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SOB A REDOMA

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autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data22/10/2012
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Publicado no Brasil novo e sensacional livro de Stephen King.

O isolamento dos personagens geralmente é uma das formas de se compor uma história com elementos de terror e suspense. Podem ser personagens presos em uma nave espacial em companhia de um alienígena violentíssimo; ou em um laboratório de pesquisas científicas repleto de criaturas malévolas que se libertaram de suas prisões. E muitas outras opções; quem prestar atenção às histórias do gênero vai encontrar centenas de variantes.
Parte, mas não todo, do charme e interesse que a história vai gerar pode estar na escolha da forma de isolamento, como é o caso de Sob a Redoma, livro de Stephen King que está sendo publicado no Brasil pela Suma de Letras. Aqui, uma cidade inteira, ainda que pequena, é isolada do mundo quando uma espécie de campo de força surge repentinamente, impedindo que as pessoas entrem ou saiam. Também impede que o ar e a água penetrem completamente na cidade, mas isso é um detalhe que apenas pode, digamos, causar a morte de milhares de pessoas.
Fazer com que uma história com esses ingredientes básicos se torne interessantíssima e manter um ritmo narrativo alucinante por quase mil páginas... bem, aí já é uma tarefa para Stephen King.
O escritor disse que tinha esboçado a história em 1976, mas que desistiu porque estava com medo do volume de pesquisa necessário. Como ele escreveu nas notas ao final do livro, “... fugi com o rabo entre as pernas depois de duas semanas de trabalho”.
Ainda bem que, apesar de ter perdido o manuscrito há muito, ele não só se lembrava do primeiro capítulo o bastante para recriá-lo, como resolveu finalmente escrever o livro. É mais um dos (muitos) grandes momentos do autor.
O isolamento da pequena Chester’s Mill é uma oportunidade de trabalhar com um microuniverso que não apenas reproduz alguns problemas básicos da sociedade humana, mas os amplia, fazendo com que a comunidade enfrente uma crise que tem como ponto central uma tentativa de tomada de poder por parte de um vereador local.
Pode ser que algumas das situações apresentadas tenham relação com a atual situação política dos EUA, em particular com a prática do uso da desinformação a serviço do poder, como os grupos republicanos radicais – leia-se Tea Party – são acusados atualmente. No pensamento e fala do vereador não faltam referências ao “bandido” que está na Casa Branca, e suas ações são no sentido de semear a divisão da sociedade e a paranoia, criando uma situação ideal na qual ele pode surgir como o “salvador”. Também estabelece fortes relações com o fanatismo religioso dos EUA, com tudo o que ele pode ter de falso, corrupto e vil.
Stephen King compõe a identidade do mal, o vereador, examinando sua loucura, suas atitudes extremistas, apresentando suas motivações e incoerências, a forma pela qual ele justifica seus atos hediondos e passa a acreditar nessas justificativas, ligando-os à sua postura religiosa. E o autor elabora essa composição de tal forma que o leitor passa a acreditar que não há escapatória para a situação, uma vez que não há possibilidade de diálogo. O mal está instalado e vai fazer suas vítimas, aconteça o que acontecer.
Em determinado momento, um personagem cita o livro O Senhor das Moscas, de William Golding, no qual um grupo de jovens fica isolado numa ilha e procura estabelecer seu próprio governo, com resultados terríveis. Essa citação no livro de King tanto pode ser casual quanto uma indicação de que uma das inspirações do autor foi o livro de Golding ou, pelo menos, a ideia de utilizar o isolamento como forma de estudar a natureza humana. Como no livro de Golding, as opções antagônicas que se apresentam são a de manter a paz e tranquilidade, com um mínimo de ordem, e tentar resolver a questão, ou simplesmente aproveitar o momento para impor-se à força.
E, além disso tudo, tem a redoma, é claro. É uma tecnologia desconhecida, que nem mesmo as Forças Armadas e os cientistas dos EUA conseguem penetrar ou ter qualquer ideia do que se trata. Dessa forma, os próprios moradores – aqueles que não foram cooptados pelo mal – terão que descobrir o que está causando o problema, e tentar resolvê-lo. E a resposta, quando a encontram, não é nada agradável para os seres humanos.

Sob a Redoma (Under the Dome, 2009)
Stephen King
Suma de Letras
954 páginas