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PARA GOVERNAR A GALÁXIA

ESPECIAIS/VE GOVERNOS GALÁCTICOS

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data08/10/2020
fonte
Alguns autores imaginaram universos – uns mais, outros menos complexos –, a partir dos quais elaboraram diversas histórias, com variados tipos de governos galácticos.

Ilustração de Gray Morrow.
The Faded Sun: Kesrith, na revista Galaxy Science Fiction (capa de Amy Harlib, 1978).

Algo semelhante a uma federação surge na longa lista de histórias da escritora C.J. Cherryh, situadas no que ficou conhecido como “universo Alliance-Union”. Não existem impérios, mas grupos de interesse comercial e de proteção militar que entram em choque. Os livros começaram a ser publicados em 1976 e, segundo a autora, com raríssimas exceções, podem ser lidos em qualquer ordem, ainda que estejam divididos em várias fases. Poucos foram publicados em português.
Os livros foram assim divididos:
"The Company Wars", com os livros: Downbelow Station (1981), vencedor do Prêmio Hugo; Merchanter’s Luck (1982); Rimrunners (1989); Tempos Duros (Heavy Time, 1991. Em Portugal, pela coleção Argonauta números 455 e 456, em 1995) e Hellburner (1992), publicados como uma sequência; Tripoint (1994); Finity’s End (1997).
"The Hinder Stars", com o livro Alliance Rising (2019), escrito em parceria com Jane S. Fancher.
"The Era of Rapprochement", com os livros: Serpent’s Reach (1980); Forty Thousand in Gehenna (1983); The Scapegoat (1985); Cyteen (1988), vencedor dos prêmios Hugo e Locus, e Regenesis (2009), que também devem ser lidos em sequência.
"The Chanur", com os livros: The Pride of Chanur (1981); Chanur’s Venture (1984); The Kif Strike Back (1985); Chanur’s Homecoming (1986); Chanur’s Legacy (1992).
Trilogia "The Faded Sun", com os livros: The Faded Sun: Kesrith (1978), originalmente publicado em quarto partes na revista Galaxy; The Faded Sun: Shon’Jir (1978); The Faded Sun: Kutath (1979).
"Merovingen Wars", com o livro Angel With the Sword (1985).
"The Age of Exploration", com os livros: Port Eternity (1982); Voyager in Night (1984); Cuckoo’s Egg (1985).
"The Hanan Rebellion", com os livros: Brothers of Earth (1976) e Hunter of Worlds (1977).
"The Morgaine Cycle", com os livros: A Porta da Montanha do Fogo (Gate of Ivrel, 1976. Em Portugal, pela Argonauta 523); O Poço de Shiuan (Well of Shiuan, 1978. Em Portugal, pela Argonauta 525/ 526); As Labaredas de Azeroth (Fires of Azeroth, 1979. Em Portugal, pela Argonauta 528/ 529); Exile’s Gate (1988).
Vaga Sem Praia (Wave Without a Shore, 1981. Em Portugal, pela Europress, coleção BolsoNoite).
As histórias cobrem um amplo período de tempo, iniciando com as primeiras colonizações da Terra nos planetas próximos, chegando ao desenvolvimento das viagens mais rápidas do que a luz e a expansão da humanidade. A Terra forma a Earth Company e, com o tempo, alguns planetas e mercadores do espaço passam a formar grupos distintos, com a situação piorando para a Terra quando os colonos descobrem um novo planeta no qual podem ser plantadas sementes terrestres, o que ameaça o domínio econômico da Terra. Quando os choques entre os dois grupos aumentam e inicia-se uma rebelião, a Terra forma uma frota da companhia.

Abaixo: The Faded Sun: Kesrith (capa de David K. Stone. Nelson Doubleday / SFBC, 1978); The Faded Sun: Shon'Jir (capa de Jack Woolhiser. Nelson Doubleday / SFBC, 1978); The Faded Sun: Kutath (capa de David K. Stone. Nelson Doubleday / SFBC, 1979).

