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O FUTURO DO PRETÉRITO

ESPECIAIS/VE MIL CIDADES

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data28/12/2015
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Os filmes de ficção científica das décadas de 1920, 1930 e 1940 apresentaram suas próprias ideias de como poderiam ser as cidades do futuro, quase sempre sem conseguir se aproximar da realidade.

Na ficção científica, é sempre difícil projetar o futuro e acertar em cheio. Existem muitos artigos que falam sobre as “profecias” do gênero que deram certo ou não, mas isso realmente não é muito importante; é apenas uma curiosidade.
O mesmo ocorre com os filmes do início do gênero no cinema, em particular no momento de elaborar o aspecto visual das cidades. O que geralmente ocorria era, ou um exagero nas previsões de como essas cidades seriam, ou a elaboração das cidades incorporando aspectos arquitetônicos e conceitos da época.
Claro que esses filmes não são melhores ou piores por causa disso, mas vamos apresentá-los aqui apenas como registro de uma época. Na verdade, 50, 80 ou 100 anos no futuro, os atuais filmes de ficção científica também podem mostrar cidades tão defasadas quanto as cidades daqueles filmes.
Aqui, estou apresentando apenas uns poucos, para dar a ideia do que se fazia na época.

 

 Metrópolis (Metropolis, 1926)

 

Metrópolis (UFA/ Paramount Pic.).

O primeiro visual de uma cidade do futuro a realmente causar impressão – tamanha que permanece até hoje – é o de Metrópolis, o filme de Fritz Lang que, para muitos estudiosos da ficção científica é o primeiro grande filme do gênero. Na The Science Fiction Encyclopedia, o escritor John Brosnan disse que “Apesar de frequentemente ser descrito como o primeiro épico de ficção científica do cinema, esse famoso filme alemão tem mais em comum com o cinema gótico”.
Claro que a influência da época não pode ser desprezada, mas utilizada para obter o efeito desejado. Na mesma Encyclopedia, Brosnan realça várias falhas e aspectos negativos do filme, porém enfatizando que essas falhas não reduzem o poder do aspecto visual de Metrópolis, “uma combinação de imensos cenários expressionistas (trabalho dos diretores de arte Otto Hunte, Erich Kettelhut e Karl Vollbrecht) e da direção de Lang (...)”. O próprio Fritz Lang chegou a dizer que o filme nasceu da primeira visão que ele teve dos prédios de Nova York.

 

 Fantasias de 1980 (Just Imagine, 1930)

 

Fantasias de 1980 (Fox Film Corp.).

Dirigido por David Butler, esse musical ficou conhecido pelos efeitos especiais e direção de arte. Segundo Baird Searles, em Films of Science Fiction and Fantasy, foi a reação de Hollywood, quatro anos depois, à visão do futuro apresentada em Metrópolis. “Não apenas é falado”, ele escreveu, “mas cantado, e seu enredo é menos bobo do que não existente”. E, claro, tem o problema de situar o futuro ano de 1980, estampado no título em português, situando a ação (ou cantoria) na cidade de Nova York.
Assim como tinha escrito sobre Metrópolis, John Brosnan também se referiu a Fantasias de 1980 como um filme com história bobinha. “O fracasso (nas bilheterias) desse caro blockbuster de ficção científica”, disse Brosnan, “pode explicar porque Hollywood manteve-se afastada de temas de ficção científica (exceto no contexto de filmes de terror) por tanto tempo depois disso, mas foi mais a história boba do que seu conteúdo de ficção científica que levou ao fracasso do filme”.
Diz-se que apenas o cenário gigante para apresentar a Nova York do futuro custou 250 mil dólares – uma fortuna para a época e quase um quarto do total da produção. A maioria dos críticos realça o valor dos cenários, que Phil Hardy, em The Encyclopedia of Science Fiction Movies, diz serem quase tão imaginativos e luxuosos quanto os de Metrópolis. Posteriormente, eles foram reaproveitados em outras produções, em particular no seriado para o cinema Buck Rogers (1939), segundo Hardy, e em Flash Gordon (1936), segundo Michael Weldon (em The Psychotronic Encyclopedia of Film). Phil Hardy também levanta uma questão que pode iluminar o fracasso do filme, ao verificar que, como muitos filmes de ficção científica dos anos 1930, em Hollywood, ele não representava a ficção científica escrita na época, mas sim uma concepção muito mais antiga do gênero.
Na história, Al Brendel é um sujeito que desmaia em 1930 após ser atingido por um raio, e acorda em 1980, vendo então as “maravilhas” do mundo do futuro, como as famosas pílulas alimentícias, portas automáticas, telefones com televisão, bebês que saem de máquinas e não pelo processo normal. Para quem assiste hoje em dia é engraçado ver a ideia que o filme apresentava das vestimentas do futuro. Se alguém de 1930 desse de cara com um punk dos anos 1980, acho que cairia duro para trás.

 

 Daqui a Cem Anos (Things to Come, 1936)

 

Daqui a Cem Anos (London Film Prod./ United Artists).

A produção inglesa dirigida por William Cameron Menzies – também muito respeitado por seu trabalho como diretor de arte – teve roteiro do próprio H.G. Wells, a partir de sua história The Shape of Things to Come (1933). A cidade em questão é Everytown, no ano de 2036, mas a história começa em 1940, com o início de uma guerra mundial que, na visão apresentada no filme, não termina em 1945, mas estende-se por décadas, chegando à data em questão, quando a maioria da população vive em cidades modernas e subterrâneas.
O filme está entre os clássicos do gênero, ainda que alguns críticos entendam que isso ocorra menos pela história datada de H.G. Wells do que pelo trabalho de Menzies e do diretor de arte Alexander Korda. Phil Hardy disse que foram Menzies e Korda quem deram vida e animaram as ideias de Wells. Não por acaso, os cenários grandiosos são um destaque do filme.

 

 

Flash Gordon (Flash Gordon, 1936)
Flash Gordon no Planeta Marte (Flash Gordon's Trip to Mars, 1938)
Flash Gordon Conquista o Universo (Flash Gordon Conquers the Universe, 1940)
Buck Rogers (Buck Rogers, 1939)

 

 



Dois exemplos de arquitetura em Buck Rogers. À esquerda, ao que tudo indica, a maquete aproveitada de Fantasias de 1980. 

 

 

Apesar de Michael Weldon ter informado que alguns cenários de Fantasias de 1980 foram reutilizados nos seriados com Flash Gordon, parece mais provável que tenham sido no seriado Buck Rogers, como afirmou Phil Hardy. Por mais que se procure imagens de cidades nos seriados de Flash Gordon, a única que conseguimos encontrar é a cidade suspensa dos homens- pássaros.
Já em Buck Rogers é mais ou menos fácil identificar a cidade de Fantasias de 1980, ainda que a imagem não seja da melhor qualidade.
Em Flash Gordon existem muitos cenários interiores, em particular aqueles grandiosos do Imperador Ming, remontando à arquitetura da Terra. Os destaques também são para os figurinos, uma mistura de épocas terrestres, com vestes do passado convivendo com tecnologia do futuro, algo que se tornou comum em muitas produções dos anos 1930/1940.