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ALGUMAS MUDANÇAS

ESPECIAIS/SEXO E SEXUALIDADE NA FC

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data17/09/2019
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A época das revistas pulp também foi marcada por obras que fugiram da apresentação simplista do sexo.

(Robert Abbett).

Ao final da matéria anterior, falamos que as histórias de ficção científica começaram a passar por algumas modificações já na “era das revistas pulp”. Mas também é bom lembrar que, nesse período, alguns autores não diretamente ligados ao gênero apresentaram histórias com abordagens diferentes com relação ao sexo.
É o caso dos clássicos Nós (My,1920-21), de Yevguêny Zamiátin, Admirável Mundo Novo (Brave New World, 1932. Ver mais em Os Clássicos, no especial Utopias e Distopias), de Aldous Huxley, e 1984 (Nineteen Eighty-Four, 1949. Ver mais em Os Clássicos), de George Orwell; e também de Proud Man (1934), de Katherine Burdekin. Os três primeiros estão entre as mais conhecidas distopias da literatura.
No caso de Nós, trata-se apenas de mais uma referência dentro da história à forma pela qual o estado opressor domina e controla a vida de todas as pessoas, ou, no caso do livro, dos “números”, uma vez que a individualidade não é bem recebida. Seja como for, os “números” só têm permissão para privacidade por um período de duas horas, quando podem fechar as cortinas de seus quartos de vidro e fazer sexo, desde que tenham os cupons que permitam a relação sexual com determinado “número”.

(Capa: Charles Binger/ Bantam Books, 1953).

Em Admirável Mundo Novo, as pessoas são desenvolvidas em incubadoras, uma vez que a ideia de bebês sendo gerados e nascidos do útero de mulheres é considerada repugnante. E, durante sua gestação, são condicionados a seguirem uma série de conceitos e posturas, uma delas sendo a da promiscuidade sexual. Igualmente, o amor foi eliminado da sociedade, assim como o romance e a vida familiar, todas atividades consideradas negativas, improdutivas e capazes de produzir algum tipo de desestabilização da sociedade.

                                                                                                           (Capa: Alan Harmon/ Signet - New American Library).

Já o livro de George Orwell, 1984, apresenta um modelo mais próximo ao de Zamiátin, com um estado opressivo regulamentando absolutamente tudo. O personagem central Winston Smith, mantém um caso ilegal com uma colega, Júlia; ilegal porque o sexo é considerado um ato criminoso segundo o Estado, permitido apenas para fins de reprodução. Como explica Adam Roberts, “Esse caso dá a Smith a esperança de que, embora o Grande Irmão seja poderoso demais para que haja oposição a ele em escala social, as pessoas continuem tendo a possibilidade de serem livres em segredo, como nos contatos puramente pessoais”. Só que o caso é descoberto, os dois são presos pela Polícia do Pensamento e, após serem torturados, são totalmente subjugados.

(Capa: Alice Neel/ The Feminist Press).