Eventualmente, os colonos declaram sua independência e passam a ser chamados de Union (União), desenvolvendo clones humanos geneticamente alterados que tanto podem ser utilizados em combates quanto em plantações. Os mercadores espaciais, que ficam entre as duas facções, acabam formando a Alliance (Aliança).
Além dos humanos que formam os grupos, também existem inúmeras raças alienígenas no universo da autora. George Mann (em The Mammoth Encyclopedia of Science Fiction) diz que um dos pontos mais significativos das histórias de Cherryh é a descrição convincente e acurada de seres alienígenas, muitos dos quais ainda não foram contatados pelos humanos devido a uma lei que impede que eles afetem o desenvolvimento de espécies alienígenas menos evoluídas, algo muito parecido com a Primeira Diretiva de Jornada nas Estrelas. “O trabalho de Cherryh é fora de série. Sua estrutura abrangente da Union-Alliance é complexa e claramente planejada, sua caracterização é perspicaz e convincentemente humana (ou alienígena, como pode ser o caso), e acima de tudo seus romances são excitantes e ambiciosos. Ao lado da Technic History de Poul Anderson, seu mais sério competidor, o épico ambicioso de Cherryh pode tornar-se a space opera de vida mais longa e exuberante do século 20”.

Abaixo: as edições portuguesas da Argonauta com Tempos Duros e As Labaredas de Azeroth (capas de António Pedro).

 

Capa de Frank Kelly Freas (Lancer Books, 1968).

Como Brian Stableford e David Langford já haviam ressaltado, em muitas histórias do pós-Segunda Guerra Mundial a palavra “império” foi substituída por “liga”, “federação” ou alguma variável. Segundo eles, muitos trabalhos desse tipo ou são de origem norte-americana ou “produtos da colonização cultural”, com o modelo político utilizado para a civilização galáctica sendo o sistema dos EUA ampliado, o que fica evidenciado com o final do livro de Isaac Asimov, Poeira de Estrelas “(...) e diligentemente sustentado por inúmeros episódios de Jornada nas Estrelas”. De fato, em Poeira de Estrelas existe uma referência a um documento proveniente da Terra e que, ao longo da história, é sempre visto pelos personagens como algum tipo de arma fantástica, perdida no tempo e na história, e que seria de imensa validade para derrotar a tirania. Ao final, sabe-se que o documento, que está nas mãos de rebeldes, é a Constituição dos Estados Unidos. Segundo se sabe, o próprio Asimov rechaçou a ideia de acrescentar essa referência à história, mas o editor da revista Galaxy Science Fiction, onde a história foi publicada originalmente, insistiu no conceito e ela foi publicada assim.

Entre os autores que Stableford e Langford citam como aqueles que utilizaram o conceito de uma civilização galáctica de forma consistente e elaborada, como citado na matéria anterior, estão também Cordwainer Smith e E.C. Tubb.
Cordwainer Smith é o pseudônimo de Paul Myron Anthony Linebarger. Ele desenvolveu a série de histórias conhecidas como Instrumentality of Mankind, das quais, ao que se sabe, apenas uma foi publicada em português em O Homem Que Comprou o Planeta (The Planet Buyer, 1964. Editora Bruguera), que na verdade é a primeira parte do livro Norstrilia (1975). Originalmente, foram publicadas duas histórias: a primeira, uma versão como um conto na revista Galaxy, com o título The Boy Who Bought Old Earth (1964); a segunda, também como conto, na revista If, com o título The Store of Heart's Desire (1964), e posteriormente com o título The Underpeople (1968).
A primeira história de Smith foi War No. 81-Q, publicada em 1928 com o pseudônimo Karolman Junghar, em The Adjutant; ele tinha 15 anos na época e, posteriormente, a história foi modificada e também faz parte da série Instrumentality, como a maior parte do trabalho de Smith. Segundo se informa, todas as histórias relacionadas à série encontram-se nos livros The Rediscovery of Man (1993) e The Instrumentality of Mankind (1979), além do romance Norstrilia (1975), todos publicados postumamente (ele faleceu em 1966).
A Instrumentalidade é o nome dos que governam a humanidade de forma hereditária, muitos anos no futuro, uma classe dominante descendente de militares de direita da Terra que acordaram de um período de animação suspensa. Com o primeiro desenvolvimento das viagens espaciais, as naves eram pilotadas por “scanners”, homens que tiveram seus cérebros alterados para poderem controlar as espaçonaves.

