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OUTROS MUTANTES

ESPECIAIS/VE CORPOS ALTERADOS

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data22/03/2021
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Veja a seguir mais algumas histórias envolvendo diferentes tipos de mutação.

Ilustração de Jack Gaughan.


AFTER THE ATOM (1948)

John Russell Fearn.
Conto publicado na revista Startling Stories, apresentando as modificações do mundo após uma guerra nuclear. Aqui, dois personagens são, de alguma forma, projetados para o futuro pela explosão de uma bomba atômica, encontrando um mundo dominado por mutantes, e acabam sendo mortos para que a nova raça surgida possa preservar sua descendência.

 

THAT ONLY A MOTHER (1948)

Judith Merril.
Conto publicado na revista Astounding Science Fiction, o primeiro da escritora. Alguns críticos ressaltam a importância do conto por ser um dos poucos na época a descrever os eventos do ponto de vista da mulher. No caso, a história se passa no então futuro ano de 1953, após a Terceira Guerra Mundial, no momento em que um casal que sobreviveu à bomba nuclear está esperando o nascimento de seu bebê, preocupados com a possibilidade de ser um mutante.
A criança nasce quando o pai está distante e a mãe fica exultante pelo fato dela ser perfeita. Mas quando o pai retorna, ele encontra uma criança sem pernas e braços, mais parecendo um réptil, e percebe que a esposa estava incapacitada de ver a realidade.
 


MUTANT (1953)

Lewis Padgett.

Capa de Ric Binkley (1953).

Coletânea de contos publicados originalmente na revista Astounding Science Fiction. Lewis Padgett é o pseudônimo utilizado por Henry Kuttner e sua esposa C.L. Moore, e as histórias são: The Piper’s Son (1945); Three Blind Mice (1945); The Lion and the Unicorn (1945); Beggars in Velvet (1945); Humpty Dumpty (1953); Chapter 6 (1954).

 

 

 


O IMPÉRIO DOS MUTANTES (La Morte Vivante, 1958)

Stefan Wul.


THE ELEVENTH COMMANDMENT (1962)

Lester Del Rey.

Capa de Dean Ellis (Ballantine Books, 1976).

O livro fala sobre a superpopulação no futuro e também, como disse David Pringle, é um dos poucos livros de sua época a lidar com questões religiosas. A história é situada após uma Terceira Guerra Mundial, em um momento em que a Igreja continua a encorajar as pessoas a se multiplicarem, apesar dos problemas que isso pode causar, uma vez que a radiação nuclear vem causando mutações.
 

 

 


DEPOIS DA BOMBA (Dr. Bloodmoney, or How We Got Along After the Bomb, 1965)

Philip K. Dick.
(Ver também a matéria O Que Fazer Depois do Fim do Mundo?)

Capa de Jack Gaughan (Ace Books, 1965).

O livro é considerado por muitos críticos como um dos melhores de Philip K. Dick, e não por acaso. Reúne alguns dos temas centrais de sua obra, em clima de sonho ou pesadelo, conforme o momento, mas com humor, ainda que nem sempre isso seja evidente.
David Pringle destacou o livro como “uma comédia insana de humor negro”, e Brian Stableford e John Clute disseram que “(...) o livro é construído de forma mais intrincada do que qualquer outro romance de Dick, sob uma estrutura de enredo cujas interconexões e camadas trabalham como um retrato do mundo – nesse caso, os EUA pós-holocausto”.
Aqui, o problema nuclear começa em 1972, quando o dr. Bruno Bluthgeld – o nome alemão para “Bloodmoney” (dinheiro de sangue, ou “dinheiro sujo”) – realiza um teste nuclear na atmosfera do planeta e as coisas fogem ao controle, provocando radiação que, por sua vez, provoca mutações em muitas crianças. A história desenvolve-se principalmente a partir de 1981, quando o dr. Bluthgeld está completamente paranoico, sentindo-se o único responsável pelo que aconteceu. Alguns anos mais tarde, um verdadeiro ataque nuclear ocorre, complicando ainda mais a situação.
No mundo destroçado, mas em reconstrução, pessoas que antes passavam despercebidas surgem como grandes organizadores. Os antigos heróis e depositários da loucura humana são esquecidos ou, como no caso de Bluthgeld, perseguidos – apesar de sua paranoia, muitas pessoas não esqueceram o que ele fez e alguns realmente pretendem matá-lo.

                                                                                                                                                    Capa de Richard Courtney (Dell, 1980).

