O Terror Vem do Espaço
O escritor H.P. Lovecraft é considerado por alguns como o maior escritor de terror de todos os tempos, criador de um universo repleto de seres monstruosos e poderosos.
Gilberto Schoereder
É provável que poucos escritores tenham criado um universo literário tão rico e denso quanto o de Howard Phillips Lovecraft (1890 – 1937). Dizem que ele é o pai da moderna literatura de terror e ficção científica. Ainda que existam dúvidas quanto a isso, o certo é que a extensão de sua influência nos gêneros, e na literatura fantástica em geral, é difícil de calcular.
Acusado de ser um escritor de menor capacidade – especialmente devido ao uso "exagerado" de superlativos e adjetivos –, ele chegou a causar um impacto decisivo na obra do argentino Jorge Luis Borges, conhecido pelo uso de substantivos e de um estilo de narração que poderia ser considerado o oposto do de Lovecraft.
Era inevitável que o terror e a ficção científica se encontrassem em suas histórias: para ele, o maior terror estava nas estrelas, nos espaços inimagináveis para os seres humanos, no infinito, nas distâncias e tempos que nossas mentes restritas não conseguiam imaginar. Como ter a ideia exata do que seja e do que pensa um ser que está no centro do infinito, blasfemando e cuspindo, como o terrível Azathoth?
Assim, o aparente exagero em suas descrições e nas reações dos personagens se justifica, uma vez que geralmente eles estão de tal forma perplexos que mal conseguem articular suas ideias. Nas obras de Lovecraft é comum vermos personagens diante de situações que têm como principal característica pegar o mundo organizado em que eles vivem e virá-lo de cabeça para baixo. Lembrem-se de que estamos falando de personagens que, como o autor, vivem na Nova Inglaterra do início do século 20, num mundo perfeitamente compreensível e calmo.
As Obras
Praticamente tudo o que Lovecraft escreveu foi publicado no Brasil ou em Portugal. Suas principais histórias podem ser encontradas nos livros A Casa das Bruxas (At the Mountains of Madness and Other Tales of Terror), O Caso de Charles Dexter Ward (The Case of Charles Dexter Ward), Os Demônios de Randolph Carter (The Statement of Randolph Carter/The Dream-Quest of the Unknown Kadath/The Silver Key/Through the Gates of the Silver Key), A Maldição de Sarnath, A Tumba e Outras Histórias (The Tomb), À Procura de Kadath, Dagon, O Horror em Red Hook e Um Sussurro nas Trevas (The Colour Out of Space and Other Stories).
Alguns dos contos de Um Sussurro nas Trevas e A Casa das Bruxas são fundamentais para se conhecer seu bestiário de deuses alienígenas e sua atuação no passado distante da Terra. No primeiro, encontra-se O Chamado de Cthulhu, com um dos seres mais populares de Lovecraft e a história de como os aliens chegaram à Terra há milhões de anos, construindo uma sociedade incompreensível para os humanos. Já se pode ter uma boa ideia da noção lovecraftiana de uma arquitetura de proporções gigantescas que, por si só, já seria o suficiente para enlouquecer uma pessoa. Sombras Perdidas no Tempo segue pela mesma linha, referindo-se a uma civilização extraterrestre estabelecida na Austrália há 150 milhões de anos. Ou o sensacional Nas Montanhas da Loucura, narrando uma expedição ao polo sul, e que é visto como uma espécie de continuação de As Aventuras de Arthur Gordon Pym, a sensacional história de Edgar Allan Poe. A cidade descrita pelo personagem encontra-se entre as mais fantásticas da literatura em todos os tempos.
Nesses dois livros também se encontram as referências aos chamados livros malditos, como o Necronomicon e o De Vermiis Misteris. O Necronomicon se tornou uma das referências mais constantes de H.P. Lovecraft e da literatura de terror e ficção científica. Foi apresentado como o ponto máximo do conhecimento oriundo das raças extraterrestres, e capaz de enlouquecer um homem pela simples leitura. O Necronomicon se tornou tão famoso e comentado que certas pessoas realmente acreditaram e divulgaram a informação de que se tratava de um livro real.
Uma outra série de histórias também chama a atenção, uma vez que se passa numa espécie de dimensão paralela, a dimensão dos sonhos. As principais histórias estão em Os Demônios de Randolph Carter, inclusive o clássico conto À Procura da Desconhecida Kadath (também no livro À Procura de Kadath) que traz uma das mais completas e impressionantes descrições de um ambiente alienígena já elaborada pelo autor, com as tradicionais referências à arquitetura fantástica.
Dos Livros para o Cinema
Como não podia deixar de ser, várias histórias de Lovecraft foram adaptadas para o cinema, nem sempre com muita felicidade. O primeiro filme foi O Castelo Assombrado (The Haunted Palace, 1963), com título baseado em Edgar Allan Poe, mas história de Lovecraft (O Caso de Charles Dexter Ward). Além da direção sempre segura de Roger Corman, o filme traz o sensacional Vincent Price visitando a vila de Arkham, cenário típico da Nova Inglaterra.
