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O ELIXIR DA VIDA

ESPECIAIS/VE ESTADOS ALTERADOS

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data28/03/2020
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As lendas sobre o elixir da vida e sobre a existência de uma fonte da juventude certamente estão entre as histórias mais antigas abordando o tema das drogas.

O Alquimista em Busca da Pedra Filosofal (Joseph Wright of Derby

A utilização das drogas nas histórias fantásticas – seja como elementos centrais, essenciais ao desenvolvimento do enredo, seja como acessórios à trama principal – reflete uma relação antiga entre os seres humanos e os mais variados tipos de drogas.
É comum associar-se as religiões xamânicas primitivas à utilização de drogas, e o etnobotânico Terence McKenna chegou a desenvolver a teoria de que a descoberta dos cogumelos com o princípio ativo da psilocibina foi responsável por um salto evolutivo da humanidade, em particular no campo da arte, por volta de 40 mil anos atrás. Fábulas ancestrais também falam do “elixir da vida”, ou mais apropriadamente o “elixir da longa vida”, capaz de garantir a imortalidade, com juventude eterna, a quem a tomar.

Relevo com possível representação de Gilgamés, em palácio assírio de Dur-Sharrukin (atual Khorsabad), atualmente no Museu do Louvre (Foto de Jastrow/ Wikimedia).

O jornalista Brian Merchant, em matéria para o site Vice.com, cita o épico A Epopeia de Gilgamés como uma das primeiras histórias a abordar o tema das drogas. No caso, trata-se da busca pela vida eterna, pela imortalidade, que faz parte da segunda metade da obra. Merchant cita a história como o mais antigo trabalho de ficção conhecido, e ele não está sozinho nisso. O escritor Brian Aldiss já havia falado sobre A Epopeia de Gilgamés, apresentando a obra como a fonte original de toda a literatura fantástica. A referência a um elixir da vida eterna surge na Tábua 11, quando o personagem Utnapishtim – a versão original de Noé – diz a Gilgamés que existe uma planta no fundo do oceano que pode lhe dar a imortalidade e juventude eterna. Gilgamés obtém a planta, mas ela é roubada por uma serpente.

O Alquimista em Busca da Pedra Filosofal (Joseph Wright of Derby, 1771).

A procura pela vida eterna, ou juventude eterna, na forma de um elixir – em última análise, uma droga – aparece em praticamente todas as civilizações do planeta, em épocas variadas, das antigas China e Índia (onde o “elixir” era conhecido como amrita) aos alquimistas europeus da Idade Média, quando ele passa a ser conhecido como pedra filosofal – que também seria capaz de transmutar metais em ouro – passando pelos antigos gregos e sua ambrosia, o alimento dos deuses, capaz de conferir imortalidade. Na literatura grega antiga, a ambrosia surge na Ilíada, na Odisseia e em vários narrativas da mitologia.
Na literatura de fantasia, os elixires geralmente assumem o nome de “poções” e são utilizados em tantas ocasiões que se torna quase impossível citar todas. Chris Bell e David Langford, em The Encyclopedia of Fantasy, dizem que “No gênero fantasia, poções geralmente não são apenas remédios ou venenos, mas feitiço em forma líquida, preparada por uma bruxa ou um mago: entende-se que uma poção de cura age não medicinalmente, mas por meio de magia”.
Na mesma enciclopédia, no verbete referente ao “elixir da vida”, Brian Stableford diz que “(...) o termo foi ampliado para abranger qualquer bebida que estenda a vida ou prolongue a juventude”. Segundo ele, a busca por esse objetivo é frequentemente frustrada, como ocorre em A Strange Story (1861), de Edward Bulwer-Lytton, obra que, segundo Adam Roberts, “(...) racionaliza o espiritualismo e a sobrevivência póstuma da alma em termos pseudocientíficos”.

                                                                                                                                       Capa de Carl W. Bertsch (E.P. Dutton, 1931).

Essa também é a busca do personagem central de Monk’s Magic (1931), de Alexander De Comeau, escritor inglês quase desconhecido, não fosse por esse livro. Segundo explica John Clute, é uma história de busca que “(...) flutua interessantemente entre a fantasia e a ficção sobrenatural. Ordenado a vagar pelo mundo à procura do elixir da vida, o monge protagonista viaja através de uma Europa medieval semelhante a uma terra de fábula em companhia de uma jovem, que ele pensa que é um garoto, e pela qual ele culpadamente se apaixona – e no caminho encontra fantasmas, magia, bruxas e visita a terra dos mortos”.
 

Segundo Stableford, nas histórias, mesmo quando a busca é bem sucedida, raramente o resultado satisfaz as expectativas otimistas daqueles que buscam a vida eterna.
Antes mesmo dessas experiências, o escritor e filósofo britânico William Godwin, pai de Mary Shelley, publicou St. Leon: A Tale of the Sixteenth Century (1799), uma história com muitas idas e vindas, narrando a vida de um aristocrata francês nos anos 1500 que, após perder sua fortuna e sua saúde com uma vida desregrada de jogatina e mulheres fáceis, recebe de um moribundo o segredo de um elixir da vida e da saúde, além da arte de multiplicar ouro.

(Dragonfly Editorial).

