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ALGUNS LIVROS COM HISTÓRIAS DE SONHOS

ESPECIAIS/VE ESTADOS ALTERADOS

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data28/03/2020
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Conheça alguns livros nos quais os sonhos têm papel importante ou mesmo fundamental.

Robert LoGrippo.

SOMNIUM SCIPIONIS (51 a.C.)
Marco Túlio Cícero.
O Somnium Scipionis – O Sonho de Cipião – faz parte do sexto e último livro do tratado político Da República, de Marco Túlio Cícero (Marcus Tullius Cicero), e, segundo Adam Roberts, é “(...) o mais antigo texto sobrevivente que adota antes uma visão estritamente cósmica que meramente aérea”.
No texto, o jovem Cipião sonha com o avô eminente e falecido, o velho Cipião. “É mostrada a ele”, diz Roberts, “a habitação entre as estrelas destinada aos que seguem a trilha da virtude na vida e, em particular aos patriotas que defendem seu país”. O sonhador vê estrelas que nunca são vistas na Terra, maiores do que se imagina.

 

 

 

 

SOMNIUM (1608)
Johannes Kepler.

Edição de 1634.

A obra só foi publicada em 1634, após a morte de Kepler (1630). Adam Roberts disse que Somnium é a primeira novela inequivocamente de ficção científica e que, “(...) embora pouco lido hoje em dia, é um texto essencial no desenvolvimento da ficção científica. Ele articula com precisão a dialética entre ciência racional protestante e expansão imaginativa mágica/demoníaca católica que molda o gênero emergente”.
Um narrador anônimo conta de um sonho que teve após ter passado um tempo observando a Lua e as estrelas. No sonho, ele está lendo um livro que conta a história do islandês Duracotus, filho da feiticeira Fiolxhilda, e pergunta a ela sobre certos demônios que viajam entre a Terra e Levânia, a Lua, demônios que às vezes transportam seres humanos entre os mundos.
Para Adam Roberts, um dos principais problemas com que se defronta o intérprete de Somnium é conciliar dois tipos de linguagens: uma fantasiosa e grotesca, a outra soberbamente científica. “Mas no contexto”, ele explica, “é mais fácil ver que a dinâmica entre o mágico (feitiçaria, demônios e as visões que os acompanham) e o científico incorpora com precisão a problemática da qual se desenvolve a FC”.

 

SMARRA, OU OS DEMÔNIOS DA NOITE (Smarra, ou les Démons de la Nuit, conte fantastique, 1821)
Charles Nodier.
Em português, o conto de Charles Nodier foi publicado no livro com o mesmo nome (Editorial Estampa, Portugal). Segundo informa John Clute, o conto foi inspirado pela pintura O Pesadelo (The Nightmare, 1781), de Henry Fuseli, e apresenta um jovem que se aventura em uma floresta repleta de ilusões, entrando “no território de Arabian Nightmare”, onde é atacado por uma espécie de vampiro. O conto ainda traz outros encontros estranhos, sempre em clima de um sonho fantástico.

 

A DREAMER OF DREAMS (1889)
Joseph Shield Nicholson.
Segundo Brian Stableford (em The Encyclopedia of Fantasy), o livro é “(…) uma fábula moralista cujas aventuras do protagonista em sonhos provocados por drogas levam-no a um pesadelo paranoico no qual ele é chantageado para fazer um pacto com o diabo”.

 

PETER IBBETSON (1891)
George du Maurier.

Capa da edição de 1932; Gary Cooper e Ann Harding em O Sonho Eterno (Paramount Pictures).

O autor é avô da escritora Daphne du Maurier, e Peter Ibbetson, originalmente publicado na Harper’s New Monthly Magazine, é seu primeiro e, segundo John Clute, seu melhor romance, no qual os protagonistas compartilham os sonhos um do outro e nos quais retornam à sua infância idílica.
A obra foi adaptada para o teatro (1917), para o cinema (1935) e para a ópera (1931). No cinema, com o título O Sonho Eterno (Peter Ibbetson), teve direção de Henry Hathaway, com Gary Cooper e Ann Harding nos papéis centrais, como o par apaixonado, mas que não consegue viver juntos, a não ser nos sonhos que dividem.

