC.
O disco Low (1977) também traz uma imagem do filme, e o lado 2 reflete o que Bowie pretendia que fosse a trilha sonora do filme, que não foi utilizada. Assim como muitas músicas do álbum Heroes (1977), tem a colaboração de Brian Eno em várias músicas e muita influência das bandas alemãs, particularmente Kraftwerk e Tangerine Dream.
Ele retornaria à ficção científica em 1995, com Outside, álbum que gira em torno de personagens vivendo em um mundo distópico às vésperas do século 21. Nesse mundo imaginado, o governo criou uma comissão de arte que, por sua vez, criou uma agência para investigar um fenômeno chamado de “Art Crime”, um tipo de arte que envolve o assassinato e a mutilação de corpos.
O Genesis também teve suas passagens pela ficção científica, e pelo menos três músicas da banda que abordam temas do gênero tornaram-se clássicos do rock progressivo dos anos 1970.
Formada em 1967, o primeiro disco só foi lançado em 1969, From Genesis to Revelation, mas o sucesso e reconhecimento começou com seu segundo álbum, Trespass (1970), que traz a música Stagnation, que fala sobre um milionário que se torna o único sobrevivente de uma guerra nuclear, vivendo em um abrigo subterrâneo.
A primeira música de FC clássica do grupo, Watcher of the Skies, surgiu em seu quarto álbum Foxtrot (1972), e foi mais uma inspirada pelo livro O Fim da Infância (Childhood’s End, 1953), de Arthur C. Clarke; o título, no entanto, diz-se ter sido inspirado em um poema de John Keats (On First Looking into Chapman’s Homer, 1817). Como disse Jason Heller, a música tem uma grandiosidade arrebatadora, ainda que sinistra, adaptando algumas ideias de Clarke no livro em questão. Tony Banks, o tecladista da banda, disse que a música era uma espécie de fantasia de ficção científica vagamente baseada no livro e nos personagens Os Vigias, os extraterrestres dos quadrinhos da Marvel.
Não bastasse isso, o disco traz outra música clássica do Genesis, e também ligada à FC, Get ‘Em Out by Friday, uma composição “brilhante”, como disse Adam Roberts, que inicia falando sobre despejos realizados pelo dono de um imóvel e faz uma transição para uma distopia futura, lidando com o tema da superpopulação. Segundo Dave Bowler e Bryan Dray (em Genesis: A Biography, 1992), a música é como uma ópera cômica, que Peter Gabriel descreveu como “em parte, comentário social, em parte profética”, e inspirada pelos problemas enfrentados pelo próprio Gabriel com o proprietário do apartamento que alugava. No meio da composição entra uma parte instrumental, após a qual a história vai para o ano, então futuro, de 2012, quando o Controle Genético anuncia sua decisão de diminuir a altura de todos os humanos para 1,20 metros, para que as casas possam acomodar mais pessoas.
E Foxtrot ainda traz a música Supper’s Ready, que Adam Roberts definiu como “(...) uma dramatização esplendidamente rica e sugestiva do fim do mundo”, em uma composição de 23 minutos dividida em sete movimentos. A história fala de um homem que volta para sua casa após longo tempo fora e é recebido por sua amante, e fala sobre imagens sobrenaturais. Segundo algumas fontes, Peter Gabriel disse que a letra foi inspirada por uma experiência espiritual que ocorreu com ele, sua esposa Jill e o produtor John Anthony, em uma noite em que sua esposa começou a falar com uma voz completamente diferente. No livro Genesis: I Know What I Like (1980), de Armando Gallo, Peter Gabriel disse que sua esposa teve uma reação negativa ao fato de ter dormido em um quarto com paredes violeta. Gabriel também disse que teve outra experiência estranha na qual, à noite, olhando por uma janela, viu um local diferente daquele em que realmente estava, no qual sete homens vestidos com mortalhas caminhavam. Assim, essas experiências levaram-no a pensar nas noções do Bem e do Mal, que levaram às letras de Supper’s Ready. Mas Steve Hackett apresentou uma versão diferente, em entrevista para Mick Wall, na revista Classic Rock (2016), entendendo que a situação foi mais trivial e provavelmente envolveu alguma droga que Jill tenha tomado e que virou uma “bad trip”. Mick Wall, um dos jornalistas mais conhecidos no mundo do rock, disse que, hoje, Supper’s Ready está junto com Stairway to Heaven e Dark Side of the Moon “(...) como um dos perfis monumentais do Mount Rushmore do rock”.
