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O FEITICEIRO DE TERRAMAR

Livros/Lançamentos

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data09/09/2016
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A Editora Arqueiro começa a publicar a trilogia de Terramar, de Ursula K. Le Guin, um marco da literatura de fantasia.

A trilogia clássica de Ursula K. Le Guin já havia sido publicada em língua portuguesa na conhecida coleção Argonauta, de Portugal, e também pela Editora Brasiliense.
O mundo imaginado pela autora, Earthsea, ou Terramar, na tradução, é composto por inúmeras ilhas, cada qual com sua cultura e idioma, ainda que não fiquem tão distantes umas das outras. Nesse mundo, a magia é uma realidade, e as funções mágicas, exercidas por feiticeiros, magos e bruxas, são vistas com naturalidade e como auxílios à vida diária, como trazer ou levar chuva a uma região, ou fazer soprar os ventos que levam embarcações.
Também existem as grandes artes mágicas, reservadas apenas aos iniciados, àqueles que não deverão jamais praticá-las por puro prazer ou por conveniência pessoal. Esses iniciados devem entender que para tudo na vida existe um equilíbrio; assim, se chover num local, haverá seca em outro. Em outras palavras, qualquer poder que seja despertado resultará em uma reação em algum outro ponto, mantendo o equilíbrio.
A história segue a vida do jovem chamado Gavião, que no futuro será conhecido como Ged, e que possui poderes acima do normal. Quando suas habilidades como mago em potencial são descobertas, ele é enviado para seu treinamento, bastante complicado por sua rebeldia e impaciência. Seu aprendizado é rápido, mas seu temperamento faz com que entre em contato com seu lado mais sombrio e perigoso, o que irá marcar sua vida para sempre.
Ursula K. Le Guin aborda alguns dos componentes básicos das histórias de fantasia, entre eles o fato de que o sujeito/mago deve não apenas aprender a utilizar a magia, mas também precisa conhecer a si mesmo e o mundo em que vive, conhecer os aspectos mais aterrorizantes de sua própria personalidade e encará-los de frente, para poder tornar-se uma pessoa melhor, mais completa.
Às vezes, a série é apresentada como o que Ursula K. Le Guin escreveu de melhor, até mesmo superando os clássicos da ficção científica, A Mão Esquerda da Escuridão e Os Despossuídos. Certamente, está no mesmo nível.
Os personagens são densos, bem construídos, a ação intensa, e os aspectos morais envolvendo o uso e conhecimento da magia surgem bem delineados. Aqui, o Mal é visto como parte das pessoas, parte do mundo e dos seres que o habitam, e cabe a eles entendê-lo e dominá-lo para tornarem-se mais completos.
A trilogia foi publicada em 1968 (O Feiticeiro de Terramar/ The Wizard of Earthsea), 1971 (Os Túmulos de Atuan/ The Tombs of Atuan) e 1972 (O Outro Lado do Mundo/ The Farthest Shore), mas o mundo de Terramar já havia começado a ser delineado em 1964, com a publicação do conto The Word of Unbinding, na revista Fantastic Stories of Imagination. Ainda em 1964, na mesma revista, ela publicou The Rule of Names, dando continuidade à concepção do mundo de Terramar.
No livro The Ultimate Encyclopedia of Fantasy, editado por David Prigle, é explicado que alguns aspectos dos livros desagradaram a autora ao longo dos anos, o principal deles o fato de que na trilogia todos os feiticeiros são homens, e as mulheres só podem ser bruxas. Essas questões foram resolvidas posteriormente com a publicação de novos livros.
Em 1990, Le Guin lançou Tehanu: The Last Book of Earthsea, que apesar do título não é o último da série. Além de ter conquistado os prêmios Nebula e Locus, a história é narrada do ponto de vista de uma mulher, Tenar, personagem que surge no segundo livro da trilogia, e deixa claro que a magia das mulheres é tão poderosa quanto a dos homens. Um quinto livro, The Other Wind, foi publicado em 2001.
Também em 2001 foi publicada uma coletânea, Tales from Earthsea, reunindo histórias e ensaios referentes a Terramar, e nessas histórias Le Guin também dá mais força às mulheres na sociedade de Terramar.


NA TV
Em 2004, o Sci-Fi Channel (hoje rebatizado SyFy) apresentou uma adaptação das histórias de Ursula K. Le Guin, com o título O Poder das Trevas (Legend of Earthsea, posteriormente abreviado para Earthsea), uma minissérie com 172 minutos. Sem contar o infeliz título em português, que ignora o título original do livro, a adaptação deixou Ursula K. Le Guin muito, mas muuuito brava, além de irritar alguns críticos, como o já citado David Pringle.
Le Guin não participou da produção e sequer foi consultada a respeito, e a história transformou-se em algo bastante diferente, fazendo com que a autora se manifestasse em pelo menos dois artigos. Num, com o título “The Whitewashed Earthsea”, ela lembra que o personagem central – assim como outros dos livros – não são brancos, como os caucasianos escolhidos para os papéis na produção televisiva. Não é uma questão pequena para a autora, que lembra que muitos personagens de seus livros de fantasia e ficção científica, não são brancos. “Eles são misturados; eles são arco-íris”, ela escreveu, explicando que sua ideia de misturar as raças foi consciente e deliberada desde o início. “Eu não vejo porque todo mundo na ficção científica tem de ser um branco [honky, no texto original, gíria dos negros para pessoas brancas] chamado Bob, Joe ou Bill”. O outro texto também tem um título sugestivo, “Frankenstein’s Earthsea”, no qual ela continua a elaborar suas discordâncias com relação à série.