O livro mais conhecido de Katharine Burdekin, Noite da Suástica (Swastika Night, 1937) foi publicado em português (Editorial Caminho, Portugal), mas Proud Man é inédito no Brasil. O livro foi publicado com o pseudônimo de Murray Constantine e narra a visita de um viajante do tempo hermafrodita à Grã-Bretanha do século 20. “Isso dá a Burdekin”, explica Adam Roberts, “bastante margem para uma crítica, às vezes conduzida de forma pesada, sobre as tolices da vida contemporânea. O narrador tende a se referir a nós como ‘sub-humanos’, devido ao modo como permitimos que os preconceitos racial e de gênero arruínem nossa existência”.
Burdekin já havia abordado a questão de igualdade dos sexos em The Rebel Passion (1929), com um personagem do século 12 que, por meio de uma visão, é transportado para a Grã-Bretanha do século 21, em uma sociedade em que as mulheres conquistaram a igualdade, mas que também pratica a esterilização eugênica de todos os que forem considerados “inadequados”.
Noite da Suástica, publicado antes do início da Segunda Guerra Mundial, foi chamado por John Clute de “a primeira história ‘Hitler vence’ de algum significado”. Portanto, hoje em dia é visto como um livro sobre um mundo alternativo, com história situada na Europa 700 anos no futuro, com o nazismo absolutamente dominante, apresentando uma série de diálogos entre um Cavaleiro Germânico, descendente de Rudolf Hess, e um inglês que visita a Alemanha para conhecer os “lugares sagrados” do Hitlerismo, a religião dominante. O descendente de Hess dá ao visitante um documento antigo precioso, uma vez que praticamente todos os livros foram queimados, que fornece uma visão diferente de Hitler, visto pela religião como uma espécie de deus loiro gigante.
Nesse mundo futuro alternativo, as mulheres são vistas como seres inferiores, animais não conscientes, sendo utilizadas apenas para reprodução, enquanto as relações mais íntimas dos homens são homossexuais. Adam Roberts diz que o livro “(...) resiste à tentação de compor suas personagens femininas como oprimidas, mas sim como bravas heroínas; a implacável miséria de seu ambiente criou um gênero tão tímido e ignorante quanto os animais aos quais a ideologia dominante as compara; e, embora nem todos os personagens masculinos de Burdekin sejam igualmente vis, nenhum deles deixa de ser tocado pela maligna força modeladora do mundo em que foram criados”.
John Clute disse que “Os argumentos feministas no texto são convincentes e apresentados de modo vívido, e a condição das mulheres na Alemanha nazista é feita moderadamente plausível através do argumento de que sua degradação não se deve a Hitler, mas aos seus fanáticos descendentes, que têm o que pode ser descrito como um ponto de vista Paulino sobre o sexo feminino (os desprezados cristãos da Europa justificam sua similar brutalização das mulheres por meio de fragmentos das escrituras do apóstolo Paulo)”. Clute disse que “(...) o pesadelo de Burdekin, de 1937, é hoje reconhecido não apenas como uma fantasia central da cultura do período entreguerras que, em poucos anos iria criar a Segunda Guerra Mundial, mas como um significativo trabalho de literatura”. John Clute ainda lembra a publicação póstuma de sua utopia feminista, The End of This Day’s Business (1990), com o pseudônimo Murray Constantine, que ajudou a dissolver a obscuridade em que a obra de Burdekin se encontrava e a “descobrir” uma escritora tão importante. O livro aparentemente foi escrito ao mesmo tempo em que Noite da Suástica estava sendo composto, e “(...) reverte os argumentos sexuais de seu companheiro: em The End of This Day’s Business são os homens quem as mulheres não conseguem conceber como humanos”.
Para John Clute, ainda que às vezes a obra de Burdekin se expresse de forma muito florida, e que às vezes sua mensagem seja encaixada em enredos da ficção romântica, “(...) agora ela pode ser vista como uma daquelas figuras do século vinte cuja ausência do cenário ao longo do século parece, agora, muito próxima do trágico”.

Peter Nicholls cita a miscigenação de raças como um tema comum na ficção científica, geralmente sendo vista, na ficção dos “mundos perdidos” da virada do século 19 para o 20, como degradante. Um exemplo apresentado por ele é o livro The Fallen Race (1892), de Austyn Granville, que Clute classifica como preconceituoso e intolerante, e um dos primeiros livros de ficção científica situados na Austrália. Um médico, perdido no deserto australiano, encontra uma raça perdida que se desenvolveu, de forma absurda, da união primitiva dos aborígenes com cangurus. O povo é conhecido como Anonos e tem uma forma quase esférica, governados por uma rainha branca de descendência americana.

                                                                                                                                                          (Capa: Frank E. Schoonover/ Grosset & Dunlap).

“Mas até mesmo durante o período anterior aos anos 1920”, diz Nicholls, “quando a ficção popular racista era a regra mais do que a exceção, a miscigenação podia ser vista como uma coisa boa. Uma união humano-alienígena precoce pode ser encontrada em Uma Princesa de Marte, de Burroughs, simbolizada na divertida cena em que John Carter fica orgulhosamente ao lado de sua esposa, a princesa, olhando para sua criança na incubadora: a criança, nesse estágio, é um grande ovo. Por décadas as revistas de ficção científica, em particular Planet Stories, frequentemente mostravam em suas capas os ‘monstros de olhos esbugalhados’ (bug-eyed monsters) com expressões lascivas, perseguindo mulheres humanas – um evidente absurdo”.
Nicholls ainda lembra que, durante o período em que o alienígena era normalmente visto como apavorante, a miscigenação era frequentemente um caso de estupro. O absurdo dos monstros perseguindo mulheres, diz ele, era sexual, uma vez que um monstro não estaria mais atraído por uma mulher humana do que ela pelo monstro.

(Capa: Vidmer).

Um exemplo de como a sexualidade humana pode ser diferente da alienígena também foi explorada, de forma satírica, no conto Party of the Two Parts (1954), de William Tenn, publicado na revista Galaxy Science Fiction. A história apresenta um negociante alienígena que visita a Terra querendo vender imagens pornográficas, mas descobre que sua raça tem pouco em comum com os humanos, e as imagens que ele acha pornográficas, para os humanos só podem ser utilizadas como exemplos de reprodução assexuada em livros de biologia.