Após a saída de Peter Gabriel, em 1975, e de Steve Hackett, em 1977, o Genesis entrou em uma fase diferente de composições, mais orientadas para o pop. Mas ainda teria mais uma passagem pela ficção científica, no disco Abacab (1981), com a música Keep It Dark. A história fala de um homem que viajou ao futuro e viu um mundo diferente, feliz, com cidades maravilhosas e no qual as guerras não existiam. Mas quando ele retorna, ele é pressionado a mentir sobre o incidente, dizendo que desapareceu por algumas semanas porque foi raptado por bandidos que queriam seu dinheiro.
Capa de Adalis Martinez (Ed. Aleph, 2018).
Dois integrantes do Genesis também lançaram discos-solo com histórias de ficção científica. Em 1979, Tony Banks lançou A Curious Feeling, um disco conceitual adaptando o livro Flores Para Algernon (Flowers for Algernon, 1966), de Daniel Keyes, que ganhou o Prêmio Nebula de melhor romance em 1967 (dividido com Babel-17, de Samuel R. Delany). A história também foi adaptada para o cinema em Os Dois Mundos de Charly (Charly, 1968), com direção de Ralph Nelson e que deu o Oscar de melhor ator para Cliff Robertson. A história refere-se a uma experiência realizada com um homem com capacidade mental limitada que faz com que ele se torne um gênio; porém, sua genialidade logo termina e ele retorna à sua condição anterior.
(Pinter & Martin, 2008).
O baixista Mike Rutherford lançou seu disco-solo Smallcreep’s Day (1980), baseado no livro com o mesmo título (1965) de Peter Currell Brown, no qual o personagem central, um entediado trabalhador de uma fábrica que deixa seu local de trabalho para explorar o local, um lugar tão grande que contém outros mundos. A jornada apresenta situações surreais, cenas perturbadoras, algumas cômicas, outras bastante pesadas, e faz com que o personagem se transforme. Apesar de não ter obtido grande sucesso comercial, é um disco com músicas muito bonitas.
A banda Van der Graaf Generator, geralmente considerada entre as bandas de rock progressivo dos anos 1970, não só tem um dos nomes mais curiosos do gênero como também está entre as mais criativas, com uma musicalidade facilmente identificada, como uma marca de personalidade.
Grande parte disso se deve a Peter Hammil que, em 1967, uniu-se a Chris Judge Smith para formar o Van der Graaf Generator. A eles juntaram-se posteriormente o tecladista Hugh Banton, o baterista Guy Evans, o baixista Keith Ellis e o saxofonista David Jackson. Mas a formação mais consistente foi com Hammil, Banton, Evans e Jackson.
O primeiro disco, The Aerosol Grey Machine (1969), deveria ser um disco de Hammil, mas foi lançado com o nome da banda para que a gravadora o liberasse do contrato e a banda pudesse assinar com uma nova gravadora. Não é diretamente associado à ficção científica, ainda que Adam Roberts tenha dito que o disco “(...) ainda que não seja o melhor da banda, tem um interessante sabor de FC New Wave quase surreal”.
Jason Heller destacou a influência da FC em Peter Hammil, especialmente os escritores da chamada New Wave como Thomas M. Disch, Michael Moorcock e Philip K. Dick. Heller cita uma entrevista de Hammil na qual ele diz que “Os anos 1970, é claro, foi uma grande época para a ficção científica, e todos nós éramos entusiasmados por eles, especialmente por aqueles escritores que estavam usando a forma para questionar assuntos da realidade e filosofia. Certamente, o alcance da imaginação que estava envolvido me atraía”.