 

THE HILL OF DREAMS (1907)
Arthur Machen.

Capa de Sidney H. Sime (Tartarus Press, 1998).

Segundo Donald M. Hassler (em The Encyclopedia of Fantasy), Machen disse que queria escrever um “Robinson Crusoe da alma”, no qual um homem está solitário em meio a milhões. Os críticos também dizem que o livro tem muito de autobiográfico, remetendo à infância do escritor no País de Gales. A história segue a vida do jovem Lucian Taylor, com a “colina dos sonhos” do título sendo um antigo forte romano no qual o jovem tem sonhos e visões, incluindo a visão da cidade da época em que os romanos estavam no local.
H.P. Lovecraft, em seu ensaio O Horror Sobrenatural na Literatura (1927), chamou o livro de “memorável epopeia da mente estética sensitiva”, dizendo sobre o enredo que “(...) o jovem herói responde à magia do antigo ambiente galês, que é do próprio autor, e vive uma vida de sonho na cidade romana de Isca Silurum, hoje reduzida à aldeia repleta de relíquias de Carlon-on-Musk”.
 

 

A TERRA DA NOITE (The Night Land, 1912)
William Hope Hodgson.

(Capa: Leander Moura/ Fábio Silva. Editora Clock Tower).

O livro de Hodgson é associado ao subgênero conhecido como dying Earth, denominação que, segundo John Clute e David Langford, surgiu da coletânea de histórias de Jack Vance, The Dying Earth (1950), e refere-se a histórias situadas em um futuro muito distante, no qual o Sol e a própria Terra encontram-se em seu estágio final de existência.
Nesse livro, o Sol já se apagou e os humanos que ainda sobrevivem encontram-se em uma imensa pirâmide de metal, o “Último Reduto”, enquanto forças e seres desconhecidos ameaçam do lado de fora, contidos por uma energia que forma uma espécie de escudo protetor.
H.P. Lovecraft disse que o livro é uma narrativa extensa (376 páginas na edição brasileira) do futuro remotíssimo da Terra. “Desenvolve-se”, escreveu Lovecraft, “de modo bastante desastrado, sob a forma de sonhos de um homem do século XVII, cuja mente se funde com sua própria encarnação futura; e é seriamente afetada por uma verbosidade cansativa, cheia de repetições, por um sentimentalismo romântico artificial e enjoativamente piegas, e por uma tentativa de linguagem arcaica ainda mais grotesca e absurda que a de Glen Carrig” (Lovecraft refere-se a outra obra de Hodgson, The Boats of Glen Carrig, 1907).

Ao lado: capas de Robert LoGrippo (Ballantine Books, 1972).

Mas nenhuma dessas falhas impede Lovecraft de considerar o livro “(...) uma das mais poderosas peças de imaginação macabra até hoje escritas. A imagem de um planeta morto, envolto em noite perpétua, com os remanescentes da raça humana concentrados numa enorme pirâmide metálica e acossados por desconhecidas e monstruosas forças híbridas das trevas, é algo que o leitor jamais esquecerá. Formas e entidades de uma espécie absolutamente inumana e inconcebível, que rondam no mundo negro, abandonado e inexplorado de fora da pirâmide, são sugeridas e parcialmente descritas com inefável potência; e as paisagens do país da noite com seus precipícios, ravinas e vulcanismo em extinção assumem na pena do autor um horror quase palpável. No meio do livro a figura central se arrisca a deixar a pirâmide numa exploração através de reinos povoados de abantesmas, não pisado pelo homem há milhões de anos, e em seu lento progresso, minuciosamente descrito dia a dia ao longo de incontáveis léguas de negrume imemorial, há um sentimento de alienação cósmica, mistério sufocante e expectativa angustiosa que não tem paralelo em todo o campo da literatura. O último quarto do livro se arrasta deploravelmente, mas não chega a destruir a tremenda força do conjunto”.

                                                Ao lado: capa de Peter Jones (Sphere, 1979); capa de Kevin Twedell (Grafton, 1990).