                                                                                                    (Capa: Leo Summers).

Em 1961, Isaac Asimov também escreveria um conto com tom humorístico abordando as diferenças entre humanos e alienígenas. Originalmente publicado com o título Playboy and the Slime God, na revista Amazing Stories, posteriormente teve o título alterado para O Que É Essa Coisa Chamada Amor? (What Is This Thing Called Love?) e publicado na coletânea O Cair da Noite (Nightfall and Other Stories, 1968). O conto foi escrito a pedido da editora da revista, Cele Goldsmith Lalli, como uma resposta a um artigo de William Knowles, “Girls of the Slime God”, publicado na revista Playboy, no qual comentava as histórias de ficção científica do período das revistas pulp, afirmando que elas se referiam a alienígenas e sexo. Asimov entendeu que o artigo tomava como base uma única revista da época, a Marvel Science Stories, que publicava péssimas histórias de ficção científica apimentadas.
A história apresenta seres extraterrestres que raptam um homem e uma mulher terrestres e tentam fazê-los reproduzir, ou “brotar”, como dizem, seguindo o que entendem que seja o ritual de “cooperação” entre os humanos, e que um dos alienígenas aprendeu lendo uma revista terrestre que se dedicava a esse tipo de ritual, revista que ele traduziu como “Rapaz Recreativo” (obviamente, uma tradução propositalmente ruim para Playboy). A visão do relacionamento sexual humano é tão errada que nada acontece. O casal é mandado de volta à Terra, quando então resolvem ter relações sexuais.

Peter Nicholls disse que, por volta dos anos 1980, o preconceito sexual conservador da ficção científica já tinha, em grande medida, cedido espaço para uma exploração radical de possibilidades sexuais alternativas, ainda que estas também tenham produzido seus próprios clichês. No entanto, o processo começou nos anos 1950, quando Philip José Farmer e Theodore Sturgeon trataram o tema da miscigenação mais seriamente.
Até então, as revistas de ficção científica nunca tinham sido sexualmente explícitas, não importa o que elas pudessem timidamente insinuar. “Kay Tarrant, assistente de John W. Campbell Jr., o editor da Astounding Science Fiction”, explica Nicholls, “era famosa por seu puritanismo, e persuadiu muitos escritores a remover cenas ‘ofensivas’ e ‘linguagem obscena’ de suas histórias. (...) Mas tanto Farmer quanto Sturgeon eram, para sua época, explícitos. Eles reconheceram que, em um gênero que se orgulhava em imaginar novas e diferentes sociedades, o tabu sexual era absurdamente anacrônico, em particular porque ele não existia na mesma medida na ficção convencional”.
Dessa forma, Sturgeon explorou relações envolvendo três pessoas e entre humanos e alienígenas em vários contos e romances, em particular em Vênus Mais X (Venus Plus X, 1960), “um ataque selvagem aos estereótipos de gênero”.

(Capa: Earle K. Bergey).

E Farmer publicou seu The Lovers (1952), inicialmente na revista Startling Stories, depois como livro com o título Os Amantes do Ano 3050 (The Lovers, 1961), que lidava com amor e sexo entre espécies diferentes. O crítico David Pringle, apesar de considerar a importância da história para o desenvolvimento da ficção científica, afirmou que, hoje em dia, ela é previsível e comportada.
O ambiente apresentado é o de uma sociedade que se desenvolve após uma catástrofe global, dominada por uma seita religiosa de forma opressiva que, entre outras coisas, determina quantas vezes por semana cada pessoa pode manter relações sexuais. O personagem central é enviado a um planeta como integrante de uma missão, entrando em contato com a espécie local, que evoluiu a partir dos insetos, e lá tem, pela primeira vez, uma vida sexual livre das restrições impostas pela Igreja. Ele se envolve com uma mulher local, com quem mantém relações sexuais, mas com resultados desastrosos. Na verdade, apesar de sua aparência humana, a mulher é alienígena, tendo assumido a forma humana, na qual é capaz não apenas de se apaixonar pelo terrestre, mas até ter orgasmos durante o sexo.
Em The Visual Encyclopedia of Science Fiction, editada por Brian Ash, diz-se que “O que revoltou muitos leitores no conto não foi apenas suas conotações sexuais, mas a revelação de que as relações sexuais ocorreram entre um humano e uma forma avançada de inseto alienígena”.

                                                                                                                                                    (Capa: Jim Burns/ Corgi Books - Transworld Publishers).