À medida que o mundo do pós-guerra vai sendo descrito, mais ele assemelha-se a uma fantasia de terror surrealista. Seres simbióticos andam pelas ruas, unidos como os antigos siameses. Os ratos, gatos e cães assumem novas características, tornam-se inteligentes e chegam a fabricar utensílios e manter intensa comunicação entre eles. E as pessoas continuam a viver como se essas transformações não fossem tão importantes. É como se a loucura que, antes da guerra, estava em suas mentes, fosse levada para a vida real, e ninguém estranhasse. As pessoas continuam tentando viver a vida anterior, com os mesmos costumes e procurando organizar uma sociedade baseada nos mesmos moldes da anterior, sem perceber que isso já não é possível. A normalidade transforma-se em anormalidade, e o anormal, as mutações, os absurdos decorrentes de situações fantásticas, tornam-se o normal.
Uma criança da comunidade, Edie Keller, concebida no dia da bomba, traz dentro de si o que ela chama de seu “irmão”, Bill Keller, um ser inteligente que vive perto de seu apêndice e com o qual ela mantém comunicação. Quando ela diz que tem um irmão, as pessoas pensam que se trata de uma fantasia, como os amigos imaginários que as crianças costumavam ter antes da guerra. Mas nesse mundo já não há lugar para o imaginário; tudo é real, tudo é possível. O ser dentro dela tem sua própria identidade e a capacidade de ouvir os mortos, as milhões de pessoas que estão em um lugar indeterminado ao qual ele tem acesso.

Capa de Chris Moore (Millennium/ Orion, 2000).

Outro personagem central é Hoppy Harrington, vítima da talidomida e com malformação das pernas, que se locomove utilizando um carrinho especialmente construído. Hoppy tem poderes telecinéticos e um desejo de grandeza a partir do qual imagina-se sendo uma figura central do mundo destruído, e capaz de matar para atingir seu objetivo. Ele, Bluthgeld e Bill Keller entrarão em choque, definindo o futuro do planeta.
Em seus momentos finais, a história adquire contornos fantásticos ainda mais definidos, como se realmente tudo tivesse se tornado possível. Um mundo em que o contato com os mortos pode ser encarado como um fato comum – mesmo porque já é um mundo meio morto – onde a loucura foi materializada após os momentos de intensa violência da destruição.
E, por mais que as pessoas pareçam lentamente acostumar-se aos novos tempos, permanecem sempre tentando lembrar-se dos antigos relacionamentos sociais, as antigas atitudes com relação à vida e à morte. Mas o texto deixa bem claro que isso não poderá ser recuperado. A transformação chegara de fato. As coisas não poderão ser escondidas, camufladas. O que era a vida real é agora apenas imaginação, é fuga. Trata-se de outra Terra.
Philip K. Dick conseguiu tornar um dos temas mais presentes na literatura de FC – o mundo pós-guerra nuclear – em uma história única, repleta de metáforas e com um enredo poucas vezes visto nesse tipo de história. Além disso, apresentou alguns dos temas que desenvolveu com maior intensidade ao longo de sua carreira, como a presença constante da loucura entre os humanos, e a dificuldade em diferenciar a loucura da sanidade. Essa situação de colocar os opostos em confronto direto pode ser visto em quase toda sua obra, geralmente apresentando o confronto entre real e irreal, o que não deixa de ser o caso aqui.
Anthony Peake (em A Vida de Philip K. Dick) disse: “Dr. Bloodmoney também contém elementos de outro tema philipkdickiano, o da realidade enquanto projeção do observador, nesse caso, do próprio Bluthgeld”.
Sem dúvida, um dos melhores finais de mundo já construído pela FC.
 


O BECO DOS MALDITOS (Damnation Alley, 1969)

Roger Zelazny.

Capa de Paul Lehr (Berkley Medallion, 1970).

O crítico John Clute disse que nenhum livro de ficção científica de Zelazny alcançou a mesma aptidão metafórica de seus três primeiros livros – This Immortal, O Senhor dos Sonhos e O Senhor da Luz – e isso e bem visível em O Beco dos Malditos. David Pringle disse que “Uma peça tola de ação rápida de um autor talentoso, (o livro) desapontou muitos críticos na época, mas provou-se popular. Agora, pode ser visto como o ‘papai’ de todos aqueles filmes e livros do tipo guerreiro das estradas”.
A história situa-se nos EUA após uma guerra que destroçou a nação, centrada no personagem Hell Tanner, um criminoso que, para obter sua liberdade e perdão pelos crimes, concorda em levar uma carga de vacinas da Califórnia a Boston, atravessando o país repleto de seres mutantes e grupos violentos. A vacina é para combater uma peste que está eliminando o que resta da humanidade.

                                                                                                               Capa de Gordon C. Davies (Sphere Books, 1973).

Zelazny vai direto para a ação, com uma narrativa que lembra a construção cinematográfica, com cenas fortes e movimentadas, e diálogos rápidos. O Beco dos Malditos, no caso, é como é chamado o caminho que ele e seu grupo terá de percorrer, com um carro à prova de radiação, enfrentando seres monstruosos como cobras, morcegos gigantes, um lagarto Gila gigante.
A história não apresenta os constantes jogos de palavras e ideias do que Zelazny fez de melhor, mas apresenta a transformação de um mundo e, mais do que isso, do próprio Tanner ao longo de sua jornada. De um homem violento e sem qualquer preocupação com as demais pessoas, ele passa a ser alguém com consciência coletiva e vontade de ajudar. O problema é que isso acontece muito rapidamente na história: em um dia, ele está disposto a matar um homem simplesmente porque ele estava falando com ele, e Tanner não queria falar com ninguém. No dia seguinte ele já está disposto a ajudar as pessoas. O personagem não é muito bem desenvolvido.
Roger Zelazny é tido como um escritor que, em seus melhores momentos, constrói imagens muito fortes, às vezes com tons surrealistas, mas aqui ele se deixa levar por alguns dos clichês da ficção científica dos anos 1950, como os monstros gigantes criados pelo efeito da radiação.
 


