Invasões do Espaço
Conheça algumas das invasões alienígenas que ocorreram no cinema até o final dos anos 1980.
Gilberto Schoereder
Parece que quanto mais a civilização "evolui" na Terra, mais fica difícil de entender por que os alienígenas sentem tanta atração pelo planeta. Segundo as mais recentes pesquisas secretas e não publicadas, eles visitam a Terra já há milhares de anos, em excursões turísticas ou científicas. E tudo indica que adoram aquilo que muitos terrestres consideram inaceitável.
No cinema, a história é ainda mais complicada. Os extraterrestres – que são mencionados desde os primórdios da sétima arte – têm um desejo doentio, provavelmente psicótico, em invadir a Terra. Que eles venham procurar riquezas minerais, pode-se entender. Que eles queiram mulheres terrestres para fins libidinosos, é fácil de se aceitar, já que por aqui também não se pensa em outra coisa. Mas invadir simplesmente pelo prazer de dominar, é incompreensível, e é por isso que tantos aliens estão entre os grandes vilões da história do cinema.
Eles vêm em grupos ou sozinhos; são feios ou bonitos; às vezes, vêm disfarçados de humanos; querem o planeta inteiro ou apenas algumas partes; são verdes, azuis, amarelos, vermelhos ou uma mistura de tudo isso; têm táticas diferentes e vários graus de desenvolvimento tecnológico. E sempre querem dominar.
Mas uma coisa temos de admitir. Entre dezenas (ou centenas) de filmes ruins e até mesmo grotescos, as invasões dos seres de outros planetas e galáxias propiciaram alguns dos momentos mais deliciosos e maravilhosos do cinema de ficção científica.
Os Invasores
Os primeiros invasores pra valer chegaram em 1936, e foram bravamente combatidos pelo herói Flash Gordon, interpretado por Buster Crabbe. Apesar de ser exatamente igual aos seres humanos, o diabólico Imperador Ming era um alienígena, e sua nave espacial era todo o planeta Mongo. O vilão não chegou à Terra, mas bem que tentou, e o seriado ainda teve duas sequências. O mesmo Crabbe interpretou Buck Rogers, outro herói dos quadrinhos levado às telas em seriado, enfrentando os habitantes de Saturno.
Mas as invasões mais violentas e bem arquitetadas ocorreram a partir da década de 1950, um momento muito apropriado para o cinema manter as pessoas preocupadas com o que poderia estar vindo dos céus. Foi a época da explosão de avistamento de OVNIs e de uma intensa discussão sobre o assunto, se bem que nem sempre de maneira séria e profunda.
As máquinas voadoras com o formato de discos começaram a aparecer com frequência nos filmes, e a noção básica que os produtores passavam aos espectadores era a de que os seres do espaço eram invasores, conquistadores e maus, muito maus. Inúmeras vezes, se aproveitaram disso para fazer uma verdadeira campanha contra os "vermelhos", o inimigo da época. Às vezes, isso era feito de maneira sutil, outras abertamente. Bastava trocar os "comunistas embaixo da cama" por extraterrestres, monstros devoradores de gente. Filmes como O Dia em que a Terra Parou (1951), apresentando um alienígena bom, eram uma raridade.
Apesar disso, as melhores invasões da época fugiram desse estereótipo, apresentando verdadeiras aulas de bom cinema e boa diversão. Afinal de contas, uma invasão alienígena pode ser, simplesmente, uma invasão alienígena, sem alusão aos comunistas. Entre outros, são os casos de O Monstro do Ártico (Também chamado O Enigma do Outro Mundo/ The Thing. 1951, Silver Screen), Invasores de Marte (Invaders From Mars, 1953), A Guerra dos Mundos (War of the Worlds, 1953. Paramount) ou Vampiros de Almas (Invasion of the Body Snatchers, 1956. Magnus Opus), que chegou a ser considerado um dos filmes anticomunistas dos anos 50, o que me parece ser uma visão simplista demais para uma obra tão bem realizada.
Foi uma época de extremos. Se de um lado está Vampiros de Almas, uma das invasões mais bem planejadas e executadas do cinema, do outro está A Invasão dos Discos-Voadores (Earth Vs Flying Saucers, 1956. Sony) um filme muito bem feito, com técnica apurada e os efeitos do mestre Ray Harryhausen, mas com uma aproximação ao tema que pouco difere do que era feito 20 ou 30 anos antes.