O crítico e estudioso de ficção fantástica, S.T. Joshi, disse (em Unutterable Horror: A History of Supernatural Fiction) que o romance é certamente a aventura mais prolongada na imaginação pura. Ainda que seja um dos maiores estudiosos da obra de Lovecraft, Joshi não parece concordar plenamente com ele no que diz respeito a colocar a obra entre as maiores do gênero terror – preferindo qualificá-la como fantasia ou talvez como proto-ficção científica – mas concorda que ela “contém sua parte de episódios assustadores e bem que merece o esforço hercúleo de lê-la”. E também concorda que esse esforço teria sido bem menor se Hodgson não tivesse tentado escrever no que ele “acreditava” ser o inglês do século 17, “mas que na verdade é uma algaravia quase ilegível que ele mesmo desenvolveu”.


 

THE CREAM OF THE JEST: A COMEDY OF EVASIONS (1917)
James Branch Cabell.

Ao lado: capa de Frank C. Papé (Edição de John Lane, The Bodley Head, 1923); capa de Brian Froud (Ballantine Books, 1971); capa de Howard Koslow (Del Rey-Ballantine, 1979).

O autor ficou conhecido por obras carregadas de ironia e sátiras. Como explica Don D’Ammassa (em Encyclopedia of Fantasy and Horror Fiction), “O protagonista encontra um artefato mágico que lhe permite entrar na terra dos sonhos, onde suas aventuras sóbrias giram em torno de sua procura por sua ideia pessoal de uma linda mulher. Eventualmente, ele descobre que sua esposa no mundo real também acessou o mundo dos sonhos e que é ela quem ele estava se empenhando em encontrar”.
Cabell voltaria a escrever sobre os sonhos com Smirt (veja abaixo), em 1934.


 

SPHINX (1923)
David Lindsay.

Ao lado: publicado por John Long (1923); publicado por Xanadu (1988).

O escritor é mais conhecido por seu A Voyage to Arcturus (1920). Aqui, ele apresenta o personagem Nicholas Cabot, cientista que desenvolve uma máquina capaz de gravar os sonhos, e apaixona-se pela jovem que mora na casa que ele aluga para finalizar seus trabalhos. Os dois experimentam a máquina quando ela é finalizada.
Em The Science Fiction Encyclopedia, John Clute e Lee Weinstein disseram que a invenção da máquina envolve o jovem cientista “(...) mais profundamente do que ele pode lidar na complicada vida social da classe média britânica; o efeito de sua morte, logo após a de sua amada, é diminuído quando a máquina escreve uma mensagem prometendo transcendência para ambos. Os sonhos da heroína simbolizam o reino sublime que é representado de várias formas na maioria dos trabalhos de Lindsay”.

 

 

SMIRT: AN URBANE NIGHTMARE (1934)
James Branch Cabell.

Ao lado: capa de Arthur Hawkins (Robert M. McBride & Company, 1934); capa de Arthur Hawkins (Robert M. McBride & Company, 1935).

Outro livro de Cabell referente aos sonhos, e outro romance satírico, o primeiro da trilogia The Nightmare Has Triplets, que teve sequência com Smith: A Sylvan Interlude (1935) e Smire: An Acceptance in the Third Person (1937).
Segundo Don D’Ammassa, o primeiro e o último livros consistem principalmente de ataques velados contra características da cultura contemporânea que Cabell achava repressivas, e os três livros envolvem diferentes aspectos de um mesmo personagem que teoricamente está explorando a realidade por meio de seus sonhos, “ainda que a trama básica seja incoerente e indetectável”.
David Langford explica que os livros imitam explicitamente a lógica e a geografia dos sonhos, e que realmente é um trabalho bem sucedido, nebuloso e semelhante aos sonhos, “ainda que um pouco inconsequente”.


 

AS RUÍNAS CIRCULARES (Las Ruinas Circulares, 1940)
Jorge Luis Borges.
O conto de Borges foi publicado originalmente na revista Sur (1940). No Brasil, foi publicado em Ficções. Apresenta um personagem que sonha e, no sonho, dá vida a outro homem, para posteriormente perceber que ele também é a criação do sonho de outra pessoa. O conto é repleto de referências, como à lenda do Golem, ou à noite 602 de As Mil e Uma Noites, além de ser visto como uma metáfora à criação literária.


