Artigos

EU SOU UMA NAVE

ESPECIAIS/VE AS ESPAÇONAVES DA FC

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data17/12/2019
fonte
Naves conscientes, biológicas ou com inteligência artificial, estão entre as mais interessantes da ficção científica.

(Chris Foss)

Além das naves espaciais construídas da forma mais tradicional, a ficção científica também desenvolveu histórias em que as naves ganham consciência. Ou elas já são construídas com esse propósito, ou cérebros humanos são acoplados aos seus sistemas como forma de comandar quaisquer atividades das naves. E também existem as naves biológicas como as citadas na primeira matéria, que surgem na série Xenogenesis, de Octavia E. Butler.
Brian Stableford diz que “Cérebros humanos são frequentemente transplantados nos corpos de espaçonaves”, ainda que não se encontre tantos exemplos disso. Ele cita a história Sea Change, de Thomas N. Scortia, publicada na revista Astounding Science Fiction, em 1956.

(Capa: Alessandro Biffignandi/ Ballantine Books, 1970).

Mais conhecida é a série iniciada por Anne McCaffrey em 1961, com The Ship Who Sang, história publicada em The Magazine of Fantasy and Science Fiction. Ela apresenta as chamadas “brainships”, naves-cérebro, que tem como componentes básicos crianças que nasceram com problemas físicos graves, porém com cérebros excepcionalmente desenvolvidos. Os pais dessas crianças recebem a opção de permitir que elas sejam treinadas para viverem em uma espécie de concha, uma cápsula de titânio com capacidade de proverem tudo que necessitam para viver, além de estabelecer uma conexão com um computador. Essas crianças poderão viver por muitos séculos, sem sentir dor, e optando por serem o “cérebro” de espaçonaves, ou mesmo de hospitais, indústrias e até de cidades. Nas naves-cérebro, costumam trabalhar com conjunto com um ser humano normal, chamado “brawn”, ou seja, a força bruta, daí a série de histórias ser normalmente chamada de Brain & Brawn Ship.
A história original apresenta a personagem Helva como o cérebro de uma espaçonave, e teve continuidade em outras quatro: The Ship Who Mourned (1966, em Analog Science Fiction); The Ship Who Killed (1966, Galaxy Magazine); Dramatic Mission (1969, Analog Science Fiction/ Science Fact); The Ship Who Disappeared (1969, If. Depois publicada com o título The Ship Who Dissembled). As cinco histórias foram publicadas em conjunto no livro The Ship Who Sang (1969), com o acréscimo do conto The Partnered Ship. Posteriormente, Anne McCaffrey escreveu mais duas histórias da série: Honeymoon (publicado na coletânea Get Off the Unicorn, 1977); e The Ship That Returned (publicado na coletânea Far Horizons, editada por Robert Silverberg (1999).

Abaixo: Capas para The Ship Who Sang, com ilustrações de Gianetto Coppola (Corgi, 1972); Angus McKie (Corgi, 1976); Greg Hildebrandt e Tim Hildebrandt (Ballantine Books, 1976); Bruce Pennington (Corgi, 1982); Chris Moore (Corgi, 1999).


A série teve sequência com livros escritos em parceria, começando com Partnership (1992), escrito com Margaret Ball. Depois vieram: The Ship Who Searched (1992), escrito com Mercedes Lackey; The City Who Fought (1993), com S.M. Stirling; The Ship Who Won (1994), com Jody Lynn Nye. E outros dois livros sem a participação de McCaffrey: The Ship Errant (1996), de Jody Lynn Nye; e The Ship Avenged (1997), de S.M. Stirling.

Abaixo: Partnership (Capa: Mark Harrison/ Orbit, 1994); The Ship Who Searched (Capa: Stephen Hickman/ Baen, 1992); The Ship Who Won (Capa: Stephen Hickman/ Baen, 1994); The Ship Who Won (Capa: Mark Harrison/ Orbit, 1995); The Ship Errant (Capa: Stephen Hickman/ Baen, 1996).


