O medo de uma guerra nuclear acompanhou a humanidade durante muito tempo. Para ser mais exato, de agosto de 1945 – quando as primeiras bombas nucleares arrasaram as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki – até 1989, com a queda do muro de Berlim e o consequente fim da guerra fria e o decréscimo da beligerância entre EUA e URSS. Não que o perigo real tenha acabado a partir desse período, mas certamente não voltou a atingir a paranoia dos anos 1950, 60 e 70. Em 1962, por exemplo, com a famosa crise dos mísseis em Cuba, o mundo chegou realmente muito perto de um confronto nuclear. E, ainda hoje, é mantida a contagem do chamado “relógio do juízo final”.
Após a Segunda Guerra Mundial e as explosões de armas nucleares – tanto as utilizadas no ataque ao Japão quanto os inúmeros testes nucleares realizados pelas potências nas décadas seguintes – surgiram centenas de histórias que tinham o apocalipse nuclear como tema central, na literatura e no cinema, variando do absolutamente pavoroso e ridículo até obras de altíssima qualidade.
Henry Fonda, em Limite de Segurança (Columbia).
O filme considerado mais próximo da “realidade” da época foi Limite de Segurança (Fail Safe, 1964), dirigido por Sidney Lumet. A história é extremamente parecida com a de Doutor Fantástico (Dr. Strangelove), dirigido por Kubrick, no mesmo ano. Na verdade, os enredos são tão parecidos que originaram uma série de acusações de plágio.
Henry Fonda é o presidente dos EUA, e Larry Hagman o tradutor, tentando negociar a paz com o premiê soviético, em Limite de Segurança.
O que o filme de Kubrick tem de humor, o de Lumet tem de suspense, encarando a possibilidade de destruição nuclear como algo a ser evitado a todo custo. Ocorre um defeito nos computadores do Comando Estratégico dos EUA, fazendo com que um ataque nuclear em larga escala seja iniciado contra a URSS. Quando o governo percebe o que está acontecendo, tenta deter os aviões, mas um deles consegue atingir seu objetivo. Em Limite de Segurança, o presidente dos EUA, interpretado por Henry Fonda, consegue evitar a guerra mundial dando a ordem para que Nova York seja bombardeada.
Peter Sellers como o doutor Fantástico (Columbia).
Apesar de todo o clima do filme de Kubrick ser de humor negro, a perspectiva final é bem mais terrível do que a do filme de Lumet, com a bomba sendo jogada e originando uma série de explosões nucleares que destruirão o planeta.
O filme se destaca como uma das mais alucinantes versões para um final do mundo devido a um conflito nuclear, uma das grandes comédias de humor negro do cinema. O ator Peter Sellers é um dos destaques da produção, excelente nos três papéis que representa: ele é o doutor Fantástico do título nacional, um ex-nazista que passou a trabalhar para o governo norte-americano, e o construtor da bomba do juízo final; além de ter imensas dificuldades em controlar seu próprio braço, que insiste em fazer a saudação nazista.
Peter Sellers, como o oficial britânico.
Sellers também interpreta o amedrontado oficial inglês servindo na base do oficial americano mais paranoico de todos os tempos, responsável por enviar os aviões para bombardearem a União Soviética. E também interpreta o presidentes dos EUA, tentando de todas as formas evitar a catástrofe, mas cercado por incompetentes ou loucos varridos, e tendo de lidar com o premiê soviético pelo telefone, apesar do russo estar completamente bêbado.
Slim Pickens, na alucinada cavalgada da bomba nuclear, uma das cenas mais marcantes do cinema.
A possibilidade de uma guerra nuclear mundial continuava a ser uma realidade nos anos 1980. Em 1983, o então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, propôs o projeto popularmente conhecido como Guerra nas Estrelas. Talvez isso tenha originado as duas produções do mesmo ano, O Dia Seguinte (The Day After) e O Testamento (Testament, também conhecido como Herança Nuclear), com aproximações bem diferentes do tema.
Uma das impressionantes cenas de explosões nucleares em O Dia Seguinte (ABC TV).
