O INÍCIO
As histórias de mundos paralelos e alternativos ganharam muito impulso a partir dos anos 1920 e 1930, com o surgimento das revistas dedicadas às histórias de ficção científica e fantasia.
(Capa: Frank R. Paul).
Apesar disso, Brian Stableford disse que os primeiros escritores de ficção científica demoraram a desenvolver possibilidades de especulação mais extravagantes, “ainda que uma tentativa notável de descrever um mundo paralelo com leis físicas diferentes das que temos em nosso próprio continuum tenha sido feita por Clark Ashton Smith, em The Dimensions of Chance” (na revista Wonder Stories, 1932).
(Capa: David Bergem. Sphere).
H.G. Wells, que também já havia experimentado com o tema – como citado na matéria “Outros Mundos” – voltou ao assunto dos mundos paralelos em Men Like Gods (1923). A história apresenta o personagem senhor Barnstaple, que é transportado para um mundo paralelo que os “terráqueos” chamam de Utopia; segundo o autor David Pringle, esse mundo é a utopia dos sonhos do próprio autor. Trata-se de uma versão mais avançada da nossa própria Terra, alguns milhares de anos à frente no tempo, com um sistema de governo que é uma anarquia funcional.
Como o senhor Barnstaple não foi transportado sozinho, os outros terráqueos que chegam ao local com ele começam a planejar a conquista desse mundo, apesar dos protestos do personagem central.
Para Brian Stableford, no que diz respeito ao tema dos mundos alternativos, “A consciência do fato de que nosso mundo pode ser visto filosoficamente como um de uma vasta série de alternativas é, historicamente, bem recente”. Ele diz que o primeiro grande trabalho a desenvolver a ideia foi Emperor of If (1926), de Guy Dent, seu único livro de ficção científica, no qual são descritos dois universos possíveis criados por um cérebro mantido num laboratório, separado do corpo. A primeira parte da história é, hoje, descrita como uma história de um mundo alternativo; um passado em que a Grã-Bretanha nunca passou por uma Idade do Gelo é sobreposto ao presente, com uma descrição de Londres invadida pela fauna e flora pré-histórica; a segunda parte mostra uma distopia futura, com os humanos dominados por uma raça de máquinas capazes de se reproduzirem.
(Capa: Howard V. Brown).
Bastante comentado é o conto de Murray Leinster, Sidewise in Time (1934, publicado originalmente na revista Astounding Stories), relacionado ao conceito de mundos alternativos. Um acidente na estrutura do tempo faz com que diferentes linhas temporais comecem a surgir em determinados pontos do planeta; e não apenas seções do passado e do futuro, mas também eventos alternativos. É assim que uma legião romana surge nos Estados Unidos, vinda de uma linha temporal em que o Império Romano não caiu, entre outros eventos.
(Capa: Frank R. Paul).
Em The Visual Encyclopedia of Science Fiction, o conto é apresentado como um ponto inicial desse tipo de histórias na ficção científica, tendo influenciado autores como David R. Daniels e Stanley G. Weinbaum, ambos publicados na revista Wonder Stories, mas que tiveram carreira curta: Daniels faleceu em 1936, e Weinbaum em 1935. Os contos a que a enciclopédia se refere são The Branches of Time (1935), de Daniels, e Worlds of If (1935), de Weinbaum. O primeiro mostra como as viagens no tempo podem dar origem a linhas temporais alternativas. O conto de Weinbaum faz parte de uma série de histórias com o cientista Van Manderpootz, referindo-se basicamente à invenção de máquinas incríveis. No conto, uma das máquinas que o cientista inventa é capaz de mostrar o que poderia ter acontecido em mundos alternativos.
Uma história inacabada de C.S. Lewis – o conhecido autor de As Crônicas de Nárnia – também traz uma das primeiras histórias envolvendo um mundo paralelo, ainda que não seja chamado assim pelo autor. Trata-se de A Torre Negra (The Dark Tower. No Brasil, publicado pela Ed. Planeta, como A Torre Negra e Outras Histórias), provavelmente escrito por volta de 1938.