Vinte anos antes de Anne McCaffrey iniciar sua série, o escritor James Blish publicava seu conto Solar Plexus, publicado na revista Astonishing Stories (setembro de 1941), que já lidava com o tema. Apresenta uma nave que tem um computador senciente que, um dia, foi um ser humano. Essa nave chega a uma estação espacial que está na órbita de um gigante gasoso recentemente descoberto no nosso sistema solar, na qual vive um astrônomo. A ideia da nave é utilizar o ser humano para criar outra nave, mas as coisas não saem como a nave pretendia. Talvez seja o exemplo mais antigo no gênero a apresentar uma nave controlada por um cérebro humano.
Outra história conhecida é I, Rocket (1944), publicada em Amazing Stories. E conhecida apenas por ser de Bradbury, porque ela não apareceu nas inúmeras coletâneas de contos do autor. Em 2014, o escritor Jean Marie Stine, escrevendo uma introdução ao conto, disse que ele “(...) é exatamente o tipo de história que os leitores de ficção científica se acostumaram a esperar de Ray Bradbury: é situada numa espaçonave ou em outro planeta, mas com a ênfase na experiência humana mais do que no mecânico ou científico. Também é a primeira história escrita em que o ponto de vista do personagem e narrador em primeira pessoa é uma espaçonave totalmente consciente e inteligente”. A história de James Blish, citada acima, é anterior ao conto de Bradbury, mas como Stine tomou o cuidado em enfatizar “o ponto de vista” pelo qual a história é narrada, imagino que o conto de Blish não seguia esse tipo de narrativa.

The Jesus Incident (Capa: Paul Alexander/ Berkley-Putnam, 1979).

Em 1965 surgiu o conto Becalmed in Hell, de Larry Niven, publicado em The Magazine of Fantasy and Science Fiction, que faz parte da série de histórias conhecidas como Known Space, abrangendo eventos mil anos no futuro, iniciando com a exploração do sistema solar e expandindo-se até a humanidade atingir sistemas estelares mais próximos.
A história mostra dois humanos em uma nave espacial que está explorando a atmosfera de Vênus; um é um humano normal, o outro é o cérebro de um homem que teve seu corpo gravemente ferido e passou a controlar a nave, como um computador vivo.
No mesmo ano, Frank Herbert publicou Destination: Void (ver a matéria Longe de Casa), que surgiu na Galaxy Magazine com o título Do I Wake or Dream?, e que seria o ponto de partida para outros três livros: O Incidente Jesus (The Jesus Incident, 1979); O Efeito Lázaro (The Lazarus Effect, 1983); e O Factor de Ascensão (The Ascension Factor, 1988). A história segue a tentativa da humanidade em criar uma inteligência artificial, até chegar ao ponto da construção de uma nave controlada por um cérebro humano.

                                                                                                         (Capa: Chris Moore/ Magnum, 1978).

Clifford D. Simak, que elaborou várias histórias em que procurou apresentar mundos ou conceitos distintos de união entre tecnologia e atividade mental, também desenvolveu uma nave controlada por cérebros, em O Planeta de Shakespeare (Shakespeare’s Planet, 1976). A Nave, fabricada pelos seres humanos, é tanto tecnológica quanto biológica, possuindo uma personalidade, formada pela união de três personalidades humanas cujos cérebros foram incorporados à espaçonave. Ela leva uma tripulação de quatro pessoas e viaja pelo espaço por mil anos, procurando um planeta compatível com a vida humana. Quando o encontra, apenas um tripulante sobreviveu, e ele e a Nave devem solucionar algumas questões que se apresentam no planeta, inclusive a presença do ser conhecido como Carnívoro, que diz ter aprendido a falar inglês com um humano chamado Shakespeare, não o original, mas um que adotou o nome. Em alguns momentos, as personalidades que compõem a Nave apresentam-se separadas umas das outras, como o Cientista, o Monge e a Grande Senhora.
O livro não foi muito bem recebido pela crítica – na verdade, alguns consideram entre o que há de pior na produção do escritor – mas tem momentos bem interessantes, inclusive uma proposta comum na obra de Simak, que é a presença de uma força que pode ser relacionada com o conceito humano da existência de um Mal universal (ver também o ensaio Os Mundos de Clifford D. Simak).