Capa de Jack Gaughan, ilustrando o conto Scanners Live in Vain, de Cordwainer Smith (1950).

Esses pilotos surgem na primeira história assinada como Cordwainer Smith, Scanners Live in Vain (1950), na revista Fantasy. John Clute diz que é um de seus melhores trabalhos, tendo surgido de forma um tanto obscura após ter recebido várias rejeições de revistas com mais prestígio, “(...) talvez porque sua sinistra intensidade deixou os editores da época desconfortáveis”, disse Clute, “talvez porque a narrativa já mergulha para o meio do universo da Instrumentalidade, gerando uma sensação de que muita coisa fica sem ser contada além das margens do conto”. Segundo John Clute, os scanners são pilotos espaciais, e os rigores de seu trabalho no “sofrimento do espaço” acarreta na perda funcional da região sensorial de seus cérebros, com efeito em seu comportamento que se assemelha ao autismo grave.
No universo da Instrumentality surgem novos avanços tecnológicos que permitem a terraformação de planetas e ainda novas formas de navegação espacial, além de experiências de engenharia genética que transforma raças animais em uma subclasse de escravos.

                                                                                                                                                Capa de Gray Morrow (Ballantine Books, 1975).

O romance Norstrilia foi um dos escolhidos por David Pringle para constar em seu livro Science Fiction: The 100 Best Novels, que cobre a produção do gênero até 1984. O livro é a união de duas histórias, O Homem Que Comprou o Planeta (The Planet Buyer, 1964) e The Underpeople (1968). Norstrilia é o planeta Old North Australia, colonizado por australianos de Terra, e que se tornou riquíssimo graças a uma doença que afetou as ovelhas; os fazendeiros perceberam que os corpos inchados das ovelhas doentes eram a fonte de uma droga que chamaram “stroon” que aumenta a longevidade humana de tal forma que as pessoas tornam-se quase imortais. Como não é possível fazer a droga artificialmente ou mesmo exportar a doença para outros planetas, Norstrilia se torna a única fornecedora. Para evitar a superpopulação e a degeneração, os habitantes do planeta fazem uma seleção dos que devem morrer ou sobreviver.
O personagem central é o jovem Rod McBan que, no início da história, passa por um teste para saber se irá viver ou morrer, e seu futuro é incerto porque, ao contrário de seus vizinhos, ele não consegue comunicar-se telepaticamente. Mas ele passa no teste ao mesmo tempo em que faz um perigoso inimigo, escolhendo sair do planeta. Ele pega sua herança e investe no mercado de ações e se torna o homem mais rico do universo e o dono do planeta Terra, a origem da humanidade.
Segundo David Pringle, “É uma narrativa rica, exuberante e, às vezes, irritante, cheia de insinuações religiosas veladas. Embora um tanto fragmentária em seus efeitos, serve para confirmar que Cordwainer Smith foi um dos mais originais escritores de ficção científica, e também um dos mais excêntricos. Uma vez, John Sladek escreveu uma paródia de Smith que ele intitulou ‘One Damned Thing After Another – A Co-ordainer’s Myth’. Realmente, Norstilia é um livro que contém uma maldita coisa após outra, mas muitas dessas coisas são brilhantemente descritas e maravilhosamente sugestivas”.
Essa visão de Cordwainer Smith como um dos mais brilhantes e criativos escritores da ficção científica é compartilhada por muitos críticos e escritores, o que torna ainda mais estranho o fato dele ter sido tão pouco publicado em português.

