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PODERES PSÍQUICOS NA FC

ESPECIAIS/VE FC E PODERES PSÍQUICOS

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data26/02/2019
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(FreeImages.com/ Matthew Bowden)

 

Reuni na classificação genérica “poderes psíquicos” – e, talvez, uma classificação não exatamente apropriada – uma série de capacidades que alguns personagens das histórias de ficção científica apresentam, como a telepatia, a precognição, a telecinese, a teleportação e outras semelhantes.
São bastante comuns no gênero, em particular nas histórias de super-heróis, que resolvi excluir da edição; seria necessário um livro para falar dos super-heróis dos quadrinhos e do cinema. Mas na literatura, cinema e TV de FC, esses poderes surgem com bastante frequência, seja em seres humanos, em alienígenas e até mesmo em robôs. E aparecem com as mais variadas designações, às vezes como artifícios baratos em histórias ruins, outras vezes como ingredientes importantes em histórias excelentes, como é o caso, por exemplo de O Homem Demolido (The Demolished Man, 1953), de Alfred Bester, em que a telepatia é um ponto central da história. O próprio Bester utilizou outro poder, o de teleportação, no igualmente excelente livro Tigre! Tigre! (Tiger! Tiger!, 1956).

                                                                                                       J.B. Rhine durante um de seus experimentos.

O escritor Larry Niven, discorreu sobre o tema no livro The Visual Encyclopedia of Science Fiction – no verbete “Telepathy, Psionics and ESP” (Telepatia Psiônica e PES); “psiônica” foi um termo mais utilizado nos anos 1950 e 1960; PES (ou ESP) é a abreviação de percepção extrassensorial (extrasensory perception), termo utilizado pelo psicólogo J.B. Rhine, da Duke University, em suas pesquisas parapsicológicas iniciadas na Universidade nos anos 1930.
Niven disse que escreveu muitas histórias sobre pessoas que tinham tais capacidades, ou poderes, e o fez acreditando que essas capacidades não existiam no mundo real. Mas que, agora, estavam dizendo a ele que as pessoas que estudam os poderes psíquicos há muito tinham ultrapassado o ponto de quere saber se essas coisas existiam. “Agora”, ele escreveu, “eles se concentram em técnicas para eliminar as fraudes. Os fraudulentos se intrometem nas investigações reais”.
Para ele, esses poderes e suas capacidades são muito atraentes para os escritores, mas podem facilmente se tornar histórias estúpidas ou tediosas. “Um escritor ruim pode fazer qualquer coisa parecer maçante”, escreveu Larry Niven. “Duzentos escritores competentes podem rapidamente levar à morte até mesmo um bom tema. Já aconteceu com os poderes psíquicos na época em que eu comecei a escrever, cerca de 12 anos atrás. Alguém pode culpar John Campbell e a Analog, mas também existiam histórias psi aparecendo em todo lugar”.

(Capa: Edward Valigursky).

A referência a John W. Campbell Jr., um dos editores mais significativos dos primórdios da ficção científica do século 20, não surge por acaso. Ele foi o responsável pela revista Astounding Science Fiction a partir de 1937. Em The Science Fiction Encyclopedia, Peter Nicholls diz que uma das primeiras vezes que o termo “poderes psi” surgiu foi em 1955, no conto de Murray Leinster, The Psionic Moustrap, publicado na revista Amazing Stories. No entanto, segundo Nicholls, o termo tornou-se popular após “(... ) um dos artigos mais excêntricos de John W. Campbell Jr. na ASF, ‘Psionic Machine – Type One’, em junho de 1956, no qual Campbell explicou como construir uma máquina de Hieronymus, que aparentemente deriva seu poder da mente de seu operador (desde então, nenhum cientista foi capaz de fazê-la funcionar). Psiônica, explica Campbell, significa eletrônica psíquica”.
Por outro lado, a criação do termo “psi” é geralmente atribuída ao fisiologista austríaco dr. Bertold Paul Wiesner (1901-1972) e ao psicólogo britânico dr. Robert Henry Thouless, ambos dedicados ao estudo e pesquisa da parapsicologia, antes mesmo que o conto de Leinster ou o artigo de Campbell fossem publicados.
E só para explicar: a máquina de Hieronymus foi o nome popular conferido à invenção do engenheiro elétrico Thomas Galen Hieronymus (1895-1988), em 1949, o “Analisador de Radiação”. Apesar da comunidade científica descartar a validade do aparelho, Campbell, que trocava correspondência com Hieronymus, entendeu que a invenção era válida e passou a escrever sobre isso.
Nicholls, assim como Brian Stableford e David Langford, dizem que o “boom psi” promovido por Campbell na revista foi inspirado pelas ideias de J.B. Rhine e de Charles Fort, basicamente entendendo que muitas pessoas com poderes psi já se encontram entre nós, e Campbell passou a encarar esse conceito como sendo o “passo seguinte” na evolução humana. Charles Fort, mais conhecido por seu O Livro dos Danados (The Book of the Damned, 1919), também foi o autor de Wild Talents (1932), no qual desenvolve teorias a respeito dos poderes psíquicos, entre elas a de que eles existem entre os seres humanos desde os tempos primevos. Ao contrário de J.B. Rhine, que realizou experiências controladas na Duke University, Fort reuniu uma série de eventos que supostamente envolveriam fenômenos paranormais para sustentar sua tese.

