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A FRONTEIRA FINAL

ESPECIAIS/VE COLONIZAÇÃO ESPACIAL

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data17/05/2019
fonte
VE COLONIZAÇÃO ESPACIAL; A Fronteira Final
(Desilu Productions/ Norway Corporation/ Paramount Television).

A primeira frase do texto de abertura do seriado Jornada nas Estrelas – “Espaço, a fronteira final” – é uma boa indicação do que as viagens espaciais e, por consequência, a descoberta e colonização de novos mundos, significa para a ficção científica.
É muito comum que o conceito de exploração e descoberta apresentado nas histórias de ficção científica seja associado a uma necessidade humana básica que surge ao longo de toda nossa história. O escritor Jack Williamson disse (em The Visual Encyclopedia of Science Fiction), que todos nós desejamos ver o que está além da colina; e, para ele, a descoberta, exploração e colonização de novos mundos é um dos temas mais atraentes do gênero.
E o tema é atraente tanto pelo aspecto maravilhoso de se encontrar novos e diferentes mundos, às vezes com suas populações alienígenas, quanto pelo aspecto de que ele propicia uma reflexão e posicionamento crítico (ou não) a respeito da história das explorações e descobertas realizadas em nosso planeta, ao longo de nossa geralmente cruel história de colonizações.
Brian Stableford (em The Science Fiction Encyclopedia) ressalta que a colonização de outros mundos é um dos poucos temas que foi desenvolvido unicamente por escritores de ficção científica. Mas o conceito de “viagens fantásticas” – que naturalmente está vinculado e antecede o conceito de colonização de outros mundos –, é bem mais antigo; o escritor Brian W. Aldiss citou A Epopeia de Gilgamés como o primeiro exemplo de literatura da humanidade, lidando basicamente com o tema da viagem fantástica. O mesmo se aplica à Odisseia, de Homero, e tantos outros exemplos posteriores.
Adam Roberts (em A Verdadeira História da Ficção Científica) escreveu: “Sustento que as raízes do que hoje chamamos de ficção científica são encontradas nas viagens fantásticas da novela grega antiga; e uso a expressão de Júlio Verne, voyages extraordinaires [viagens extraordinárias], que considero a forma mais flexível e útil de descrever esse tipo de texto. Narrativas de viagens e aventuras, não raro com interlúdios fantásticos (isto é, impossíveis ou imaginários), estavam entre as manifestações mais populares da cultura antiga”. Para Roberts, as “(...) histórias de jornadas pelo espaço constituem a alma do gênero, embora muitos críticos possam discordar. Viagens através do espaço ou, às vezes, rumo ao mundo subterrâneo, para maravilhas da Terra oca (distintas das viagens normais, mais convencionais, sobre a superfície do globo), são o tronco, por assim dizer, do qual se ramificam as várias outras modalidades de FC”. Roberts certamente não está sozinho em sua proposta, mas Brian Aldiss amplia o alcance histórico desse antecedente ao recuar para a época da Suméria.

No entanto, todas as histórias mais antigas a respeito de viagens extraordinárias, mesmo as que citavam viagens à Lua, não lidavam com a questão da colonização a partir da Terra.
O conceito de colonização espacial geralmente é atribuído a Konstantin Tsiolkovski, um pioneiro na pesquisa referente à construção de foguetes espaciais, que imaginava uma série de satélites que formariam uma espécie de colônia orbital da Terra.
Stableford ressalta o fato de que nem mesmo H.G. Wells imaginou os terrestres colonizando outros planetas, ainda que tenha aplicado o conceito de forma reversa ao narrar a invasão da Terra pelos marcianos em A Guerra dos Mundos (War of the Worlds, 1898), fazendo uma analogia com a história de colonização britânica. “O único escritor”, diz Stableford, referindo-se aos primórdios da FC, “que realmente aplicou a analogia da conquista humana do espaço foi Robert William Cole, em The Struggle for Empire (1900)”. O livro tem o subtítulo A Story of the Year 2236 (Uma história do ano 2236), e imagina que não apenas o Império Britânico, mas a raça anglo-saxã, já “absorveu” toda a Terra, e começa a conquistar outros sistemas solares utilizando os mesmos métodos que utilizou para a conquista e colonização da África e Ásia.

                                                                                                                                                                             (Capa: Alan Craddock/ Penguin Books).

Mais conhecido – e reconhecido – foi o livro de Olaf Stapledon, Last and First Men (1930. Ver também na matéria Primeiros Poderes), que abrange a história do futuro da Terra e da humanidade. Stableford fez uma pequena ressalva com relação à colonização proposta por Stapledon, no sentido de que ela só ocorre quando a Terra se torna inabitável, enquanto as histórias mais recentes propõem a exploração e colonização espacial como uma atitude política expansionista de Estado. Stableford ainda entendeu que o fato de o tema ser pouco utilizado pode estar relacionado a um sentido de vergonha com relação aos métodos utilizados na colonização em nosso planeta, de tal forma que a política da colonização sempre tem sido um assunto central nas histórias de FC, até mesmo nas histórias publicadas nas revistas pulp, nas quais a conquista do espaço era a mitologia central.

(Capa: Frank R. Paul).                                                                               (Capa: Hubert Rogers).