Abaixo: capa de John Pederson, Jr., ilustrando o conto The Store of Heart's Desire, de Cordwainer Smith (1964); The Planet Buyer (capa de John Schoenherr. Pyramid Books, 1964); The Underpeople (capa de Jack Gaughan. Pyramid Books, 1968).

 

O outro autor citado por Stableford e Langford é E.C. Tubb, que desenvolveu uma série de 33 livros que ficou conhecida como a Saga Dumarest, ou Dumarest of Terra, e que apresenta histórias situadas em um futuro distante no qual a galáxia não tem um governo central e, provavelmente, atravessa um período posterior a um império galáctico. O título vem do personagem central, Earl Dumarest, nascido na Terra, mas que entrou como clandestino em uma nave. Normalmente, os clandestinos eram jogados ao espaço, mas o capitão da nave deixou que ele ficasse e trabalhasse como tripulante.

Capa de Frank Kelly Freas (Ace Books, 1967).

A primeira história da série foi The Winds of Gath (1967), e quando a narrativa inicia Dumarest já está há muito no espaço, e tão longe que não sabe mais como retornar à Terra. Na verdade, no local distante em que se encontra, a Terra é encarada como um mito. Entende-se que sua localização vem sendo mantida em segredo propositadamente, e enquanto Dumarest tenta encontrar seu planeta natal, uma organização conhecida como Cyclan – formada por humanos cirurgicamente alterados para não terem emoções, parece tentar impedi-lo de chegar ao planeta. Dumarest também possui uma descoberta científica que recebeu de um ladrão e que pertencia ao Cyclan. Uma organização que se opõe aos Cyclan é a Church of Universal Brotherhood.

                                                                                         Capa de Douglas Klauba (Homeworld Press, 2008).

Segundo John Clute e David Langford, o próprio E.C. Tubb não tinha intenção de prolongar demais a série, mas o seu editor o convenceu a estender, chegando a 31 livros, posteriormente com a ampliação de mais dois volumes. Ainda assim, a história não chegou ao fim; ela deveria culminar com a chegada de Dumarest à Terra.
“Planetas habitados”, explicam Clute e Langford, “são virtualmente inumeráveis; o período é algum tempo após o colapso de um império galáctico, e todo mundo fala o mesmo idioma. E, enquanto Dumarest move-se gradualmente para fora o centro galáctico seguindo um braço espiral de estrelas – um avanço através do vasto arquipélago de planetas que lembra fortemente as ‘viagens fantásticas’ de séculos anteriores – fica claro que ele está gradualmente se aproximando de seu objetivo. A oposição dos Cyclan que ele enfrenta – uma imensa organização de humanos sem sentimentos ciberneticamente conectados a um computador central orgânico cuja localização é desconhecida – por muito tempo levou os leitores a presumir que o quartel-general dos Cyclan estivesse localizado na Terra, mas o livro The Return (1997) é inconclusivo a esse respeito. Um livro posterior, Child of Earth (2008), pretendia iniciar o ciclo final dos livros Dumarest, mas acabou sendo o último de Tubb, devido a uma doença crescente, antes de sua morte em 2010, ainda deixando sem resolução a localização da base do Cyclan”.

Spectrum of a Forgotten Sun (capa de Ray Feibush. DAW Books, 1976); Symbol of Terra (capa de Vincent Di Fate. DAW Books, 1984).

Para os dois críticos, ainda que alguns livros da segunda metade da série pareçam sem objetivo, Tubb mostrou habilidade consistente ao prolongar o suspense intenso em torno da busca de Dumarest.
Os livros da série são: The Winds of Gath (1967); Derai (1968); Toyman (1969); Kalin (1969); The Jester at Scar (1970); Lallia (1971); Technos (1972); Veruchia (1973); Mayenne (1973); Jondelle (1973); Zenya (1974); Eloise (1975); Eye of the Zodiac (1975); Jack of Swords (1976); Spectrum of a Forgotten Sun (1976); Haven of Darkness (1977); Prison of Night (1977); Incident on Ath (1978); The Quillian Sector (1978); Web of Sand (1979); Iduna's Universe (1979); The Terra Data (1980); World of Promise (1980); Nectar of Heaven (1981); The Terridae (1981); The Coming Event (1982); Earth is Heaven (1982); Melome (1983); Angado (1984); Symbol of Terra (1984); The Temple of Truth (1985); The Return (1997; originalmente escrito em 1986; publicado pela primeira vez na França com o título Le Retour, 1992); Child of Earth (2008).
 