Apresenta um grupo de estudiosos reunidos na Universidade de Cambridge, entre eles o próprio C.S. Lewis, assim como o personagem Ransom, sendo apresentados ao cronoscópio, aparelho desenvolvido pelo personagem Orfeu e que permite observar um local que, a princípio, os cientistas imaginam que seja outro tempo, no passado ou no futuro. Posteriormente, percebem que se trata de um mundo semelhante ao deles, no qual está sendo construída uma biblioteca, muito parecida com a que existe em Cambridge, e que eles chamam de A Torre Negra. Apesar da arquitetura ser a mesma, os detalhes são diferentes, e em seu interior vive um homem, ou algo que se assemelha a um homem, com uma espécie de ferrão no centro da testa, com o qual ele pica algumas das pessoas que circulam pelo local; assim que são picadas pelo ferrão, elas se tornam como robôs, sem vontade própria, apenas realizando as obras necessárias no local.
Como o observação pelo cronoscópio não permite que eles ouçam o que está sendo dito no local, eles apenas podem imaginar, até que percebem que uma das pessoas que aparece é uma cópia exata de Scudamour, auxiliar de Orfeu, assim como uma das mulheres é uma cópia exata de Camilla, noiva de Scudamour. Quando ele vê na tela que ela está para ser picada pelo ferrão do homem na Torre, ele se precipita em direção ao cronoscópio e vai parar no mundo paralelo; na verdade, apenas sua mente vai para lá, ocupando o corpo do homem na Torre, enquanto a mente dele passa a ocupar o corpo de Scudamour.
É uma pena que a história não tenha sido terminada e existiram algumas críticas a Walter Hooper, que foi secretário de Lewis e quem encontrou o texto após a morte do escritor. Alguns especialistas chegaram a afirmar que o texto não era de C.S. Lewis, enquanto outros garantem que, em seus contatos com Lewis, chegaram a comentar e discutir o texto.
(Capa: Anders Lindholm. Fount Paperbacks / HarperCollins).
Seja como for, o livro foi comentado pelo escritor Lionel Fanthorpe em Horror: 100 Best Books, o que dá uma ideia do impacto que teve sua descoberta, ainda que não se tenha a menor noção de como o autor pretendia terminar sua história. Na verdade, para Fanthorpe, o fato de estar inacabada só aumenta seu poder de transmitir o horror. Ele entende que as histórias de horror mais efetivas são justamente as que estão centradas no desconhecido; como exemplo, ele diz que sabemos o que acontece com Drácula quando ele tem uma estaca enfiada no coração; ou com os lobisomens quando atingidos por lâminas ou balas de prata; ou com fantasmas e semelhantes quando se joga água benta neles. “Mas”, ele se pergunta, “como nós lidamos com o horror desconhecido? E se o próprio autor deixa o conto tentadoramente inacabado, e a imaginação do leitor tem de fornecer o final?”
Além do fato de não ter um final definido, Fanthorpe diz que o que torna A Torre Negra uma história de terror e mistério tão excepcionalmente boa é a transição suave do ordinário para o horrífico e estranho. “(...) na minha opinião, as melhores histórias de horror começam no aqui e agora e quase imperceptivelmente nos recordam que a aparência de vida diária, atrás das qual nos protegemos do Grande Desconhecido, oferece tanta proteção contra o universo real quanto uma proteção de lareira de chocolate”.
Primeira edição inglesa (Capa: Reg Boorer. Collins).
E ele também destaca sua preferência pelo livro porque ele incorpora um de seus ingredientes preferidos das histórias de terror: um universo alternativo. “Quando os exploradores têm seu cronoscópio funcionando, começam a entender que não estão olhando nem para o passado, nem para o futuro, mas para um sinistro e alternativo presente. De alguma forma, isso parece muito mais ameaçador do que um tempo que já passou ou do que um tempo que ainda está por vir – sempre existe o perigo de ser sugado para aquele horrendo ‘outro agora’.”