 

THE DREAMERS (1958)
Roger Manvell.

(Simon & Schuster, 1958).

John Clute disse que esse é o único livro de ficção científica de Manvell, que teve uma produção literária mais voltada para o cinema e sobre o nazismo; Manvell trabalhou com o Ministério da Informação britânico durante a Segunda Guerra Mundial, criando filmes de propaganda para o governo.
Esse livro é, segundo Clute, “um conto de vingança por meio de um sonho transmitido à vítima ao qual é destinado por membros de uma tribo africana. É fornecida uma explicação que se encontra na linha divisória da ficção científica, envolvendo percepção extrassensorial como uma alternativa à óbvia explicação sobrenatural”.
Don D’Ammassa diz que Manvell inspirou-se em uma lenda africana e a desenvolveu em uma história assustadora e repleta de suspense “(...) utilizando um recurso sobrenatural que tem sido bastante ignorado por outros escritores do gênero: o sonho contagioso”. Assim, um feiticeiro africano trama sua vingança comunicando um sonho que, a princípio, é perturbador, mas não perigoso, mas que é tão vívido e assustador que o sonhador sente-se compelido a passá-lo adiante. A cada vez que o sonho é passado adiante, ele se torna mais poderoso e, no fim das contas, será fatal àqueles aos quais ele era inicialmente destinado.


 

SENHORES DO SONHO (Unearthly Neighbors, 1960)
Chad Oliver.


 

MUNDOS SEM FIM (Worlds Without End, 1956)
Clifford D. Simak.

Ao lado: revista Future Science Fiction (1956), com capa de Ed Emshwiller, referente ao conto One Small Room, de Thomas N. Scortia; capa de Richard Powers (Belmont Books, 1964).

Conto publicado originalmente em Future Science Fiction e, posteriormente, na coletânea Mundos Sem Fim (Worlds Without End, 1964). A história é situada em um futuro no qual, pelas mais variadas razões, muitas pessoas entregam-se ao Sono, uma espécie de animação suspensa, esperando serem despertados no futuro. Para a maioria dessas pessoas são fabricados sonhos, de acordo com o desejo de cada um. Nessa época futura não existem nações e governos centralizados, mas apenas sindicatos, como as Comunicações, Alimentação e o dos Sonhos, mantendo um equilíbrio de poder apesar de existir a intenção de todos em obter o poder único.
A história segue a vida cada vez mais complicada de Norman Blaine, diretor de Fabricação, responsável por elaborar os Sonhos. Ele percebe que os sonhos não estão sendo aqueles que as pessoas solicitaram, o que ele pode saber ao colocar um capacete especial que lhe permite ver o sonho fabricado. Blaine entende que alguém está alterando os sonhos, com algum propósito.

 

O SENHOR DOS SONHOS (The Dream Master, 1966)
Roger Zelazny.

 

A CURVA DO SONHO (The Lathe of Heaven, 1971)
Ursula K. Le Guin.

 

HOTEL DE DREAM (1976)
Emma Tennant.

Capa de Grizelda Holderness (Picador, 1983).

Em seu livro Modern Fantasy: The 100 Best Novels, David Pringle destacou o livro de Emma Tennant escrevendo: “Sonhos dentro de sonhos dentro de sonhos. Em um pequeno e miserável hotel inglês, os hóspedes descansam em seus quartos separados, sonhando seus sonhos muito limitados de liberdade e satisfação”. Os hóspedes desse estranho hotel dormem compulsivamente e, em determinado momento, começam a interagir, os sonhos misturando-se e, eventualmente, saindo para a realidade, para a calma cidade onde o hotel se encontra.

                                                                                                     (Faber and Faber, 1986).