Menos feliz foi Morte para o Monstro (Die, Monster Die, 1965), baseado no clássico A Cor que Caiu do Céu, sobre um meteoro que cai na propriedade de Boris Karloff. Quem leu o conto vai se decepcionar com a adaptação.
Os ingleses também não foram felizes com Os Herdeiros do Medo (The Shuttered Room, 1966), levemente inspirado em Lovecraft, mas se deram melhor com A Maldição do Altar Escarlate (The Curse of the Crimson Altar, 1968). Apesar de ainda estar distante da qualidade da história em que se inspirou, Os Sonhos na Casa das Bruxas, é certamente superior a muitas adaptações modernas e insípidas. O detalhe é que o filme foi rodado numa casa tida como assombrada.
A Maldição do Altar Escarlate.
Em O Altar do Diabo (The Dunwich Horror, 1969) surge o famigerado Necronomicon, com boas filmagens e um clima interessante. Dunwich também foi a base para o filme Pavor na Cidade dos Zumbis (Paura Nella Citta dei Morti Viventi, 1980), dirigido pelo italiano Lucio Fulci, que se tornaria um dos grandes nomes do cinema de terror, mas que aqui não acertou a mão.
A cabeça tarada de Re-Animator.
Bem mais interessante foi a estreia de Stuart Gordon na direção, em Re-Animator – A Hora dos Mortos Vivos (The Re-Animator, 1985), ainda que ele tenha fugido do clima das histórias de Lovecraft ao introduzir um humor negro de primeira. Mas algumas cenas são simplesmente sensacionais. O mesmo Gordon voltou a usar uma história de Lovecraft no sensacional e alucinado Possuídos Pelo Mal, também conhecido como Do Além (From Beyond, 1986). A história refere-se a um cientista que constrói uma máquina com a qual consegue entrar em contato com outra dimensão, na qual existem seres medonhos.
O conto A Cor que Caiu do Céu também serviu de base para A Maldição, Raízes do Terror (The Curse, 1987), ainda distante do clima lovecraftiano, mas com alguns bons momentos. Péssima adaptação sem dúvida é a de A Abominável Criatura (The Unnamable, 1988), uma abominação a ser esquecida para sempre, o que também serve para A Noiva do Re-Animator (The Bride of Re-Animator, 1990), baseada no primeiro filme e apenas sutilmente nos personagens de Lovecraft.
Uma surpresa agradável está reservada para quem assistir a Feitiço Mortal (Cast a Deadly Spell, 1991). Não se trata de uma adaptação de Lovecraft, mas tem tudo a ver com o autor. A história se passa numa Los Angeles paralela onde a magia é uma realidade e um detetive chamado Lovecraft é contratado para reaver o Necronomicon. Uma delícia.
Um dos melhores momentos das histórias de Lovecraft no cinema está, sem dúvida alguma, em Renascido das Trevas (The Resurrected, 1991), baseado em O Caso de Charles Dexter Ward e ligado aos mitos de Cthulhu. Chris Sarandon interpreta Ward, que se tranca em seu laboratório realizando experiências estranhas que modificam completamente seu comportamento. É um filme realmente assustador.
Renascido das Trevas.
Já o espanhol Mansão Macabra (Cthulhu Mansion, 1991), de Lovecraft só aproveitou o nome Cthulhu. É um lixão brabo. Mais próximo do autor está Necronomicon: O Livro Proibido dos Mortos (Necronomicon, 1993). Sem ser um filme espetacular, trata de alguns temas interessantes, tem a presença de Cthulhu e outros seres extraterrestres vivendo nos subterrâneos de uma cidade.
Em O Inominável – O Retorno (The Unnamable Returns, 1993), Randolph Carter surge mais uma vez. Mas se o primeiro filme já era ruim, imaginem esse. E também em Aprisionados pelo Medo (Lurking Fear, 1994) a tradição de H.P. Lovecraft é jogada às traças num filme medíocre.
A melhor aproximação do universo imaginado por Lovecraft talvez esteja num filme que não foi baseado em qualquer de suas histórias. À Beira da Loucura (In the Mouth of Madness, 1994) foi dirigido por John Carpenter e pode ser visto como uma espécie de homenagem a Lovecraft. Sam Neill (de Parque dos Dinossauros) é um investigador com a missão de encontrar um escritor de livros de terror que desapareceu. Vai parar numa cidade da Nova Inglaterra, onde descobre que a imaginação do escritor fez com que se abrisse uma passagem para outra dimensão, repleta de seres horrendos. Os livros do sujeito têm a capacidade de enlouquecer as pessoas, alterar sua realidade, e as histórias são ditadas pelos seres da dimensão paralela. O último livro que ele escrever deverá abrir de uma vez por todas as portas para o nosso mundo, permitindo que os seres tomem conta do planeta. O nome de Lovecraft não é citado, mas nem precisaria.