Stableford e David Langford lembram algumas das primeiras histórias que apresentavam “alegorias admonitórias”, entre elas A Conquest of Two Worlds, de Edmond Hamilton, publicada originalmente na revista Wonder Stories, em 1932; e o conto de Robert A. Heinlein, Logic of Empire, publicado na revista Astounding Science Fiction, em 1941. O conto de Heinlein (que, nos EUA, é considerado uma “novella”; maior do que um conto, menor do que um romance, entre 17.500 e 40.000 palavras) faz parte da “história do futuro” elaborada pelo autor, e foi publicada no livro As Negras Crateras da Lua (The Green Hills of Earth, 1951). No entanto, segundo os pesquisadores, foi apenas nos anos 1950 que surgiram histórias polêmicas como Now Let Us Sleep, de Avram Davidson (publicada originalmente na revista Venture, 1957), que lida com a questão do genocídio em um mundo colonizado por humanos; ou como Invasores Terrestres (Invaders From Earth, 1958), de Robert Silverberg. E ainda, consideram que foi apenas nos anos 1970 que histórias morais maduras e efetivas se tornaram comuns, como foram com os livros Downward to the Earth (1970), também de Robert Silverberg, e com Floresta é o Nome do Mundo (The Word for World Is Forest, 1972. Ler mais sobre o livro na matéria E Mais Colonizações), de Ursula K. Le Guin. “Essas histórias de genocídio, escravidão e exploração”, dizem os críticos, “são as mais duras críticas ao comportamento humano encontradas na ficção científica dos Estados Unidos; frequentemente elas incorporam um forte sentimento de culpa com relação ao destino dos habitantes da América do Norte pré-colombiana”.

Stableford e Langford entendem que as histórias de colonização espacial podem ser facilmente diferenciadas em duas classes fundamentais: as “românticas” e as “realistas”. Nas primeiras, os mundos alienígenas são vistos como locais pouco diferentes da Terra, ainda que exóticos, com terrestres e alienígenas coexistindo. “A política da exploração”, dizem, “não é o ponto focal da história, mas pode servir para fazer o enredo funcionar na medida em que o herói ou heroína, alienado de sua própria espécie, defende os nativos ameaçados contra os horrores do mercantilismo vulgar”. Os pesquisadores entendem que as escritoras têm sido particularmente prolíficas nesse tipo de histórias, citando as obras de Leigh Brackett, Marion Zimmer Bradley, com a série Darkover (ver na matéria Poderes Construídos), e Anne McCaffrey, com a série de histórias situadas em Pern.

(Capa: Chesley Bonestell).

Às vezes, as histórias da chamada classe “romântica” podem enfatizar um processo quase místico de adaptação ao meio ambiente alienígena, como se fosse uma recriação do mito terrestre do Éden. Stableford cita como exemplo o livro Outpost Mars (1952), de Cyril Judd, pseudônimo adotado por Cyril M. Kornbluth e Judith Merril em sua colaborações. A história foi publicada originalmente em três partes na revista Galaxy Science Fiction, em 1951, com o título Mars Child. Mas o arquétipo desse tipo de história é apontado como sendo o conto O Piquenique de Um Milhão de Anos (The Million Year Picnic, 1946), de Ray Bradbury, publicado originalmente na revista Planet Stories, e depois no clássico As Crônicas Marcianas (The Martian Chronicles, 1950. Ler mais na matéria Os Vizinhos).

 

(Capa: Earle Bergey).

Segundo Stableford, nas histórias da classe citada como “realista” os autores concentram-se em sangue, suor e lágrimas, mais do que nos aspectos glamorosos e exóticos, tendo se desenvolvido principalmente após a Segunda Guerra Mundial com histórias publicadas em revistas não especializadas em ficção científica e em romances juvenis, como os escritos por Robert A. Heinlein – entre eles, O Planeta Vermelho (Red Planet, 1949), Farmer in the Sky (1950. Publicado originalmente em quatro partes, em 1950, na revista Boys’ Life, com o título Satellite Scout), e muitas histórias de As Negras Crateras da Lua (The Green Hills of Earth, 1951). Stableford também cita algumas histórias de Arthur C. Clarke nessa linha, entre elas os seis contos da série conhecida como Aventura Lunar (Venture to the Moon), publicados no jornal britânico Evening Standard, em 1956, e reproduzidos no livro O Outro Lado do Céu (The Other Side of the Sky, 1958); e os livros Areias de Marte (Sands of Mars, 1951) e Luz da Terra (Earthlight, 1955), publicado originalmente como conto na revista Thrilling Wonder Stories, em 1951.

Enfim, são muitos os tipos de abordagens para as histórias envolvendo colonização espacial. As mais antigas sofreram um pouco com o passar do tempo, à medida que a verdadeira conquista do espaço, em particular as missões da NASA, mostraram uma realidade bem diferente do que a imaginada pelos autores de ficção científica. Da mesma forma, os conceitos de colonização de nosso sistema solar foram sendo alterados à medida que as descobertas científicas foram realizadas. Até mesmo a ideia de construir uma estação orbital ainda está engatinhando, se considerarmos as visões que os autores tinham a esse respeito.
Nas matérias seguintes, vamos abordar vários aspectos e diferentes abordagens apresentadas nas histórias envolvendo colonização espacial, desde as ideias de colonizar o sistema solar, até as propostas de tentarmos estabelecer os humanos em sistemas solares distantes.