Segundo John Clute, o livro apresenta alguns artifícios da ficção científica, ainda que a obra geralmente seja considerada como sendo de fantasia, com história situada em uma “fortaleza” surreal. Coloquei a palavra entre aspas porque o termo em inglês, “Keep”, como o próprio John Clute explica, é utilizado na ficção científica, e em particular na The Science Fiction Encyclopedia, para cobrir várias extrapolações da fc para comunidades que se encontram atrás de muros e fortificações ou segregadas, e é um termo aproximadamente equivalente ao termo “Edifice” (edifício), utilizado na fantasia. Por sua vez, o Edifice é “mais do que uma casa e menos do que uma cidade, ainda que possa parecer-se com uma casa quando visto de fora e com uma cidade quando visto de dentro”, explica John Clute. “De fora, um edifício pode parecer fechado e finito; de dentro, pode muito bem estender-se além da linha de visão, tanto no espaço quanto no tempo. De quase todas as formas possíveis, os edifícios manifestam um princípio central à descrição da maioria das estruturas físicas na fantasia: sempre existe mais nelas do que podemos ver”.
Assim, o hotel do livro de Emma Tennant parece enquadrar-se também nessa definição, e os hóspedes “obsessivamente nostálgicos começam a se ver nos sonhos uns dos outros”.
Para David Pringle, Emma Tennant “produziu uma fábula divertida que é, ao mesmo tempo, uma sátira à cena decadente inglesa e uma alegoria à forma como todos nós tentamos recrutar uns aos outros para nossos sonhos de um mundo melhor”.

 

A DANÇA DA MORTE (The Stand, 1978)
Stephen King.
Ver as matérias: O Mundo Dominado Pelas Pragas; O Anticristo, o Fim dos Tempos e Outras Batalhas Contra o Mal.

 

MÄRCHENMOND – A TERRA DAS FLORESTAS SOMBRIAS (Märchenmond, 1982)
Wolfgang e Heike Hohlbein.

 

JACINTOS-DE-ÁGUA (Hyacinths, 1983)
Chelsea Quinn Yarbro.

Capa de Al Nagy (Doubleday, 1983).

Apesar de ser mais conhecida por seus livros de terror e fantasia, Chelsea Quinn Yarbro também escreveu alguns livros de ficção científica, como esse excelente Jacintos-de-Água, que teve uma recepção geralmente fria da crítica.
No futuro apresentado, os sonhos podem ser gravados e reproduzidos, o que abre espaço para que uma companhia explore comercialmente o espaço onírico, ainda que ninguém saiba exatamente o que os sonhos são. Apenas algumas pessoas são Sonhadores, ou seja, com capacidade de imprimir realidade e sequência aos sonhos, como artistas elaborando uma obra, compondo uma história. Depois de algum tempo trabalhando como Sonhadores, eles são “queimados”, passando a ter problemas mentais de causa ignorada, mesmo porque não há qualquer interesse das empresas que os exploram em descobrir a causa.
O que as empresas fazem é inserir mensagens subliminais nos sonhos, como comerciais utilizados para vender produtos, mas também para manter o controle da população, sendo que um dos maiores anunciantes é o governo. Os sonhos dos Sonhadores “queimados” também são vendidos, porém no mercado negro, e têm um conteúdo bastante violento e sexualizado.
O livro elabora um clima de paranoia constante, com as pessoas vigiando suas atitudes para não serem pegas de surpresa por aqueles que têm interesses conflitantes. Estão sempre analisando as atitudes e palavras uns dos outros, por mais próximos que sejam, tentando decifrar a verdadeira intenção por trás das atitudes; as pessoas, os sentimentos, tudo está velado, encoberto. O que se fala não é realmente o que está sendo dito, e todos usam máscaras encobrindo suas identidades, com o objetivo de alcançar o poder e riqueza. É como se a vida das pessoas é que fosse um sonho, ou pesadelo, no qual tudo é simbólico, representativo de alguma outra coisa.
Um psiquiatra que trabalha com os sonhos e os Sonhadores percebe que as mensagens subliminais é que estão causando os problemas mentais, que se espalham pela sociedade. Os sonhos utilizados para acalmar a população acabam complicando a situação, ampliando a loucura até o ponto do descontrole total, como se colocassem nas ruas, no mundo real, a loucura que, até então, era propriedade particular de cada cérebro, escondida e controlada cuidadosamente. As mensagens subliminais arrasam os Sonhadores que, então, fornecem sonhos doentios, que são vistos pela população que está ávida por mais e mais sonhos, e que não pode deixar de fazê-lo devido às mensagens subliminais que as forçam a procurar os sonhos.
Como costuma acontecer nas histórias de distopia da ficção científica, o livro funciona como uma metáfora para os tempos atuais, podendo-se entender que, no momento em que os próprios sonhos da humanidade começam a ser colocados à venda, nossa situação já está definitivamente comprometida, nossas bases culturais corroídas pelo vício do lucro a qualquer custo, pela busca excessiva pelo poder, pelo consumo generalizado e banalizado.