Na matéria Império: Prós e Contras, David Berri diz que instituições extrativistas não encorajam mudanças tecnológicas, ao contrário das instituições inclusivas. A citação surge como um argumento contra a utilização de impérios intergalácticos na fc.
Mas como se posicionar quando uma economia extrativista é a principal responsável pelo desenvolvimento tecnológico?

Capa de Matt Griffin (Ace Books, 2019).

É isso o que se vê em Duna (Dune, 1965), o clássico de Frank Herbert. O extrativismo da especiaria, ou melange, no planeta Arrakis, é o que possibilita as viagens espaciais por longas distâncias no espaço. E, é claro, é o que movimenta uma briga pelo poder envolvendo diferentes famílias, ou clãs, e ao mesmo tempo o controle da especiaria é o que pode minar o poder imperial. A escritora Charlie Jane Anders, por exemplo, cita o império em Duna entre os 10 impérios da FC que fazem sentido economicamente uma vez que, na história, a economia apoia-se na escassez, ou na raridade da especiaria, que só é encontrada em Arrakis. E a melange é um tipo de droga, não apenas permitindo que os navegadores realizem viagens espaciais, mas também fornecendo visões do futuro que irão orientar as ações dos livros na sequência (Ver mais na matéria Novas Religiões).

                                                                                     Capa de John Schoenherr (Gollancz / Orion, 2007).

Como Adam Roberts disse, “(...) a política do cosmos imaginado por Herbert é medieval, com um imperador e uma rígida hierarquia de castas”, o que abre espaço para as intrigas e lutas pelo poder. Mas também é um império muito marcado pela religião, tanto a existente quanto a que se desenvolverá a partir das ações de Paul Atreides, que se torna o Muad’Dib, lidera uma jihad que se espalha pelo universo e estabelece um novo império. Roberts também diz que se poderia chamar o livro de católico, uma vez que “(...) a religião oficial do Império Galáctico é uma combinação de católico-romana e protestante, baseada no que Herbert chama ‘a Bíblia Católica de Orange’.” Além da ordem feminina conhecida como Bene Gesserit, que foi inspirada, como Herbert admitiu, em suas memórias da Ordem Jesuíta da Igreja Católica.
Assim, ainda segundo Roberts, “A novela se associa a um aspecto particular das tradições da FC: antitecnológico, místico e transcendente. No Império Galáctico de Herbert, os computadores são proibidos por decreto religioso (‘Não farás uma máquina à semelhança de um homem’)”. Os computadores são substituídos pelos mentats, humanos com incrível capacidade e rapidez de cálculo e pensamento. E ainda, “Embora existam espaçonaves e alguns itens de tecnologia, a vida em geral é vivida de acordo com uma lógica pré-Revolução Industrial”.

Capa de Bruce Pennington (New English Library, 1972).

E principalmente, explica Roberts, “Herbert usa o cenário do deserto para investigar as duas grandes tradições religiosas do deserto”, apresentando o salvador humano islâmico, no caso o Muad’Dib, e o Messias judaico-cristão. E o faz como uma forma de alerta. O crítico e professor de Inglês Thomas D. Clareson, em seu estudo "Understanding Contemporary American Science Fiction: The Formative Period" (1926-1970), disse que o ponto principal de Duna é “Cuidado com os heróis. Melhor confiar em seu próprio julgamento e em seus próprios erros”. Outro estudioso, o acadêmico e crítico William F. Touponce, em seu estudo "Frank Herbert" (1988), confirma que o tema principal de Duna e suas sequências é o alerta de Frank Herbert sobre as tendência da sociedade de entregar toda a capacidade de decisão a um líder carismático. Roberts cita também o livro de Timothy O’Reilly, Frank Herbert (1981), no qual Herbert fala sobre como pensou em escrever Duna: “(...) começou com um conceito: escrever uma extensa novela sobre as convulsões messiânicas que se impõem de forma periódica às sociedades humanas. Tive a ideia de que super-heróis eram desastrosos para os humanos”.

