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Viagens no Tempo na Literatura de FC

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autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data01/03/1998
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Desde o século 19, as histórias de viagens no tempo estão entre as preferidas dos leitores de FC.

Viagens no Tempo na Literatura de FC

As histórias de viagens no tempo estão entre as preferidas de escritores e leitores de FC e exigem um cuidado todo especial com os detalhes.

Gilberto Schoereder

É verdade que, antes de 1895, várias pessoas viajaram no tempo, especialmente para o futuro. Mas foi nessa data que um viajante do tempo pôde utilizar pela primeira vez uma máquina que lhe dava a mobilidade desejada e o controle de suas ações. Até então, os viajantes contavam com a sorte ou o capricho de seus pais, os escritores. Sonhavam com o futuro ou dormiam e acordavam num futuro distante – como no clássico A Misteriosa Alucinação do Sr. Rip (Rip Van Winkle), de Washington Irving, escrito no início do século 19.

Mas com A Máquina do Tempo (The Time Machine), de H.G. Wells, as deslocações temporais ganharam uma nova dimensão. O cientista, chamado apenas de Viajante do Tempo, desloca-se ao futuro distante de 802.701, no qual acredita ter encontrado a Idade de Ouro da humanidade. Além de ser um livro excepcional (transformado num filme muito bom de George Pal, em 1960), A Máquina do Tempo é considerado por muitos como o marco inicial da moderna ficção científica.
Outro autor que teve importante influência na FC e no terror – e mais especificamente na obra de H.P. Lovecraft –, foi William Hope Hodgson. No livro A Casa Sobre o Abismo (The House on the Borderland, 1908) ele também apresenta uma fantástica viagem no tempo, ainda que sem a utilização de um aparelho construído pelo homem. A viagem é realizada na própria casa em questão, que se situa numa espécie de dobra dimensional que possibilita o contato com outros tempos e mundos. O personagem central vê o tempo avançar velozmente, até o fim dos tempos, com o esfriamento do Sol, com uma técnica de narração que muitas vezes lembra a viagem do personagem de H.G. Wells.

Passado e Paradoxos
As viagens no tempo para o passado também fazem parte dos primórdios do gênero, como no clássico Antes de Adão (Before Adam, 1906), do excepcional escritor americano Jack London.

 A fórmula encontrada foi a dos sonhos, que o personagem central tem desde sua infância e nos quais vivencia as experiências de um antepassado biológico, quando os humanos viviam em cavernas. O famoso Um Ianque na Corte do Rei Arthur (A Connecticut Yankee in King Arthur's Court, 1889), de Mark Twain, e Allan and the Ice Gods (1927), de H. Rider Haggard – o último livro na série de aventuras com o personagem Allan Quatermain –, também são exemplos clássicos de obras que tratam a "viagem ao passado" sem a utilização de máquinas.

O tema foi retomado por Lyon Sprague De Camp em 1939, com A Luz e as Trevas (Lest Darkness Fall), uma espécie de semiclássico da era de ouro da FC no qual um arqueólogo vai parar involuntariamente na Roma do ano 500, revolucionando-a com seus conhecimentos e alterando o rumo da história.

A viagem ao passado está diretamente ligada com os aspectos mais interessantes do tema: os paradoxos e a possibilidade de alterar a história. Um dos momentos mais conhecidos nessa linha é o conto Um Som de Trovão (A Sound of Thunder, 1952. No Brasil, no livro Os Frutos Dourados do Sol), de Ray Bradbury. O viajante do tempo dirige-se à era mesozóica e, ao esmagar uma simples borboleta, causa modificações no futuro.

Clássico também é o conto de Robert A. Heinlein, Pelos Cordões de Suas Botas (By His Bootstraps, 1941. No Brasil, no livro A Ameaça da Terra), apresentando o que se chama de "arco fechado no tempo", um círculo aparentemente interminável de acontecimentos conectados, sem início ou fim, descrito de forma admirável. Também na novela Behold the Man (1966), de Michael Moorcock, ocorre o arco, quando um homem resolve viajar ao tempo de Cristo para acompanhar seus passos, mas chegando lá não o encontra, e sua máquina do tempo quebra. Ele começa a falar com as pessoas e passar a elas os ensinamentos da Bíblia e, assim, torna-se ele próprio o Cristo e é crucificado.
O que acontece num caso desses? O mundo muda radicalmente?; todos perdem a memória do que eram antes?; ou qualquer alteração faz parte da estrutura do tempo?

Essa noção de interferir no rumo da história também foi abordada numa série muito boa de histórias de Poul Anderson, publicadas nos livros Os Guardiões do Tempo (The Guardians of Time, 1961) e Patrulheiro do Tempo (Time Patrolman, 1983). Depois que as viagens no tempo foram desenvolvidas, grupos de viajantes mal intencionados alteram o rumo dos acontecimentos para obter vantagens. Assim, criou-se a Patrulha do Tempo, um grupo de viajantes temporais que tem como função "arrumar" as intervenções e colocar a história novamente em seu rumo correto.