Invasores de Marte – que segue um modelo de invasão básico na ficção científica – também consegue fugir do esquemão ao propor uma visão completamente nova para os acontecimentos, criando um clima de fantasia e pesadelo. Na época, já se sabia da inexistência de vida inteligente em Marte, e na Terra, mas o diretor Menzies conseguiu trazer os marcianos a outro nível de interpretação e torná-los reais.
Algo semelhante aconteceu com Casei-me Com Um Monstro que, em inglês, apresenta um dos títulos mais divertidos da ficção científica (I Married a Monster From Outer Space. 1958), abrindo muito campo para a imaginação funcionar. Já foi citado como uma visão surrealista e humorística dos relacionamentos. Dessa forma, a única razão para o casamento de Gloria Talbot não dar certo é que seu marido era, na verdade, um horrendo extraterrestre disfarçado, a linha de frente de uma força invasora. Muita gente gostaria de ter explicações assim para os seus problemas.
Os Incompetentes
A década de 1950 teve uma safra muito boa de invasões graças aos diretores e roteiristas, que conseguiram fugir dos clichês do gênero e da época. Mas a década de 1960 foi uma lástima.
Começou bem, com A Aldeia dos Amaldiçoados (Village of the Damned, 1960), produção inglesa baseada no livro de John Wyndham. Nem sempre é bem visto pela crítica, mas tem seus méritos, além de ser um dos poucos dignos de serem mencionados na época. E é uma invasão diferente mesmo, com os aliens nascendo como crianças quase normais de mães terrestres, na aldeia inglesa de Midwich. Só que nascem todos ao mesmo tempo, crescem bem rapidinho e têm poderes que não são deste planeta.
Ao longo da década, os filmes mostraram alguns dos invasores mais imbecis de que se tem notícia. Não é de estranhar que não conseguissem conquistar nada. Grande número desses incompetentes vieram de filmes italianos e japoneses, e dificilmente podem ser levados a sério. Só em 1967, com Uma Sepultura na Eternidade (Quatermass and the Pit) é que o cinema conseguiu reabilitar os extraterrestres, numa bela produção da Hammer. Os marcianos, semelhantes a gafanhotos loucos gigantes, espalham o terror em Londres milhares de anos após estarem extintos. Chegaram ao planeta há muito muito tempo, e alteraram o desenvolvimento da raça, construindo-nos para servir de escravos, o que jamais deixamos de ser. Apesar de não mais existirem, a memória racial, ancestral, permanece em nossas mentes. É libertada em forma de energia que transforma completamente os seres humanos, de certa forma tornando-os nos próprios alienígenas e iniciando um ritual de loucura e destruição que ameaça espalhar-se por todo o planeta.
São os dois únicos filmes de invasões que podem ser considerados realmente bons, numa fase que se estendeu até o final dos anos 1970. Os demais são brincadeiras de mau gosto, ou simplesmente produções infelizes, em vários sentidos, que muitas vezes acabaram se tornando engraçadas sem que essa fosse a intenção.
Os Invasores Ricos
A história da ficção científica no cinema mudou radicalmente após 1977, com o sucesso de Guerra nas Estrelas (Star Wars. Fox. Posteriormente, rebatizado como Star Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança, na época em que os títulos em português começaram a ser substituídos pelos títulos originais em inglês: uma besteira) e Contatos Imediatos do Terceiro Grau (Close Encounters of the Third Kind. Sony), entrando numa fase de grandes produções e, principalmente, muitos efeitos especiais. E surgiram também os remakes. Os invasores do espaço não escaparam a essa característica, começando com Invasores de Corpos (Invasion of the Body Snatchers, 1978. Fox), refilmagem do clássico Vampiros de Almas. De todas as refilmagens, essa foi a mais bem sucedida, alterando o final e conseguindo manter o ritmo de terror e paranoia do original, e ainda introduzir um toque de surrealismo.
Outras refilmagens puderam contar com orçamentos multimilionários, mas não conseguiram alcançar o nível de Invasores de Corpos. Em O Enigma de Outro Mundo (The Thing, 1982. Universal) o diretor John Carpenter – que se especializou em filmes de ficção científica e terror – tentou reviver o clássico O Monstro do Ártico. Usou muitos efeitos, mas não chegou perto do que esperava. E Tobe Hooper, aquele do Poltergeist, fez uma homenagem bonita ao diretor William Cameron Menzies refilmando Invasores de Marte, com muitos e bons efeitos especiais, mas também sem o mesmo pique do filme de 1953.