O trabalho seguinte foi o álbum The Least We Can Do Is Wave to Each Other (1970), que Adam Roberts definou como “(…) uma meditação sobre as fronteiras porosas entre as chamadas hard science e o misticismo alquímico, que consegue uma sofisticação e nuances notáveis”. A última música, After the Flood, é mais diretamente relacionada ao gênero, falando sobre uma inundação apocalíptica.
O disco seguinte, H to He, Who Am the Only One (1970), é considerado por alguns críticos como um dos melhores trabalho da banda e, entre outras coisas, tem a presença do guitarrista Robert Fripp, do King Crimson, na música The Emperor in His War Room. Para Adam Roberts, é “(...) um álbum conceitual pouco rígido que toma a fusão nuclear do hidrogênio para hélio (o “H to He” do título) como ponto de partida para uma articulação da dialética da ciência, tanto como destrutiva (The Emperor in His War Room) quanto como uma possibilidade futura, representada aqui como uma espaçonave com capacidade de voar mais rápida do que a luz (a última música do disco, Pioneers Over c, ambiciosamente data essa eventualidade em 1983)”. No livro Van der Graaf Generator – The Book (2005), os autores Jim Christopulos e Phil Smart dizem que a música refere-se a um grupo de astronautas que conseguem viajar mais rápido do que a luz (daí o “c” do título) e, como resultado, eles entram em uma dobra do tempo, experimentando uma “morte em vida” na qual o tempo passa de uma forma não linear, e incapazes de retornar à Terra”.
Após o lançamento de Pawn Hearts (1971), seguramente o melhor disco da banda e um dos clássicos do rock progressivo, o Van der Graaf passou alguns anos separado, e Peter Hammil aproveitou esse período para lançar alguns discos solo – alguns com a presença dos demais integrantes da banda e convidados como Robert Fripp e Randy California, do grupo americano Spirit.
Em seu primeiro disco solo, Fool’s Mate (1971), ainda com o Van der Graaf em ação, destaca-se a música Imperial Zeppelin, de Hammil e seu antigo companheiro de banda, Chris Judge Smith, composição que, segundo Adam Roberts, “(...) é um exemplo incomum de ficção científica steampunk pop. Que possivelmente deve muito às fantasias eduardianas de Michael Moorcock”.
Seu terceiro disco solo, The Silent Corner and the Empty Stage (1974), traz a música Red Shift, que Jason Heller disse ser praticamente um miniálbum, repleto de ecos, efeitos sonoros cósmicos e letra que fala sobre estar deslocado no tempo e nas profundezas das galáxias.
A banda voltou a reunir-se em 1975 e, em 1976, no disco Still Life, incluiu a música Childlike Faith in Childhood’s End, inspirada pelo livro O Fim da Infância, de Arthur C. Clarke, como já haviam feito anteriormente o Pink Floyd e o Genesis.
Dave Brock, do Hawkwind, em show de 2009 (Foto: SilverLoz/ Wikimedia).
O Hawkwind foi, certamente, um dos grupos mais envolvidos com a ficção científica e, como ocorreu com o Blue Öyster Cult, também manteve uma estreita colaboração com o escritor Michael Moorcock. Liderada por David Brock, a banda surgiu em 1969 e teve uma série de formações diferentes ao longo de sua história. Ao comentar sobre seu primeiro disco, Hawkwind (1970), Adam Roberts disse que é um álbum agradavelmente atmosférico e quase todo instrumental, “(...) que é ficção científica mais no estado de espírito do que nos detalhes. In Search of Space (1971; seu segundo álbum) é melhor: musicalmente ainda descuidado e em grande parte improvisado, seu blues galáctico e rock psicodélico se aglutina em uma narrativa sobre a expansão da humanidade em direção ao espaço”.