Em 1953, Farmer publicou outro conto com temática sexual, Mother, na revista Thrilling Wonder, história na qual, como explica Peter Nicholls, “(...) um astronauta é atraído para um útero alienígena, no qual ele faz sua casa – talvez a história de ficção científica Freudiana definitiva”. Esse conto foi seguido por uma série de histórias que incluem Daughter (1954, na revista Thrilling Wonder Stories), Father (1955), Son (também com o título Queen of the Deep, 1954, na revista Argosy) e My Sister’s Brother (também com o título Open to Me, My Sister, 1960, em The Magazine of Fantasy and Science Fiction). Posteriormente, os contos foram reunidos no livro Strange Relations (1960). Segundo a The Visual Encyclopedia of Science Fiction, “Cada história lida com o inter-relacionamento de humanos e outros seres e, em grande parte, muitas podem ser lidas como uma metáfora. Mother, por exemplo, pode ser aceita como uma simples descrição de uma relação simbiótica interespécies, ou interpretada como um retrato de incesto e, em seu final, canibalismo”.

Apesar de Vênus Mais X, de Theodore Sturgeon, ser apontado como um marco na literatura de FC no tratamento de gênero, o autor já havia se aproximado de um tema sexual no conto The World Well Lost (1953), publicado na revista Universe Science Fiction, com uma abordagem favorável à homossexualidade. No livro Uranian Worlds: A Guide to Alternative Sexuality in Science Fiction, Fantasy and Horror, editado por Eric Garber, Lyn Paleo e G.K. Hall, o escritor Samuel R. Delany escreveu que, quando Sturgeon apresentou a história a um editor, ele não apenas a rejeitou, mas entrou em contato com todos os editores que conhecia para pedir que também a rejeitassem, tal era o ambiente na época.

(Capa: Malcolm H. Smith).

A história apresenta dois integrantes de uma raça alienígena, os Dirbanu, que chegam à Terra e conquistam a atenção dos terráqueos por sua devoção um ao outro, sendo chamado “lovebirds” (companheiros apaixonados). Até então, os Dirbanu quase não tinham contato com os terrestres, a não ser por uma visita na qual um embaixador alienígena deixou bem claro que achava a Terra desagradável. Quando voltam a entrar em contato com a Terra é para exigir que os “lovebirds” sejam enviados ao seu planeta, uma vez que são criminosos. As autoridades terrestres resolvem atender sua exigência.
A nave que os transporta é dirigida por dois pilotos amigos que só viajam na companhia um do outro, e durante o trajeto um deles percebe que os alienígenas são telepáticos e que descobriram um segredo a seu respeito, e ele está disposto a matá-los para não ser descoberto. Para dissuadi-lo, os extraterrestres fazem quatro desenhos a partir dos quais o terrestre percebe que, apesar de eles terem, para os humanos, a aparência de um casal, eles são do sexo masculino. Em sua espécie, o sexo feminino tem uma aparência completamente diferente. Quando percebe a verdade, o terrestre resolve deixar que eles fujam em uma cápsula. E o que se fica sabendo posteriormente é que o próprio terrestre é homossexual e esconde seu amor pelo capitão da nave.

                                                                                                                                                                                 (Capa: Peter Elson/ Sphere).

Ainda que geralmente seja mais considerado por seus contos, Theodore Sturgeon escreveu excelentes romances de ficção científica, entre eles Vênus Mais X, que David Pringle listou em seu livro Science Fiction: 100 Best Novels. A história coloca o personagem Charlie Johns, um americano do século 20, em contato com uma civilização humana do futuro, vendo-se cercado por homens lindos que vestem roupas coloridas, vivendo em uma utopia que chamam de Ledom – nome que pode ser lido ao contrário como “model”, modelo – devotando suas vidas às artes e ciências.
Os habitantes pedem que ele ande à vontade por seu mundo e pergunte o que quiser a seu respeito, aparentemente querendo obter uma visão de sua sociedade a partir de um ponto de vista diferente. O que Charlie percebe é que os habitantes desse mundo futuro não são homens ou mulheres, mas hermafroditas, equipados com os órgãos de ambos os sexos e capazes de gerarem filhos.
Segundo Pringle, ao intercalar a narrativa com capítulos curtos situados nos Estados Unidos suburbanos dos anos 1960, Sturgeon mostra como, mesmo no século 20, as distinções entre os sexos estão sendo derrubadas. “Vênus Mais X”, ele escreveu, “é uma extraordinária visão prévia da ficção científica feminista dos anos 1970. Ele tem um pequeno débito com The Disappearance (1951), de Philip Wylie, um romance que imaginou um mundo sem homens (e seu oposto, um mundo sem mulheres), mas o livro de Sturgeon permanece uma das mais originais entre todas as especulações na questão do gênero”.