Produzido para a TV pela ABC, O Dia Seguinte registrou uma das maiores audiências da história da televisão, com mais de 100 milhões de espectadores nos EUA, e foi um espetáculo completo, com uma grande discussão sobre o tema sendo realizada ao vivo, após a apresentação, com a participação de Carl Sagan.
Os mísseis partem em retaliação aos ataques, em O Dia Seguinte.
O diretor Nicholas Meyer disse que se tratava de um filme de “utilidade pública”, mostrando os momentos iniciais de um conflito nuclear e as consequências da destruição. A produção deu grande atenção aos detalhes técnicos, ainda que os cientistas que falaram sobre o filme tenham dito que ele não retratava nem uma pequena parte do que realmente aconteceria com o planeta, no caso de uma destruição em larga escala.
Por outro lado, o que O Dia Seguinte tem de explícito, O Testamento tem de dramático, e só não foi mais efetivo no efeito causado no público porque não teve o mesmo número de espectadores. Mas em tudo mais o filme dirigido por Lynee Littman é superior.
A família reunida para orar pela sobrevivência, com Kevin Costner (então, com 28 anos e ainda não famoso) em primeiro plano, e Jane Alexander como a mãe que tenta manter a situação em ordem, em O Testamento (Paramount).
Não há qualquer efeito especial, nenhuma explosão nuclear é mostrada, com a história girando em torno da vida na pequena cidade de Hamelin, mais exatamente na família Wetherly. O pai está longe, viajando, quando notícias desencontradas começam a chegar à cidade, dando conta de que algumas cidades dos EUA foram atacadas por armas nucleares. A partir de então, os eventos mostram a transformação lenta e sem retorno pela qual o mundo está passando. A mãe tenta manter as crianças alheias ao fato de que, com o tempo, ninguém irá sobreviver, mas até isso se torna impossível.
É um filme com clima pesado, mas certamente é a melhor produção do gênero de sua época.
Dois anos depois, a BBC inglesa produziu a sua versão de O Dia Seguinte, com Catástrofe Nuclear (Threads), dirigido por Mick Jackson. Os efeitos especiais são menos espetaculares, mas o efeito na audiência foi igualmente impactante, em parte devido ao estilo de documentário do filme.
Tem o mesmo defeito do filme norte-americano ao subestimar os efeitos de uma guerra nuclear, prevendo um número maior de sobreviventes do que o que os especialistas no assunto realmente imaginavam. Por outro lado, estende-se sobre os possíveis efeitos da radiação nas gerações futuras. Comete o erro de, ao contrário das duas produções dos EUA, abertamente atribuir aos soviéticos a culpa pelo início da guerra.
Anthony Edwards atende o telefonema que inicia a confusão, em Miracle Mile (Hemdale/ Columbia).
Em 1988, outro filme abordava o período imediatamente anterior a uma guerra nuclear. Trata-se de Miracle Mile, que no Brasil recebeu o criativo título de Miracle Mile. E, por alguma razão misteriosa, na época a crítica brasileira detestou o filme. A direção é de Steve De Jarnatt, e o filme é um achado entre as produções que tratam da hecatombe nuclear, porque apresenta os minutos que antecedem o final, a queda das bombas nucleares, do ponto de vista de um músico (Anthony Edwards, que fez o dr. Mark Greene no seriado Plantão Médico/ ER). Por acaso, ele atende um telefone público e ouve uma mensagem desesperada de alguém que trabalha num silo de mísseis nucleares, avisando que o fim está chegando, e Los Angeles será atingida em 70 minutos. A notícia se espalha e a cidade se transforma num pandemônio.
Em poucos minutos, a anarquia toma conta da cidade (Miracle Mile).
Até os minutos finais não se tem uma ideia clara se o fim está realmente próximo ou se era apenas um trote com repercussões imprevistas. Nesse sentido, o filme também funciona muito bem como um estudo do comportamento das massas, do poder dos boatos, tanto quanto do desespero, da falta de objetivo e da estupidez humana. É muito melhor do que os críticos acharam na época.