 


MAIS NAVES INTELIGENTES



O HOMEM ETERNO (The Forever Man, 1986)
Gordon R. Dickson.

(Capa: James Gurney/ Ace Books, 1988).

 


JUSTIÇA ANCILAR (Ancillary Justice, 2013)
Ann Leckie.

(Capa: John Harris/ Orbit, 2013).

O premiado livro de estreia de Ann Leckie apresenta como parte central de seu enredo não apenas as naves inteligentes, mas os ancilares, na verdade seres humanos falecidos e revividos, ou reconstruídos, como extensões das naves e utilizados como soldados pelo império Radch. A personagem central é Breq, uma ancilar que é separada da nave Justiça de Toren quando esta é destruída, ou melhor, assassinada, uma vez que se trata de um organismo inteligente; e é também a própria nave, uma vez que as duas estão inevitavelmente ligadas.
O crítico e escritor Jeff Somers, escrevendo para o blog de fantasia e ficção científica da Barnes & Noble, comentou a dissociação entre a nave e seu corpo ancilar Breq: “Essa mudança de uma imensa e poderosa nave de guerra para um único e frágil corpo humano, dá à história de investigação e vingança de Breq muita energia, e concede a Leckie muito espaço para explorar temas como colonização, conquista, escravidão e, sim, justiça, através das lentes de uma inteligência que é simultaneamente familiar e alienígena”. Segundo ele, também é um dos poucos livros em que uma nave senciente torna-se uma personagem com a qual o leitor se identifica completamente.

 

 


THE QUANTUM THIEF (2010)
Hannu Rajaniemi.

(Capa: Chris Moore/ Gollancz, 2010).

Esse é o livro de estreia do escritor finlandês Hannu Rajaniemi, o primeiro de uma trilogia que teve sequência com The Fractal Prince (2012) e The Causal Angel (2014).
A nave em questão é a Perhonen, senciente, criada pelo guerreiro Mieli, pertencente à raça humanoide conhecida como Oortians. Perhonen é a palavra em finlandês para “borboleta” e a nave, que tem uma inteligência artificial, gosta de flertar e de encher seu interior com avatares de borboletas, além de estar disposta a sacrificar tudo pelas pessoas com quem está unida.
No livro Science Fiction: The 101 Best Novels 1985-2010, o autor Damien Broderick diz que o livro de Hannu Rajaniemi é o equivalente, para o final da primeira década do século 21, ao Neuromancer, de William Gibson, que lançou o cyberpunk. Segundo Broderick, o livro é sobre a busca por uma chave, e por chaves para abrir caixas que escondem outras chaves, e ele próprio precisa de uma chave para abrir alguns mistérios básicos que estão escondidos à vista.
O autor ainda é inédito no Brasil.

 

 


TRILOGIA DAHAK
David Weber.
A trilogia de Weber, também conhecida como Quinto Império, é composta por: Mutineers’ Moon (1991); The Armageddon Inheritance (1993); Heirs of Empire (1996). Ainda foi publicada uma edição contendo os três livros, Empire from the Ashes (2003).
Dahak é o nome de uma espaçonave de guerra do tamanho de uma lua, e poderosíssima, com mais de 50 mil anos de existência, período durante o qual adquiriu consciência. Na verdade, mais do que ser do tamanho de uma lua, Dahak é a nossa Lua, disfarçada durante os milhares de anos, após enfrentar um motim. Os amotinados, por sua vez, desceram na Terra e mantiveram-se em estado de conservação durante todo esse tempo. As últimas ordens do capitão eram para acabar com o motim e com os amotinados, mas que não destruísse a Terra no processo.

Abaixo: Mutineers' Moon (Capa: Paul Alexander/ Baen, 1991); The Armageddon Inheritance (Capa: David Mattingly/ Baen, 1993); Heirs of the Empire (Capa: David Mattingly/ Baen, 1996); Empire From the Ashes (Capa: David Mattingly/ Baen, 2003).



SÉRIE “CULTURE” (1987-2012)
Iain M. Banks.

(Capa: Richard Hopkinson/ Macmillan UK, 1987).

