“Terras, Terras incalculáveis. Mais Terras do que podiam ser contadas, acreditavam alguns. Tudo que se tinha a fazer era dar um passo para o lado e entrar em uma delas, depois na seguinte, em uma cadeia interminável”. E basicamente é disso que trata a série de cinco livros escritos em colaboração entre Terry Pratchett – mais conhecido pela série de histórias alucinadas de Discworld – e Stephen Baxter, autor pouco conhecido e publicado no Brasil – teve, por exemplo, As Crônicas de Medusa (Ed. Record), com Alastair Reynolds, e A Ciência de Avatar (Ed. Cultrix).
E foi uma colaboração que alguns críticos consideraram improvável, uma vez que Pratchett é um autor mais chegado à fantasia e ao humor, enquanto Baxter é geralmente relacionado ao que se chama de ficção científica hard, ligada às ciências exatas. Seja como for, funcionou bem.
O mundo começa a mudar de forma definitiva no chamado “Dia do Salto”. Um cientista disponibilizou na internet um diagrama muito simples a partir do qual qualquer um poderia construir um “Saltador”, um dispositivo construído com peças compradas em qualquer loja do planeta, com uma fonte de energia improvável – uma batata – e que, quando ligado, poderia fazer a pessoa saltar para uma Terra paralela, a leste ou a oeste, ainda que essas direções servissem apenas como referência, uma vez que, aparentemente, a quantidade de Terras paralelas é infinita. E vazias de seres humanos.
O resultado foi que, no “Dia do Salto”, milhares de crianças desapareceram repentinamente do planeta, saltando para os mundos paralelos. E isso porque as crianças foram as principais interessadas em construir um aparelho baratinho.
A história segue basicamente as aventuras de Joshua Valienté pela Terra Longa, o nome dado aos mundos paralelos. E ele é um dos poucos humanos que não precisam do aparelho para saltar de um mundo para outro.
Como seria de se esperar, a descoberta muda radicalmente o planeta, com milhões de pessoas saltando para os mundos paralelos à procura de uma nova vida, de terras disponíveis, ainda que nem sempre livres de perigos. E, também como seria de se esperar, tanto os governos como companhias se interessam pelo assunto. Uma das empresas, a transEarth, contrata Joshua para trabalhar com Lobsang que, fisicamente, é um computador, mas que alega ser a reencarnação de um mecânico de motocicletas tibetano. Os dois exploram os diferentes mundos a bordo do dirigível Mark Twain.
Escrevendo para o jornal The Guardian em 2012, Adam Roberts disse que a colaboração dos dois escritores parece um casamento realizado no paraíso dos fãs, unindo a humanidade e a cordialidade de Pratchett à imaginação extremamente fértil de Baxter para a ficção científica. E também que A Terra Longa parece mais um livro de Baxter do que de Pratchett, entre outras coisas porque não é muito engraçado. O que se pode entender ao comparar com o humor escrachado e alucinado dos livros da série Discworld, ou mesmo o humor refinado da colaboração de Pratchett com Neil Gaiman em Belas Maldições (Good Omens, 1990), adaptado para série de TV em 2019. Roberts disse que se via tentado a considerar A Terra Longa um exercício refrescante em escrita utópica, uma forma um tanto fora de moda nos dias atuais, quando as distopias dominam o mercado editorial.
A série teve continuidade com The Long War (2013), The Long Mars (2014), The Long Utopia (2015) e The Long Cosmos (2016), os dois últimos publicados postumamente; Pratchett faleceu em 2015.
Ainda que seja perfeitamente possível ler esse primeiro livro isoladamente, já que tem uma história fechada, é de se esperar que a editora publique os demais, para sabermos o que mais se pode esperar de Joshua e Lobsang após suas investigações iniciais. E, com pouco ou muito humor, a história é muito atraente.
A TERRA LONGA (The Long Earth, 2012)
Terry Pratchett e Stephen Baxter
Editora Bertrand Brasil (2018)
350 páginas