Pode até ser que, inicialmente, o título do livro afaste alguns leitores em potencial, já cansados das histórias de vampiros que invadiram a televisão e os livros nos últimos anos.
Mas seria bom dar uma oportunidade a Nosferatu. Assim como nunca houve uma mulher como Gilda, é provável que nunca tenha existido um vampiro como Charles Talent Manx, graças à criatividade de Joe Hill. O autor já teve publicados no Brasil os excelentes livros Fantasmas do Século XX, A Estrada da Noite e O Pacto.
O titulo original do livro é NOS4A2, cuja leitura em inglês soa como Nosferatu, e que também é a placa do carro de Charles Manx, um Rolls-Royce Wraith 1938, capaz de conduzi-lo entre o mundo real e o imaginário, a Terra do Natal, local maravilhoso e aterrorizante, dependendo do ponto de vista. Ele gosta de “salvar” crianças de uma vida sem graça e problemática, levando-as para seu próprio mundo. Claro que, no caminho, elas são transformadas em crianças bem diferentes das que conhecemos.
Como todo vampiro que se preze, Manx terá sua nêmesis em Vic McQueen. Ela não tem um Rolls-Royce, mas tem uma bicicleta Raleigh com a qual também consegue chegar a lugares inesperados, de forma inesperada. Descobre essa capacidade ainda criança, e suas ações nessa época a colocam no caminho de Manx e determinam sua vida adulta.
Um dos pontos interessantes da história é que todos, vilões ou não, estão definitivamente conectados ao mundo que conhecemos. Mesmo o vampiro, não tem uma história ligada aos antepassados, uma linhagem vampiresca que remonte à Romênia ou ao Egito, por exemplo. Ele é fruto de sua própria vida, dos eventos trágicos de sua vida e de suas próprias opções diante dessas situações.
Todos, heróis e vilões, são seres humanos profundamente marcados, confusos, tentando desesperadamente encontrar soluções que acabem com essa confusão e com as dores que sentem e que direcionam suas vidas e as vidas das pessoas com quem convivem.
Isso não quer dizer que Charlie Manx seja um vampiro amargurado por sua condição vampiresca, como muitos dos personagens vampiros neogóticos de histórias modernas, aqueles seres pensativos a respeito de sua situação. Não que muitos desses personagens não sejam legais, mas Manx nem mesmo percebe o que ele é; ele realmente acredita no que está fazendo e vê o mundo da sua própria maneira.
Vic McQueen tem seus próprios problemas a resolver, mas como Manx, transforma tudo à sua volta, afetando a vida dos parentes, interferindo tanto no mundo real quanto no mundo imaginário, ou paralelo, que o vampiro criou. Na verdade, assim como seu antagonista, ela não sabe muito bem qual é o seu lugar no mundo, e durante boa parte de sua vida ela também não sabe o que é real e o que é fruto de sua imaginação. Ser a antagonista de Manx não é uma opção consciente, mas uma situação na qual ela se coloca devido à sua própria natureza, sua personalidade. E é uma situação que ela tenta adiar o máximo possível.
Sem querer adiantar nada, é preciso dizer que este não é um daqueles livros melosos para “jovens adultos” que invadiram o mercado ultimamente, com amores e suspiros, e situações complicadas sendo solucionadas sempre favoravelmente. O final pode não ser o que muitos esperam.
Inicialmente usando o pseudônimo para evitar qualquer ligação com seu pai – o escritor Stephen King – Joe Hill vai construindo seu próprio caminho no mundo da literatura fantástica. É difícil imaginar que ele não tenha sido influenciado pelas escolhas do pai famoso, mas certamente encontrou sua própria voz nesse universo. Este é o quarto livro publicado por ele, e o quarto livro excelente. Não é pouca coisa.
Nosferatu (NOS4A2, 2013)
Joe Hill
Editora Arqueiro
624 páginas