Jason Heller diz que a introdução de Michael Moorcock e do poeta Robert Calvert aguçou o foco da banda na ficção científica e, ainda que não fosse um álbum conceitual, ele definiu um novo padrão na música de ficção científica. Segundo Heller, não apenas algumas músicas refletiam a paixão da banda pela FC, mas toda a música ia muito além de agir apenas como um veículo para letras sobre o tempo-espaço e androides. “In Search of Space soou”, diz Heller, “como nenhum álbum fez antes dele, como uma sonda separando as profundidades do paraíso. Presumindo, é claro, que essa sonda fosse propulsionada por LSD”. Ele destaca no álbum as músicas Master of the Universe, Adjust Me e Children of the Sun. Joe Banks, comentando o disco em recente material sobre o Hawkwind na revista britânica Prog (novembro de 2019), disse que Master of the Universe é o primeiro clássico de ficção científica da banda.
Jason Heller considera que a música do Hawkwind não pretendia apresentar qualquer tipo de descrição do que poderia acontecer no futuro, como Calvert explicou: “Não é predizer o que vai acontecer no futuro. É a mitologia da Era Espacial, de modo que as espaçonaves e viagens interplanetárias comparam-se às viagens heroicas de outros tempos”. E, em 1971, também foi a época em que se juntou ao grupo o baixista e vocalista Ian “Lemmy” Kilmister, que posteriormente seria mais conhecido como o líder do Motörhead.
Capa de Howard Bernstein (Doubleday, 1967).
Em 1972, a banda lançou o álbum Doremi Fasol Latido, que traz a música Lord of Light, uma adaptação do livro de Roger Zelazny, O Senhor da Luz (Lord of Light, 1967); e também a música Space Is Deep que, segundo Adam Roberts, reitera o sentimento expresso no título muitas vezes. “Aliás”, disse Roberts, “e falando em sentido mais amplo, as letras repetitivas e, às vezes, desajeitadas, do Hawkwind, funcionam melhor com as músicas do que como textos impressos, nos quais sua efetividade cumulativa e quase encantatória pode se perder”.
Capa de Black Corridor de Diane Dillon e Leo Dillon (Ace Books, 1969).
Em 1973, o Hawkwind lançou um disco ao vivo, Space Ritual, gravado em 1972 em Liverpool e Londres, que traz algumas das músicas já conhecidas da banda e também Black Corridor, baseado no livro de Michael Moorcock, The Black Corridor (1969), escrito com sua esposa, Hilary Bailey, que não foi creditada. É uma canção com menos de dois minutos, não cantada, mas narrada, e marca o início da colaboração entre a banda e o escritor, que se ampliou no álbum Warrior on the Edge of Time (1975).
O álbum anterior, Hall of the Mountain Grill (1974), tem músicas que, como diz Roberts, “orbitam temas de ficção científica”, o que se vê mais claramente na capa do disco, desenhada por Barney Bubbles, colaborador da banda há algum tempo, e mostra uma imensa espaçonave saindo do oceano, ou caída no oceano.
Warrior... traz quatro músicas com colaboração de Moorcock, e também foi o último com a participação de Lemmy. No entanto, as letras de Moorcock têm mais a ver com sua série do Eterno Campeão que, segundo Jason Heller, rompe a membrana entre a ficção científica e a fantasia, apesar de a maioria dos críticos entender que são histórias de fantasia. Outra referência clara à ficção científica surgiu no título e na capa do disco Astounding Sounds, Amazing Music (1976), lembrando duas das mais famosas revistas do gênero, como se cada música pudesse ser ouvida e entendida como uma história. O disco também marca a volta de Robert Calvert aos vocais e letras.
The Time of the Hawklords (Star, 1976); Queens of Deliria (Star, 1977).
Nessa época, os integrantes do Hawkwind também foram personagens literários, nos livros The Time of the Hawklords (1976) e Queens of Deliria (1977), de Michael Butterworth. Os livros foram apresentados como tendo a participação de Michael Moorcock, mas o escritor disse que teve pouca relação com o primeiro livro e nenhuma com o segundo. As obras apresentam um ambiente de fantasia na qual a banda tem acesso a um instrumento musical que pode acabar com o sofrimento no planeta.
Jason Heller comenta esse momento do Hawkwind, no final da década de 1970, dizendo que seus três discos do período – Astounding Sounds..., Quark, Strangeness and Charm (1977) e PXR5 (1979) – ampliam o envolvimento da banda com os trabalhos de J.G. Ballard, Isaac Asimov, Roger Zelazny e Norman Spinrad.
