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MUNDOS PERDIDOS

ESPECIAIS/VE MUNDOS PERDIDOS

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data22/05/2023
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As aventuras em mundos até então desconhecidos, muitas vezes habitados por povos igualmente desconhecidos, são utilizadas pela FC e fantasia até hoje.

Pixabay.
(Imagem: Pixabay).

Parece haver um consenso entre os estudiosos da ficção científica e da fantasia de que o tema geral “mundos perdidos” é um sucessor, ou uma continuação, dos temas “viagens fantásticas” e de “contos de viagem”, que foram bastante comuns até o século 18.
Em The Science Fiction Encyclopedia, o verbete “lost worlds” (assinado por David Pringle, Brian Stableford, Peter Nicholls e David Langford) refere-se também a povos perdidos, cidades perdidas, terras perdidas e ilhas, que são territórios misteriosos em “um mundo rapidamente encolhendo, que foram retratados em grande medida na ficção científica do final do século 19 e início do século 20”.
A diferença, segundo os autores, é que as histórias mais antigas pertenciam a um mundo que ainda estava geograficamente “aberto”. Eles dizem que quando Jonathan Swift escreveu As Viagens de Gulliver (1726/1735), a Austrália ainda não tinha sido descoberta pelos europeus e a África ainda seria explorada. “A história de mundo perdido, no entanto”, dizem, “pertence a um mundo cartograficamente ‘fechado’: no tempo de Jules Verne e H. Rider Haggard os territórios desconhecidos estavam desaparecendo rapidamente. As opções estavam se esgotando e, então, as terras perdidas do século 19 tendiam a ser situadas nas regiões mais inacessíveis do globo: a bacia do Amazonas, os vales do Himalaia, os desertos da Ásia central e da Austrália, os polos, ou no interior da Terra Oca. Esses trabalhos também se distinguem dos antigos contos de viagem por terem mais conteúdo ‘científico’. As novas ciências da geologia, antropologia e, acima de tudo, arqueologia, tiveram uma influência considerável em Verne, Haggard e seus sucessores”.
Ao falar sobre o tema “povos perdidos” em The Encyclopedia of Fantasy, David Pringle disse que existe uma sensação de que muito da fantasia mais antiga, assim como do chamado “romance científico”, era sobre terras desconhecidas e sociedades ainda não descobertas. E ele reforça o pensamento sobre o mundo “fechado” ao dizer que, “No entanto, só se torna significativo falar das histórias de povos perdidos como um subgênero distinto após o período em que o globo foi totalmente mapeado e, portanto, geograficamente ‘fechado’; o período de seu florescimento, nesse sentido, foi o último terço do século 19”.

                                                                                                                                (Imagem: Pixabay).

Pringle também diz que outros tipos de ficção que coincidem com as histórias de povos perdidos – e que, às vezes, se confundem com elas – incluem os romances ruritanianos, as histórias de mundos paralelos ou alternativos e algumas histórias de ilhas utópicas, além de uma forma de ficção relacionada, o romance planetário, “(...) essencialmente as histórias de povos perdidos transplantados para um planeta alienígena”. Só para explicar, o romance ruritaniano é um tipo de história de amor e aventuras que surgiu basicamente no século 19, situada em um país imaginário da Europa, envolvendo as classes dominantes e a nobreza, cujo nome provém do país imaginário Ruritânia, do livro O Prisioneiro de Zenda (The Prisoner of Zenda, 1894), de Anthony Hope.
Esse paralelo ou aproximação das histórias de mundos e povos perdidos com as histórias de mundos paralelos também foi levantado pelo escritor de FC Robert Sheckley (em The Visual Encyclopedia of Science Fiction). Para ele, tanto o tema dos mundos perdidos quanto o dos mundos paralelos pode ser considerado uma variação do tema do mundo desconhecido ou alienígena. “Um dos grandes temas da ficção científica está envolvido aqui: o abandono da realidade diária de uma pessoa e a viagem para algum lugar estranho, exótico, excitante, onde existe um trabalho importante a ser feito e decisões vitais a serem tomadas”.

(Imagem: Pixabay).

David Pringle entende que, apesar de algumas histórias de mundos e povos perdidos poderem ser associadas à ficção científica, a maioria está relacionada mais adequadamente à fantasia, às vezes até mesmo com a inclusão de elementos sobrenaturais. Comentando sobre o assunto em seu livro The Ultimate Encyclopedia of Fantasy (1998. Com a colaboração de David Langford, Brian Stableford e Tim Dedopulos), Pringle disse que “Infelizmente, poucas formas de ficção ficaram datadas mais rapidamente, visto que as últimas partes ‘desconhecidas’ do globo estavam sendo mapeadas de forma muito rápida (e, frequentemente, anexadas por impérios europeus). O que ainda era misterioso em 1885 poderia ser um território familiar em 1895, e as novas tecnologias de transporte, como o motor de combustão interna, o dirigível e o avião, iriam em breve banir todos os mistérios geográficos”.
O crítico também entende que, ainda que existam histórias de povos e mundos perdidos que possam ser tidas como ficção científica, a maior parte desse subgênero pertence mais apropriadamente à fantasia. “Muitas histórias de povos perdidos, mesmo que não contenham nada abertamente sobrenatural, retratam sociedades retrógradas e hierárquicas que têm pouco conhecimento de ciência ou das possibilidades de progresso tecnológico e que, assim, têm a ‘atmosfera’ do fantástico para os leitores modernos. A semelhança dessas histórias com as fantasias posteriores do tipo Espada & Feitiçaria é óbvia”.

                                                                                                        (Imagem: Pixabay).

Escrevendo sobre o tema em The Science Fiction Encyclopedia, David Langford, Brian Stableford, John Clute e David Pringle disseram que o fato desse tipo de fantasia ter sido tão pouco influenciada pelo pensamento científico pode ser resultado de ela ser em grande medida anacrônica e, portanto, implausível, desde o princípio. “Uma vez que a tecnologia de transportes possibilitou Phileas Fogg atingir seu objetivo, a fantasia de mundos perdidos devia mais ao desejo de que enclaves de mistério deveriam existir do que à possibilidade de que realmente existissem”.
Para os críticos, até mesmo do ponto de vista sociológico ou de experimentos ligados a pensamentos políticos, o gênero teve surpreendentemente pouco a oferecer. “A história de mundo perdido é, obviamente, uma oportunidade para a apresentação de utopias e distopias imaginárias, mas esses elementos não são tão comuns quanto se poderia esperar”, de modo que a maioria das histórias, incluindo alguns dos clássicos do gênero, são aventuras românticas.
Mais do que isso, os críticos dizem que o que não pode ser contestado é que, ao longo do século 19 e início do século 20, a categoria como um todo serviu como uma espécie de estufa para algumas das consequências menos atraentes da união entre a literatura fantástica e o imperialismo, com seus textos divulgando uma quantidade impressionante de argumentos e hipóteses racistas. “Talvez”, eles dizem, “em parte porque os europeus do século 19 em geral, vistos como eles eram nas décadas do apogeu da construção do império, tenham se tornado patologicamente incapazes de entender qualquer tipo de visão que pudesse desqualificar seu senso de justa soberania sobre o mundo e suas raças ‘menores’.”
Histórias do gênero continuaram a ser produzidas até o fim do século 20, utilizando alguns artifícios para apresentar seus mundos e povos perdidos.
Vamos falar mais sobre o tema nas matérias seguintes.


Ver também a matéria Cidades Perdidas, no especial Mil Cidades.