Mary Shelley escreveria um conto nessa linha, O Mortal Imortal (The Mortal Immortal, 1833), narrado pelo protagonista, Winzy, no momento em que completa 323 anos, lembrando os eventos que o tornaram imortal, quando trabalhou com o alquimista Cornelius Agrippa, que trabalhava num elixir para prolongar a vida. Winzy bebe a poção, mas apenas muitos anos depois ele percebe que o elixir mantém sua aparência e o impede de morrer, mas seu corpo continua envelhecendo e sentindo os efeitos dos anos.
Em 1837, Nathaniel Hawthorne publicou o conto O Experimento do Dr. Heidegger (Dr. Heidegger’s Experiment), apresentando o doutor do título, que afirma ter certa quantidade de água vinda diretamente na Fonte da Juventude, que estaria próxima a um lago na Flórida. Heidegger convida quatro velhos amigos para falar a eles sobre a descoberta, fazendo uma pequena experiência com uma rosa murcha que ele diz ter 55 anos de idade; ao pingar uma gota do líquido, a rosa volta a florescer. Os quatro amigos tomam o líquido, voltando a agir como crianças, mas descobrem que o efeito não dura muito, de modo que resolvem partir para a Flórida em busca da Fonte da Juventude.
Hawthorne ainda começaria a escrever um livro sobre o tema do elixir da vida, em Septimius Felton: or, the Elixir of Life. Com a morte de Hawthorne em 1864, o romance ficou inacabado e só foi descoberto mais tarde por sua esposa, sendo publicado, segundo algumas fontes, em 1871, segundo outras, em 1872.
 

Capa de John R. Neill para a primeira edição (Hungry Tiger Press, 2008).

L. Frank Baum, mais conhecido pela criação da série de livros com histórias situadas no mundo de Oz, também escreveu John Dough and the Cherub (1906), inicialmente publicado em capítulos no Washington Sunday Star, história na qual o elixir da vida tem papel importante. Um casal de imigrantes franceses nos Estados Unidos tem um cliente em sua padaria chamado Ali Dubh, o Árabe, que um dia procura os dois pedindo ajuda, uma vez que está sendo perseguido por três pessoas do seu país, uma vez que ele tem em sua posse o Grande Elixir, a essência da vitalidade, a “água da vida”. Apenas uma gota do líquido dá à pessoa saúde, força e longevidade.

                                                             Capa de Dom Lupo (Scholastic Book Services, 1967).

O sujeito pede que a mulher guarde o elixir para ele e a convence ao lhe fornecer igualmente um frasco com um líquido para curar seu reumatismo. O problema é que a mulher é daltônica e confunde os frascos. O resultado é que o marido acaba usando o elixir para cozinhar um pão de gengibre em forma de homem, que acaba ganhando vida: o John Dough do título, que era um nome pelo qual os pães de gengibre em forma humana eram chamados nos Estados Unidos do início do século 20.
O personagem também surgiu no livro The Road to Oz (1909), talvez indicando que o escritor pretendia unir as duas histórias. No mundo de Oz imaginado por L. Frank Baum, também existe um Pó da Vida, uma substância mágica capaz de dar vida a objetos inanimados, e que surgiu dois anos antes de John Dough, em A Maravilhosa Terra de Oz (The Marvelous Land of Oz, 1904).
No início de sua carreira, em 1908, o escritor H.P. Lovecraft também fez referência ao elixir da vida, em O Alquimista (The Alchemist. No Brasil, na coletânea A Tumba e Outras Histórias), conto que só foi publicado em 1916. A história, narrada por um descendente do Conde Antoine de C, fala de uma maldição lançada sobre sua família pelo filho de um feiticeiro cujo pai foi morto por um ancestral do narrador. Segundo a maldição, todos os descendentes da família devem morrer ao atingir os 32 anos, o que realmente ocorre.
Quando chega a vez do narrador, ele descobre que o próprio filho do feiticeiro é quem matava seus ancestrais, uma vez que conseguiu fabricar o elixir da vida e atravessar os anos, cumprindo pessoalmente a maldição.

 

                                                A Fonte da Juventude (Lucas Cranach, o Velho, 1546).

As histórias a respeito da existência de uma fonte da juventude, cujas águas proporcionariam a quem as bebesse a juventude e a vida eterna, provavelmente antecedem as histórias sobre o elixir da vida. Existem relatos fantásticos que vão desde o historiador grego Heródoto, no século 5 a.C., até a busca de Ponce De Léon, explorador e conquistador espanhol do século 16. E a localização da suposta fonte também varia, da África ao continente americano. A lenda originou algumas histórias, muitas delas no cinema e na televisão. Até o Pato Donald encontrou uma fonte da juventude.

A Donzela e o Santo Graal (Dante Gabriel Rossetti, 1874).

Outra forma encontrada para proporcionar juventude e vida eternas surgiu na figura do Cálice Sagrado, ou Santo Graal, introduzido na Europa na literatura arturiana a partir do século 13. É mais persistente do que a lenda da fonte da juventude uma vez que foi relacionada à vida de Cristo, sendo apresentada em obras até os dias atuais. Um exemplo, com modificações, é o livro (e filme) O Código Da Vinci (The Da Vinci Code, 2003), de Dan Brown, no qual o Santo Graal é associado ao “sangue real”, ou seja, a descendência de Cristo. Outro exemplo, que apresenta o cálice como capaz de conceder vida eterna é Indiana Jones e a Última Cruzada (Indiana Jones and the Last Crusade, 1989), de Steven Spielberg, o terceiro na série com o personagem Indiana Jones (Harrison Ford) que, junto com seu pai (Sean Connery), parte em busca do Cálice Sagrado, um objeto que, mais uma vez, também é desejado pelos nazistas. Eles não apenas o encontram, como também encontram o cruzado que guardava o local por séculos.
Claro que, nos dois casos, a obtenção da vida e juventude eternas não pode ser atribuída às drogas; a fonte da juventude parece surgir das entranhas do planeta, sabe-se lá por qual razão mágica; o cálice parece transformar o líquido em seu interior, também por alguma ação mágica, ou milagrosa, se preferirem. Seja como for, ligam-se às lendas sobre o elixir da vida no que diz respeito à procura pela vida eterna, uma busca consistente na história da humanidade.