Ao que tudo indica, a humanidade ainda não desistiu de procurar explicações convincentes para a estranha atração que os seres humanos sentem pelos chamados temas apocalípticos, ou escatológicos. Já existem muitas, que vão desde os motivos apresentados pelas religiões até os psicológicos, sociais e econômicos. É uma atração bizarra, mas, convenhamos, os terráqueos são um tanto bizarros mesmo.
O grande escritor inglês de ficção científica J.G. Ballard (1930-2009), num texto para o livro The Visual Encyclopedia of Science Fiction (editado por Brian Ash), falou sobre o tema, que aborda de forma brilhante em alguns de seus livros. Ele lembrou que as visões de um cataclismo mundial estão entre as mais poderosas e misteriosas categorias da ficção científica, e em seu formato clássico, antecipam a moderna ficção científica em milhares de anos.
Ele se referia principalmente à narrativa do dilúvio, no épico A Epopeia de Gilgamés, mais tarde reaproveitada na Bíblia.
A provável, desejada ou suposta extinção da humanidade, ou algo que se aproxime da extinção total, tem atraído a imaginação de profetas e escritores desde sempre, e não há mostras de que o interesse tenha se esgotado. É verdade que o conceito de fim do mundo foi ampliado pela cristandade, atingindo parâmetros que beiram a loucura, mas o fato é que ele já existia antes mesmo do Cristianismo se estabelecer no planeta.
Por outro lado, para Ballard, as maravilhas da ciência e tecnologia do século 20 originaram uma antologia de técnicas destrutivas que não são superadas nem pelas mais bizarras religiões.
Não sem humor, Robert A. Heinlein apresentou uma possível explicação para essa tendência em seu conto O Ano do Grande Prêmio (The Year of the Jackpot, 1952), incluído no livro A Ameaça da Terra (The Menace From Earth, 1959. Francisco Alves Ed., 1977). Um personagem com o improvável nome de Potiphar Breen trabalha num cálculo estatístico, reunindo notícias de acontecimentos estranhos, de pessoas que têm atitudes loucas, sem sentido. Segundo seus gráficos, os eventos apontam na direção de uma curva ascendente, cujo cume representará uma crise jamais vista. Dessa forma, a raça humana está fadada à extinção devido à sua própria loucura. Em que pese o surgimento, no conto, de algumas posturas políticas e ideológicas que acabariam por contaminar e extinguir qualquer qualidade nos trabalhos posteriores do autor, ainda é interessante.
O editor escocês David Pringle (1950-), escrevendo para a The Science Fiction Encyclopedia, considerou que as histórias de desastres têm esse apelo porque elas representam tudo o que mais tememos e, ao mesmo tempo, mais desejamos: um mundo despovoado, a fuga das restrições de uma sociedade industrial extremamente organizada, a oportunidade de provar a habilidade de alguém como sobrevivente. Ainda assim, existem aquelas narrativas com milhares de anos e que não se encaixam nessa situação.
Porém, o que ele disse a respeito dos sobreviventes parece ter efeito ainda hoje. A série The Walking Dead, por exemplo, lida com essa questão mais do que com “o fim do mundo como conhecemos”; o centro das atenções é a interação entre os sobreviventes e suas capacidades de superar os inúmeros problemas que surgem em seus caminhos. Os zumbis são quase um detalhe, uma vez que a natureza humana é mais ameaçadora do que a presença dos lentos mortos-vivos.
O que ocorre após o fim do mundo tem sido um dos temas mais explorados pela ficção científica, reforçando o ponto de vista de David Pringle. E as visões a esse respeito vão desde o extremamente elaborado – como no livro clássico A Longa Tarde da Terra, de Brian Aldiss – até os patéticos filmes de gangues empoeiradas e fedorentas, produzidos na esteira dos muito melhores Mad Max (1979), Mad Max 2 (1981) e Mad Max – Além da Cúpula do Trovão (1985). Os anos 1980 viram uma enxurrada de produções paupérrimas, geralmente com péssimos atores, muitas vezes filmes quase amadores, mostrando o que seria do mundo após uma catástrofe de algum tipo. Esses filmes, é claro, não são o padrão, mas a raspa do tacho.
Nas matérias a seguir vamos tentar dar uma ideia das produções do gênero, nos livros, no cinema e na televisão, desde seus primórdios até hoje.
Preferimos não falar sobre o fim do mundo provocado por invasões alienígenas, por mais que seja um apocalipse decente, por entender que os alienígenas fazem parte de outra subdivisão do gênero. Claro que as coisas se misturam, mas vamos ficar com as catástrofes naturais, cósmicas ou produzidas pelos terráqueos.