                                                                                                                                   (FreeImages.com/ Obe Arif).

Não é por acaso que, na citada The Visual Encyclopedia of Science Fiction, os autores tenham dito que nenhum tema no ambiente da ficção científica foi tão controverso quanto a percepção extrassensorial, ou “para usar um neologismo mais científico, psiônica – os poderes da mente”.
A controvérsia está relacionada, em parte, à forma pela qual cada autor, crítico e estudioso encara a ficção científica e seus temas. Na versão de 1979 de The Science Fiction Encyclopedia, o verbete “Psi Powers” (poderes psi) não apresenta os poderes mentais como pseudociência, o que ocorre na versão online atualizada, na qual a parapsicologia é vista como tal. É comum, por exemplo, encarar a parapsicologia como um ramo de estudo paralelo ou correlato ao que já foi chamado de “realismo fantástico”. Como dissemos acima, Charles Fort é citado como uma influência para o surgimento das histórias envolvendo poderes mentais, e Fort é um dos primeiros e maiores expoentes dessa linha de teorias – que, a bem da verdade, frequentemente seguem por linhas de extrapolação que beiram a alucinação. É o mesmo tipo de pesquisas e propostas levantadas, por exemplo, por Erich von Däniken a partir dos anos 1960.

(FreeImages.com/ Julia Freeman-Woolpert).

Mas a parapsicologia é algo completamente diferente. Acima, citei os estudos de J.B. Rhine, na Duke University, mas as pesquisas e teorias já vinham sendo realizadas desde o final do século 19, e por alguns dos mais importantes cientistas do planeta. E no século 20 essas pesquisas evoluíram de tal forma que, hoje, dezenas de universidades no mundo inteiro têm departamentos voltados para estudos ligados à parapsicologia, inclusive alguns financiados por governos ou departamentos governamentais, como foi o caso das pesquisas de “visão à distância” realizadas pelos físicos Russell Targ e Harold Puthoff, no Stanford Research Institute.
Pensando na ficção científica como um tipo de literatura basicamente especulativa, imaginar histórias em que entram como elementos básicos a telepatia, a precognição, a telecinese e outros fenômenos semelhantes, não é diferente de imaginar viagens no tempo, a existência de universos paralelos ou casas construídas em quatro dimensões, ainda que as características no desenvolvimento das histórias possam ser diferentes. Em um livro como A Incendiária (1980), de Stephen King, ou em um filme como Scanners (1981), de David Cronenberg, o que se vê são desenvolvimentos possíveis, dentro da especulação, para fenômenos conhecidos na parapsicologia. As histórias obviamente extrapolam os conceitos em que se basearam, pois essa é a ideia.

Os poderes psíquicos ainda são bastante utilizados na ficção científica – para não falar no terror e na fantasia, este último o gênero em que, provavelmente, as capacidades mentais surgem com maior frequência.
As enciclopédias de ficção científica geralmente falam sobre as histórias envolvendo esse tema separando os “poderes”, mas nos textos a seguir elas serão apresentadas misturadas; em outras palavras, aqui não interessa se o poder é a telepatia ou a teleportação: são todos poderes psíquicos.