Samuel R. Delany é um dos melhores e mais conceituados escritores de ficção científica, especialmente relacionado ao que foi chamado de “new wave” do gênero, nos anos 1960 e 1970. Essa época foi, para muitos críticos, o período mais criativo do escritor, e também o início de sua carreira.
Nova (Nova, 1968), considerado entre seus melhores trabalhos, surgiu logo após Estrela Imperial e Babel-17, ambos de 1966, e The Einstein Intersection (1967), todos premiados ou indicados para as maiores premiações da ficção científica; Nova foi indicado para o Prêmio Hugo de 1969 (vencido por Stand on Zanzibar, de John Brunner).
Como foi comum com a literatura de fc da new wave, Delany experimentou com o conteúdo das histórias, misturando temas próprios do gênero – no caso, compondo uma space opera – com elementos que, pelo menos até então, eram “estranhos” à ficção científica. E também trabalhando com experimentações no estilo e forma, além de não deixar de lado abordagens que o gênero não costumava utilizar com frequência, como sexo e drogas.
E o livro pode ser “estranho” aos novatos no gênero, com construções de diálogos truncados que, às vezes, parecem ter sentido para os personagens, mas nem tanto para os leitores. É claro que, com o tempo, tudo se esclarece, e a natureza de cada personagem vai sendo construída aos poucos.
O centro de tudo é o capitão Lorq Von Ray, pertencente à riquíssima família Von Ray, das Plêiades, uma das facções que dominam economicamente a galáxia habitada pela humanidade. A outra família é a de Prince Red, inimigo mortal de Lorq, baseado em Draco, cujo centro é a própria Terra. No futuro imaginado por Delany, no século 32, os Red dominam a economia, mas Von Ray tem a ideia, ou fixação, de encontrar uma imensa fonte do material conhecido como Ilírion – fundamental para o funcionamento da humanidade – e diz que pode conseguir ao jogar sua nave espacial no centro de uma estrela no momento em que ela se tornar uma nova. Dessa forma, ele poderá mudar o centro de poder galáxia, favorecendo, é claro, as Plêiades, e impedir que a humanidade permaneça estacionada como se encontra.
Para realizar sua missão, ele consegue juntar uma tripulação bastante diversificada, mas ainda assim tem de enfrentar a ira e os métodos violentos de Prince Red e sua irmã Ruby.
O crítico David Pringle, em seu The Ultimate Guide to Science Fiction, disse que Nova é “(...) uma das mais ‘utópicas’ visões de um futuro de viagens espaciais jamais escritas”. Em seu Science Fiction: The 100 Best Novels, Pringle foi ainda mais longe ao afirmar que Samuel Delany “era a New Wave americana. Os leitores podem não ter previsto isso na época, mas Nova provou ser seu resumo”. Para Pringle, seu livro seguinte, Dhalgren (1975), seguiu em uma direção completamente diferente, e ficou claro que, para apreciar o trabalho do jovem Delany em seu auge – brilhante e com filigrana, um mestre do movimento e excitação – é preciso voltar a Nova.
Peter Nicholls disse que o livro é uma combinação da história de Prometeu e do Graal – ambos, aliás, citados direta ou indiretamente no livro – resultando em uma space opera inventiva e entusiasmada; “(...) o fogo dos céus, o coração ardente do Graal, somente é encontrado no coração de uma nova explodindo. Passagens de retórica elevada são misturadas com gírias descontraídas de ladrões”. Para Nicholls, a variedade de culturas nos livros de Delany tem o efeito de fazer com que a moralidade e os princípios morais pareçam relativos e pluralistas. “Diversas formas de comportamento humano bizarro, muitas das quais poderiam ser vistas como antissociais nos Estados Unidos da época, surgem como naturais nas circunstâncias criadas”.
David Pringle disse que o enredo, ainda que forte e bem trabalhado, tem menos importância do que o rico e integrado pano de fundo da ação. “O romance retrata com sucesso uma sociedade futura vasta, complexa, apinhada e fundamentalmente otimista. (...) Ele transmite a sensação de que o futuro pode se tornar um lugar maravilhoso para ‘pessoas comuns’ tais como ciganos deserdados, pretos, mulheres, albinos e intelectuais extravagantes (...). O livro passa a sensação de que o futuro será diferente, em um milhão e uma maneiras que, no presente, nós dificilmente compreendemos”.
Ao terminar a leitura não é difícil entender porque Nova foi tão importante para o gênero, influenciando inclusive o surgimento do cyberpunk, em particular ao apresentar a humanidade “acoplada” às máquinas por meio de interfaces em seus corpos. E ainda existem muitas referências a serem encontradas ao longo da jornada.
Nova (Nova, 1968)
Samuel R. Delany
Editora Aleph (2023)
296 páginas.