Além dos enormes gastos na utilização de efeitos especiais – às vezes até mesmo exagerados e atrapalhando o desenvolvimento da história – nos anos 1980 difundiu -se mais eficazmente a noção dos alienígenas como seres bons e pacíficos, talvez até cheirando bem. São aqueles extraterrestres vistos em E.T. e Contatos Imediatos, que jamais pensaram em invadir ninguém.
Os ETs maus continuam a ser uma atração, é claro. Alguns grandes vilões do espaço podem até mesmo ter surgido incentivados pelo enorme sucesso de crítica e público de Alien. Para nossa sorte, o monstrengo babão não chegou até a Terra, se bem que isso ainda não está fora de propósito. Do jeito que se fazem sequências no cinema, o alien pode até surgir no meio do desfile das escolas de samba, rasgando fantasias e levando os foliões ao delírio. Literalmente.
Os Novos Invasores
Independente dos valores gastos nos filmes, os anos 1980 apresentaram algumas das invasões mais delirantes e engraçadas de todos os tempos, tanto no enredo quanto no aspecto visual. Como em Liquid Sky (1982), uma produção modesta rodada em Nova York, e que funciona melhor do que muito filme milionário. A nave espacial dos aliens que chegam à cidade é do tamanho de um prato, e os ditos cujos jamais são mostrados. Eles vêm à Terra procurar uma substância libertada pelo cérebro humano no momento do orgasmo, e utilizam uma jovem modelo para conseguir suas vítimas.
Em O Predador (Predator, 1987. Fox), o melhor de tudo é a inexistência de qualquer tentativa em explicar o alienígena ou por que ele escolheu a Terra para caçar suas presas. É uma daquelas invasões de um só, mas tão violento que trucida os seres humanos que encontra. Já os invasores de O Escondido (The Hidden, 1987. Playarte) estão na Terra andando em carros caríssimos e ouvindo heavy metal, além de serem perseguidos pelo alien bom. O destaque fica por conta do ritmo frenético de filme policial, principalmente nas cenas iniciais, com uma sensacional perseguição de carro. O alien bom apresenta-se como um tira federal e se disfarça de Kyle MacLachlan.
Os invasores de Noite dos Arrepios (Night of the Creeps, 1986) chegaram à Terra nos anos 1950, ficaram congelados por muito tempo, e despertam para possuir corpos em 1986. É uma produção modesta e muito divertida, apresentando bons momentos de humor negro e homenagens a vários diretores de terror e ficção científica. A utilização do humor cresceu bastante nos anos 1980, e conseguiu chamar a atenção para alguns filmes que, de outra forma, passariam despercebidos, como A Hora das Criaturas (Critters, 1986) ou A Visão do Terror (Terrorvision, 1986).
Mas o melhor viria com dois filmes de John Carpenter, Príncipe das Sombras (Prince of Darkness, 1987. Universal) e Eles Vivem (They Live, 1988). O primeiro apresenta uma proposta infernal e apocalíptica para o confronto entre o Bem e o Mal. Os seres envolvidos na disputa são velhos conhecidos de todas as religiões do planeta, os que o mundo cristão chama de Cristo e Anticristo. Só que, nessa versão, eles são alienígenas. O objetivo do Mal é dominar o universo, ou pelo menos destruí-lo. Vindo de um antiuniverso, sua simples presença já cria um desequilíbrio de proporções globais, e inevitável. Essa é provavelmente, a mais completa, atualizada e aterrorizante visão do confronto entre universos.
Em Eles Vivem, Carpenter usou mais humor e crítica social e política. Os alienígenas já chegaram e se estabeleceram, sabe-se lá desde quando, e têm o controle total da sociedade, escondendo-se e fazendo-se passar por seres humanos normais por meio de um sofisticado sistema tecnológico. Nós os vemos como pessoas comuns, mas alguns cientistas conseguem inventar uns óculos especiais que revelam a verdadeira face dos conquistadores. Mensagens subliminares, que condenam a humanidade a aceitar as coisas como são e não se rebelar, estão em tudo o que vemos e usamos, do dinheiro ao leitinho das crianças. Os óculos escuros, ao invés de esconder, revelam tudo. Segundo Carpenter, o próprio Reagan, e talvez todos os republicanos, seriam alienígenas também. É um filme divertido e bem feito, com um final bem distante das previsões inquietantes de Príncipe das Sombras.