                                                                                Capa de Bruce Pennington (Gollancz, 1981).

Adam Roberts entendeu que um dos pontos mais fortes do livro é exatamente “(...) a detalhada e plausível apresentação do contexto político”. E nos livros seguintes os aspectos político e religioso são ampliados, ainda que os livros posteriores sejam muito inferiores ao original. “Em Duna”, diz Roberts, “o Messias se torna ‘desastroso para os humanos’ meramente em função da comoção política que causa – guerra, incertezas e assim por diante –, mas esse é o tipo de desastre que qualquer líder político convencional pode provocar. Na época de O Imperador-Deus de Duna, a compreensão de Herbert desse desastre é muito mais profunda. Leto, monstruosamente personificado como um verme gigantesco, embora mantendo a consciência em essência humana, é ao mesmo tempo governante e Deus; sua tirania ultrapassa em muito as opressões comuns do governo totalitário”. Situação que talvez coloque o império apresentado na série Duna como o mais original e, ao mesmo tempo, o mais terrível da ficção científica.
Timothy O’Reilly e Adam Roberts – e, possivelmente, outros críticos – entendem que Frank Herbert escreveu Duna como um contraponto à Fundação de Isaac Asimov. “(...) Duna foi escrito”, diz Roberts, “em oposição explícita à trilogia Fundação (1951-1953), de Asimov, ou, mais em particular, em oposição ao antiquado positivismo da versão de Asimov da história, algo que ele acreditava ser passível de ser exata previsão científica. Herbert, ao contrário, vê a história, em sua escala mais ampla, como caótica e encontra uma série de metáforas expressivas para isso na novela (...). Embora Paul possa ver o futuro, o futuro que ele vê está repleto de pontos cegos e permanece, sob aspectos cruciais, indeterminado”.

Capa de Jack Gaughan, sugerida pela história Whipping Star, de Frank Herbert (1964).

Frank Herbert também elaborou uma série de histórias situadas em um universo com uma organização semelhante à de uma federação, que ele chamou The ConSentiency. A série tem como personagem central Jorj McKie e inclui as histórias: A Matter of Traces (1958), conto publicado na revista Fantastic Universe; The Tactful Saboteur (1964), publicada em Galaxy Magazine; Whipping Star (1970), publicado em Worlds of If, em quatro partes; The Dosadi Experiment (1977), originalmente publicado em quatro partes na revista Galaxy.

                                     Capa de Bonnie Dalzell, ilustrando The Dosadi Experiment, de Frank Herbert (1977).

O ConSentiency reúne uma série de raças alienígenas, incluindo a humana, e é liderado pelos Caleban. O personagem Jorj McKie trabalha para o Bureau of Sabotage e tem a função de sabotar alguns empreendimentos do governo; o Bureau foi criado pelas diferentes raças como uma forma de evitar que o universo seja legislado de forma imprudente. As viagens pelo espaço ocorrem por meio de portais pertencentes aos Caleban, enquanto as comunicações a longa distância são feitas pela raça dos Taprisiots e realizados mentalmente.
Adam Roberts entende que o universo de ConSentiency não tem a mesma complexidade de Duna. “The Dosadi Experiment [O Experimento Dosadi] (1977)”, diz Roberts, “um exemplar de uma série de novelas de Herbert ambientadas em uma futura federação multialienígena chamada ConSentiency, compartilha similaridades de forma e enredo com Duna, mas faltam-lhe a objetividade imagética central e a metaforicidade da novela mais antiga – além de ser muito menos marcante”.