(Capa: Gerald McConnel/ Beacon).

Em 1960, Philip José Farmer ainda publicou dois livros cujos enredos lidavam com questões sexuais. Um deles foi O Dia em que o Tempo Parou (The Day of Timestop), apresentado como uma sequência a Os Amantes do Ano 3050, adaptado do conto Moth and Rust (1953, Startling Stories), mas com pouca relação com o livro anterior. Apesar de apresentar uma sociedade em que o relacionamento entre homens e mulheres é restrito por uma série de regras, o foco principal é a religião. O livro foi publicado inicialmente com o título A Woman a Day.

                                                                                                                        (Capa: Robert Abbett/ Ballantine Books).

O outro livro é Carne (Flesh), este sim, lidando com questões sexuais mais diretamente. Segundo David Pringle, é uma vulgarização rude em forma de ficção científica dos temas apresentados por Robert Graves em seu famoso estudo A Deusa Branca (The White Goddess, 1948), ainda que ousado para a época e muito divertido.
Uma história de Farmer, também dos anos 1950, só foi publicada em 1965, com o título Dare, A Colônia Perdida (Dare); ao que tudo indica, a história seria publicada na revista Startling Stories, mas ela encerrou suas atividades (em 1955). Como em Os Amantes do Ano 3050, esse também lida com o relacionamento entre um humano e uma alienígena, com a complicação de que ele vem de uma sociedade moralista, e ela, de uma com muita liberdade sexual.

(Capa: Tom Dunn/ Cardinal - Pocket Books).

Outros poucos livros lidaram com a questão dos gêneros nos anos 1950, como The Disappearance (1951), de Philip Wylie, autor mais conhecido por seu When Worlds Collide (1933), que originou o filme Colisão de Planetas (When Worlds Collide, 1951. Ver mais sobre o filme na matéria O Perigo Vem do Espaço, e da Terra). John Clute disse que se trata de um romance inventivo que elabora um ataque um tanto conservador, mas bem intencionado, a posturas com relação ao gênero das pessoas. Na história, um evento desconhecido faz com que a humanidade se divida em duas linhas temporais distintas, com homens e mulheres sendo separados em universos paralelos. Do ponto de vista dos homens, todas as mulheres desapareceram do planeta; no ponto de vista das mulheres, foram os homens que sumiram. As duas sociedades têm de se virar e prosseguir; enquanto a dos homens se transforma em uma distopia, a das mulheres consegue lidar melhor com a situação.
Segundo David Pringle, trata-se mais de uma parábola fantástica do que de ficção científica, uma vez que o evento que origina a separação não é racionalizado, mas que é um livro cuidadosamente detalhado e marcante.

                                                                                                                                                                       (Capa: Peter Lord/ Penguin Books).

John Wyndham também tratou a questão dos gêneros na história Consider Her Ways (1956), título obtido a partir da Bíblia, em Provérbios (6:6. Em inglês: “Go to the ant, thou sluggard; consider her ways, and be wise”. Em português: “Observa a formiga, preguiçoso, reflita nos caminhos dela e seja sábio”). A personagem central, Jane Waterleigh, passa por um experimento com uma droga capaz de proporcionar experiências fora do corpo, e a droga funciona tão bem que ela é projetada no futuro, em uma sociedade composta apenas por mulheres, na qual os homens sequer são conhecidos.
Eventualmente, ela fica sabendo por uma historiadora que uma experiência científica criou um vírus que matou todos os homens do planeta. Algumas mulheres médicas iniciaram um programa de urgência para encontrar uma forma de reprodução sem os homens.
A sociedade é organizada em castas rígidas, e o corpo que Jane ocupa pertence ao grupo de mulheres escolhidas unicamente para serem mães, o que ela certamente não deseja, além de sentir que a presença dos homens é necessária para a sociedade. Ela consegue que lhe deem uma nova dose da droga e, assim, retorna ao seu próprio tempo, com a ideia de impedir o desenvolvimento do vírus que irá eliminar os homens.
A história foi adaptada para a TV, na série The Alfred Hitchcock Hour (1962-1964), no episódio Consider Her Ways (1964), com direção de Robert Stevens. O papel de Jane Waterleigh foi interpretado por Barbara Barrie e o episódio foi muito bem recebido pela crítica.

Mas, segundo Peter Nicholls e tantos outros historiadores e críticos de ficção científica, as maiores e mais significativas mudanças ocorreram a partir dos anos 1960, com a chamada New Wave do gênero.