Uma máquina do tempo mais popular, devido ao seriado da televisão, é a do livro O Túnel do Tempo (The Time Tunnel, 1967), de Murray Leinster, que inclusive apresenta explicações mais plausíveis para o fato dos cientistas Doug e Tony irem parar sempre em momentos significativos da história, supondo que as "linhas do tempo" criam espécies de nós em momentos mais significativos, atraindo os viajantes.

 

 

O Tempo ao Contrário
As singularidades temporais também pegam as pessoas de surpresa, como em Tempestade no Tempo (Time Storm, 1977), de Gordon R. Dickson. Não há máquinas ou viajantes do tempo, mas o próprio tempo que entra em colapso, com linhas de descontinuidade temporal avançando pelo planeta, como tempestades, de forma que passado, presente, futuro e tempos alternativos interpenetram-se. Os personagens pouco ou nada podem fazer, como no excepcional conto de J.G. Ballard, Escape (do livro Passaporte para o Eterno, 1963), no qual uma irregularidade altera o sentido de tempo de um casal conversando numa sala. Para ele, o tempo está se repetindo, enquanto para ela as coisas se passam normalmente, com sua sequência lógica preservada.
Essa característica irregular do tempo foi abordada com humor de primeira em As Sereias de Titã (The Sirens of Titan, 1959) de Kurt Vonnegut Jr.. Um milionário e seu cão ficam presos numa anomalia espaço-temporal e, assim, ganham a capacidade de surgir em diferentes períodos ou em pontos distantes do espaço, aparentemente libertos do tempo. Vonnegut também explorou os caminhos tortuosos do tempo em Matadouro 5 (Slaughterhouse Five, or The Children's Crusade, 1969), no qual os seres do planeta Tralfamadore transportam o personagem através do tempo e espaço, ensinando-lhe que todos os tempos coexistem.
As diferentes formas das pessoas perceberem a passagem do tempo dá origem a muitas especulações na FC, como as de Brian W. Aldiss e Philip K. Dick, ambas em 1967, nos livros Criptozóica (Cryptozoic) e Regresso ao Passado (Counter-Clock World). As duas histórias apresentam um mundo em que o tempo corre no sentido inverso, ou seja, o que imaginamos que é nosso futuro é, na verdade, nosso passado, e vice-versa. O livro de K. Dick, inferior ao de Aldiss, é mais específico, mostrando pessoas sendo desenterradas dos cemitérios, velhos rejuvenescendo até se tornarem bebês e assim por diante.

Tempos Paralelos
Uma variação das viagens no tempo são as viagens a universos paralelos, que podem ser vistos como linhas temporais alternativas à nossa. Poul Anderson imaginou uma forma de realizar essas viagens em O Avatar (The Avatar, 1978), no qual uma raça alienígena desconhecida e já desaparecida deixou uma série de aparelhos espalhados pelos universo, através dos quais é possível deslocar-se por várias dimensões do tempo e do espaço, atingindo universos paralelos. Robert A. Heinlein também compôs uma história parecida em O Número do Monstro (The Number of the Beast, 1980), uma das piores histórias de FC já escritas.
Muito mais interessante é Mundo Alternante (Worlds of the Imperium, 1962), de Keith Laumer, com ação situada num mundo paralelo em que a I Guerra Mundial não ocorreu e foi inventada uma máquina capaz de se deslocar nos "trilhos do tempo" e que, percorrendo a Teia, atinge vários mundos paralelos. A noção do tempo como um emaranhado de linhas, que podem ou não levar a mundos paralelos, foi abordada também em A Teia do Tempo (The Unicorn Girl, 1969), de Michael Kurland, uma das histórias mais alucinadas do gênero e repleta de referências à chamada cultura hippie.
As viagens no tempo são apresentadas das mais diversas formas na FC e, apesar de ser uma possibilidade rejeitada pela maioria dos cientistas, tornou-se um dos temas que mais atrai os leitores e escritores, mesmo aqueles que preferem uma linha de FC mais próxima da ciência. A FC tem como um de seus interesses básicos elaborar sociedades que tragam uma alternativa à nossa sociedade atual, ou criticar o mundo de hoje apresentando possíveis decorrências do que está sendo feito. Talvez as histórias de viagens no tempo, especificamente as voltadas para o futuro, cumpram essa tarefa ainda melhor por permitirem uma comparação mais radical ao colocar pessoas do passado no futuro.
Seja como for, tudo indica que o tema que deu início à FC moderna vai continuar a ser muito utilizado pelos escritores e pelo cinema. Para nossa sorte.