Em Quark, Strangeness and Charm, a música Damnation Alley é inspirada pelo livro O Beco dos Malditos (Damnation Alley, 1969), de Roger Zelazny, enquanto Spirit of the Age tem letras de Calvert, baseadas em seus poemas de ficção científica. E também The Iron Dream, música instrumental baseada no livro O Sonho de Ferro (The Iron Dream, 1972), de Norman Spinrad. Traz, como comentou Joe Banks na revista Prog, “(...) um olhar satírico sobre tudo, de clonagem a física quântica, do terrorismo no Oriente Médio ao apocalipse nuclear”.
Entre um disco e outro surgiu ainda 25 Years On (1978), lançado com o nome da banda creditado como Hawklords devido a problemas legais envolvendo o nome Hawkwind. Adam Roberts disse que o futuro próximo apresentado no disco não foi bem trabalhado. As músicas mais representativas da ficção científica no álbum talvez sejam Psi Power, referente a telepatia, e The Age of the Micro Man, sobre trabalhadores de uma fábrica futura. Por outro lado, Joe Banks, na revista Prog, coloca o álbum entre as “gemas escondidas” do Hawkwind.
Capa de James Warhola (Chicago Review Press, 2016).
Em PXR5, mais uma vez a banda adaptou um livro de Zelazny, Jack of Shadows (1971), na música com o mesmo título. Na música Robot a referência é às Três Leis da Robótica, de Isaac Asimov; em High Rise, ao livro com o mesmo título (1975), de J. G. Ballard. Segundo Jason Heller, High Rise foi a última música da banda baseada em uma obra específica de ficção científica, mas não é bem assim. O disco seguinte, Levitation (1980), traz a música World of Tiers, que é uma referência à série de livros de Philip José Farmer com o mesmo título. Levitation tem a participação de Ginger Baker na bateria, um dos mais famosos bateristas da história do rock, e do tecladista Tim Blake, que tinha tocado com o Gong; e, mais uma vez, marca a saída de Calvert.
Adam Roberts diz que, na verdade, nos anos 1980 o Hawkwind já estava em declínio, com vários integrantes da banda dispersando e “(...) com o que antes tinha sido inovador e, para adotar o clichê dos anos 1960, expansor da mente, era então excessivamente familiar e nada desafiador. Os álbuns continuaram a ser lançados mais ou menos anualmente e Brock, agora o único membro fundador remanescente, continuou a dar voz às suas fascinações com a ficção científica, mas a antiga poder desorganizado tinha desaparecido”.
É assim que ele vê, por exemplo, o disco Church of Hawkwind (1982), que soa como um heavy metal comum, como também é o caso de Choose Your Masques (1982), ainda que esse traga a “levemente interessante” música Fahrenheit 451, baseada no livro com o mesmo nome de Ray Bradbury (também comentado em Utopias e Distopias Modernas).
A banda continuou a lançar discos com relação mais ou menos íntima com a ficção científica, além de alguns álbuns com releituras de músicas antigas. Em 2016, surgiu The Machine Stops, um álbum conceitual em torno do conto com o mesmo título, de E.M. Forster, com história sobre um mundo em que a humanidade vive no subterrâneo enquanto uma máquina gigantesca providencia tudo o que as pessoas precisam.
O 32º álbum de estúdio da banda, All Aboard the Skylark, foi lançado em 2019, com várias músicas ligadas à ficção científica, a começar pelo “Skylark” do título, uma referência às histórias de E.E. “Doc” Smith. E, apesar do Hawkwind ainda ter inúmeros fãs e uma importância fundamental no rock ligado à FC, a crítica não recebeu muito favoravelmente os discos realizados a partir dos anos 1990.
Uma série de bandas e músicos realizaram trabalhos relacionados a histórias específicas de ficção científica ou suas próprias criações. Uns mais, outros menos competentes. Uns em maior quantidade, outros com um ou poucos trabalhos na área.
Na matéria a seguir, apresentamos uma listagem de bandas com seus discos e músicas de ficção científica.