O SONHO DE FERRO (The Iron Dream, 1972)

Norman Spinrad.
Um clássico da ficção científica apresentando um livro dentro de um livro. Na obra escrita por Hitler no mundo alternativo apresentado, O Senhor da Suástica, desenvolve-se o panorama de um mundo que passou por uma guerra nuclear que criou uma enormidade de mutantes, que serão ferozmente combatidos pelos “homens verdadeiros” da nação Heldon, dispostos a eliminar a “sujeira genética” dos países vizinhos.
(Ver mais na matéria Os Mundos Alternativos)
 


ONE-EYE (1973)

Stuart Gordon.

Capa de Tim Kirk (DAW Books, 1973).

O livro é o primeiro de uma trilogia que teve sequência com Two-Eyes (1974) e Three-Eyes (1975), e mais um exemplo de mutações ocorrendo em um mundo pós-apocalipse nuclear, ainda que o segundo livro deixe em aberto a possibilidade de que outro cataclismo tenha ocorrido. O One-Eye do título original (Um-Olho) é um mutante poderoso, capaz de criar uma imensa confusão em uma sociedade que está tentando se reconstruir.

Capa de Peter Manesis para Two-Eyes (DAW Books, 1974); capa de Michael Whelan para Three-Eyes (DAW Books, 1975).

David Pringle diz que se trata de “Uma aventura de ficção científica e fantasia exuberante, mas particularmente caótica”. John Clute disse que “Os livros têm vigor, apesar de que a utilização de materiais do gênero fantasia e romance, levemente inclinada para a ficção científica, é estereotipada”. Clute diz que o mutante One-Eye “(...) desperta as forças do caos em uma Terra apocalíptica arruinada, mil anos após um holocausto nuclear, quando a humanidade luta uma batalha perdida contra a decadência genética”.
 


HIERO’S JOURNEY (1973)

Sterling Lanier.

Capas de Darrell K. Sweet (Del Rey/ Ballantine, 1983). 

O livro teve uma sequência publicada apenas em 1983, The Unforsaken Hiero. Segundo John Clute e Malcolm Edwards, os livros são “(...) uma história de busca, longa e inventiva, situada em uma fervilhante Terra arruinada, 5 mil anos após uma guerra atômica. A radiação é uma ameaça e cientistas mutantes reincidentes ainda assombram o local, ameaçando Hiero, um telepata que viaja para o sul a partir do Canadá, procurando por um computador mítico que pode ajudar a reconstruir as coisas. No segundo volume (...) Hiero organiza alguns aliados animais – eles são descritos como mutantes, mas parecem-se muito com o elenco típico de uma fábula. (...) Não exatamente inovador, a sequência tem sucesso por meio do elenco fluente e engenhosamente variado de personagens”.

 


O DEUS DA FÚRIA (Deus Irae, 1976)

Philip K. Dick e Roger Zelazny.
(Ver mais na matéria O Deus da Fúria e no ensaio O Bem e o Mal na Literatura e no Cinema)
 


O PALÁCIO DOS PERVERTIDOS (Dinner at Deviant’s Palace, 1985)

Tim Powers.
 


APARELHO VOADOR A BAIXA ALTITUDE (Low-Flying Aircraft and Other Stories, 1976)

J.G. Ballard.

Capa de Bill Botten (Jonathan Cape, 1976).

O conto que dá o titulo à coletânea situa-se em um mundo futuro, apresentando um casal que se encontra em uma cidade do Mediterrâneo. Ela está grávida pela sétima vez e eles temem que o filho seja, novamente, uma mutação, como vinha ocorrendo em todo o planeta por muitos anos. E todos os bebês mutantes eram mortos.
Do hotel onde se encontram, pai e mãe observam diariamente o médico Gould levantar voo com seu biplano e só retornar muito tarde. Um dia, após o pai receber a notícia de que seu filho é um mutante, Gould o convida a voar com ele e lhe mostra o gado mutante, seguindo marcas de tinta fosforescente que ele espalhara pelos montes, conduzindo os animais para um local seguro. O médico convence o pai de que o pensamento de que os seres humanos estão em vias de extinção é errado. O que está desaparecendo é uma espécie de ser humano, com os mutantes surgindo como a raça do futuro. Ao final, o pai entrega seu filho mutante a Gould, para que ele viva e seja parte do novo mundo que começa a surgir.
A história foi adaptada para o cinema no filme Aparelho Voador a Baixa Altitude (2002), uma produção pouco conhecida de Portugal e Suécia, com direção de Solveig Nordlund que, em 1998, já havia dirigido um documentário para a TV sobre J.G. Ballard (J.G. Ballard: The Future Is Now).