É praticamente impossível falar de todas as naves que surgem nos 10 livros da série; são dezenas. Como Jeff Somers explica, no universo imaginado por Banks, “(..) a humanidade (na falta de uma palavra mais apropriada) abriu mão do controle de seu destino para as mentes, enormes inteligências artificiais que dirigem Culture, defendendo-se de ameaças, tanto internas quanto externas, enquanto mantém os de carne-e-sangue alimentados e felizes, e livres para perseguir seus próprios desejos estranhos”.
Assim, todas as dezenas de naves da Culture que aparecem nos livros são sencientes, dirigidas pelas Mentes. Várias Mentes habitam naves imensas, com centenas de quilômetros, que também funcionam como cidades humanas móveis e que têm suas próprias personalidades e um estranho senso de humor. O senso de humor e personalidade das naves geralmente refletem-se nos nomes escolhidos por elas: No More Mr. Nice Guy; Apocalipse Irregular; Apenas Leia as Instruções; É Claro Que Eu Ainda Te Amo; Uma Série de Explicações Improváveis; Grande Besta Sexy; Engraçado, Da Última Vez Funcionou...; Nunca Fale Com Estranhos; Comportamento Inaceitável; Eu Culpo Minha Mãe; Eu Culpo Sua Mãe; Credibilidade Zero; É a Minha Festa e Se Eu Quiser Eu Vou Cantar. E muito mais.
É uma pena que nenhum livro da série tenha sido publicado no Brasil, ainda que o primeiro, Consider Phlebas, tenha sido publicado em Portugal com o título Pensa em Phlebas (Clássica Editora).
Os livros: Consider Phlebas (1987); The Player of Games (1988); Use of Weapons (1990); The State of the Art (1991); Excession (1996); Inversions (1998); Look to Windward (2000); Matter (2008); Surface Detail (2010); The Hydrogen Sonata (2012).
(Ver mais sobre a série Culture na matéria Um Mundo de Distopias e Utopias)

Abaixo: The Player of Games (Capa: Keith Scaife/ Orbit, 1989); Use of Weapons (Capa: Keith Scaife/ Orbit, 1990); The State of the Art (Capa: Les Edwards/ Night Shade Books, 2004); Excession (Capa: Mark Salwowski/ Orbit, 1996); Excession (Capa: Paul Youll/ Bantam Spectra, 1997); Look to Windward (Capa: Mark Salwowski/ Orbit, 2000).


LEXX (Lexx, 1997-2002)
Criação de Paul Donovan e Jeffrey Hirschfield.

A nave Lexx (Salter Street Films International/ TiMe Film- und TV-Produktions GmbH/ Chum Television/ Silverlight Ltd./ VIP Babelsberger Filmproduktion GmbH & Co. KG).

Série produzida pelo Canadá, Alemanha, Reino Unido e EUA, começando com apenas quatro episódios em 1997, e mais 57 nas três temporadas seguintes. Os primeiros quatro episódios foram apresentados no Brasil, na TV por assinatura, com os títulos: Eu Idolatro Sua Sombra (I Worship Your Shadow); Supernova (Super Nova); Fronteiras do Desconhecido (Eating Pattern); Giga Show (Giga Shadow), este último nitidamente traduzido incorretamente.
Milhares de anos no futuro, uma raça alien conhecida como Brunnen-G defende a humanidade do ataque devastador de uma raça alienígena de insetos. Kai (Michael McManus), o último dos Brunnen-G, é morto, mas seu corpo é conservado. Uma profecia diz que, um dia, ele voltará para acabar com a raça insetoide. A ação da série começa propriamente dois mil anos após esses eventos, quando grande parte do universo é governada por A Sombra Divina, com os cérebros de todos os ancestrais sendo mantidos em atividade. O corpo de Kai foi recuperado, mas sua memória alterada de modo que ele atue a favor das Sombras.
Lexx é uma nave orgânica gigantesca e poderosa construída para ampliar a dominação dos mundos, mas uma série de eventos possibilita que grupo de fugitivos consiga roubá-la. Eles são: o capitão Stanley H. Tweedle (Brian Downey); a escrava do amor, Xev Bellringer (Xenia Seeberg); o Brunnen-G, Kai; e a cabeça de robô 790 (Jeffrey Hirschfield).