E Fanthorpe continua, apresentando mais um argumento a favor do livro, que é o conflito entre o Bem e o Mal que está ocorrendo na Torre Negra do título e que, segundo Fanthorpe, é a mesma batalha que dá vida a O Senhor dos Anéis, de Tolkien, ou à própria trilogia de Lewis com o personagem Ransom – Além do Planeta Silencioso, Perelandra e Uma Força Medonha. “Talvez seja mais certo e mais preciso falar de ‘A’ batalha, ou ‘A’ guerra, em vez de ‘uma’ batalha. Apenas essa grande luta entre Certo e Errado, Justiça e Injustiça, Ordem e Caos, Verdade e Mentiras – quaisquer que sejam os nomes que escolhermos dar aos Concorrentes – é real. Todos os outros conflitos são apenas sintomas e manifestações deste”.
Brian Stableford diz que a primeira tentativa séria de construir um mundo alternativo na ficção científica foi com o conto The Wheels of If, de Lyon Sprague De Camp (publicado originalmente na revista Unknown Fantasy Fiction, em 1940). Na obra, o personagem Allister Park é jogado em uma série de mundos alternativos, começando por um em que a Revolução Americana não foi bem sucedida e a França venceu as Guerras Napoleônicas. O personagem não apenas surge nesses mundos, mas em cada um ele é uma pessoa diferente.
(Capa: Cândido Costa Pinto).
Em 1949, Fredric Brown publicou Loucura no Universo (What a Mad Universe. Argonauta), no qual o personagem central passa a ter a possibilidade de se transportar de um mundo paralelo a outro devido a um acidente com a descarga elétrica de um foguete. Inicialmente, ele tem alguns problemas para entender o que está acontecendo, uma vez que o mundo para o qual foi jogado parece muito com o seu. Mas quando as diferenças começam a surgir ele percebe que é um mundo muito perigoso, com a Terra ameaçada pelo arturianos. O autor utilizou muito bem o humor para brincar com os clichês da ficção científica da época, tornando-os reais nesse mundo paralelo.
(Capa: Timmins).
Fritz Leiber também escreveu sobre mundos alternativos, no conto Destiny Times Three (publicado originalmente na revista Astounding Science Fiction, em 1945). A história apresenta uma máquina da probabilidade, capaz de tornar universos paralelos reais; um deles tem um governo ditatorial que pretende invadir os demais.
Em 1948, o escritor H. Beam Piper começou a publicar a série que ficou conhecida como Paratime, e que apresenta uma civilização adiantada capaz de viajar entre universos paralelos e alternativos, utilizando essa capacidade para comerciar com outros mundos, uma vez que a Terra já se encontra incapaz de produzir o que a civilização necessita.
(Capa: Chesley Bonestell).
(Capa: Hubert Rogers).
Iniciou com o conto He Walked Around the Horses, publicado na revista Astounding Science Fiction em 1948, seguindo, no mesmo ano e na mesma revista, com Police Operation. A série teve sequência com Last Enemy (Astounding Science Fiction, 1950), Temple Trouble (ASF, 1951), Genesis (Future Magazine, 1951), Time Crime (ASF, 1955) e Lord Kalvan of Otherwhen (Analog Science Fiction, 1965). Entre outros elementos, Piper apresentou a “Paratime Police”, uma organização policial que procura preservar os segredos envolvendo as viagens entre os paralelos.
Os primeiros anos da ficção científica ficaram marcados pela quantidade de contos publicados em revistas. Brian Stableford entende que as histórias sobre mundos paralelos e alternativos só foram plenamente exploradas no período posterior à Segunda Guerra Mundial. Nas matérias seguintes, vamos ver algumas dessas obras.
Veja também os mundos paralelos do escritor Clifford D. Simak.