 

THE ARABIAN NIGHTMARE (1983)
Robert Irwin.

                                                                                                                                   Capa de Paul Lenoir (Viking, 1987).

John Clute diz que “The Arabian Nightmare é uma tradução definitiva de seu tema central. Seu protagonista, Balian, entra em um pesadelo que causa sofrimento infinito e que não pode ser lembrado quando ele acorda; ele sonha que desperta, mas apenas vai mais longe no pesadelo; a história de cada descida seguinte é ela mesma incrustrada mais profundamente dentro da estrutura geral; mas nenhuma das histórias termina, e nem o pesadelo, a menos que a identidade do narrador final do conto do protagonista – que é o Macaco de Deus – signifique que Balian agora está no Inferno”.
Esse é o primeiro romance de Robert Irwin e, diz Clute, fornece um modelo claro – e um nome conveniente – para o Arabian Nightmare, um conto ou sonho no qual outros contos ou sonhos estão embutidos, em um processo que não tem um resultado claro. “É uma estrutura narrativa”, diz Clute, “que existe há tanto tempo quanto existe a fantasia como um gênero consciente”. Ele toma seu nome e muitos ícones e elementos narrativos de As Mil e Uma Noites (Arabian Nights).
Assim, Balian “sonha que acordou, mas o sonho continua. No sonho, ele sonha novamente. Ele desperta (ou sonha que despertou). Ele está sofrendo de Arabian Mightmare, uma condição que pode ser descrita como viver, em sonhos, em uma história na qual a única saída é um sonho seguinte mais profundo. No romance de Irwin, o Arabian Nightmare é, além disso uma condição que, em sonhos, sujeita uma pessoa ao sofrimento sem fim e do qual ninguém pode se lembrar de ter passado após despertar. (...) Além disso, e de forma até mais apavorante, nenhuma das histórias em que ele está aprisionado jamais parece acabar, de modo que Balian (ou a história de Balian) nunca está completa. Ele tornou-se a paródia de uma alma, e seu percurso descendente através de uma história truncada após outra constitui uma zombaria paródica do impulso da História em chegar a uma resolução”.

Capa de Jean-Léon Gérôme (The Overlook Press, 2002).

Brian Stableford, comentando o livro em Horror: 100 Best Books, diz que é perfeitamente uma fantasia moderna em um molde clássico, tendo como antecedentes literários As Mil e Uma Noites e Manuscrito Encontrado em Saragossa, de Jan Potocki. O primeiro livro só chegou à Europa por volta de 1704, mas traz histórias coletadas ao longo de muitos séculos, por diversos autores; o segundo foi publicado em 1804. Segundo Stableford, ambos usam uma narrativa discursiva e intrincada na qual contos são embutidos dentro de outros contos. “Irwin toma esse tema de um homem totalmente perdido em um sonho tão tortuoso que ele nunca pode ter certeza de que está acordado, ou alguma vez irá acordar, e povoa esse sonho com a fantasmagoria do Oriente mítico que tanto obcecou os escritores românticos franceses do século 19. Ele traz à tarefa um frescor extraordinário, animando sua consideração sobre a natureza dos sonhos com ideias tiradas da investigação psicológica moderna, preenchendo suas maravilhosas descrições da cidade do Cairo do século 15, e suas análogas de sonho, com detalhes obtidos da perspectiva da história moderna”.
Stableford diz que “É uma história de terror porque nos lembra, de forma persistente, a precariedade de nossa identidade diante de um mundo cuja solidez e previsibilidade pode dissolver-se a qualquer momento”.


 

DREAMWATCHER (1985)
Theodore Roszak.

(Doubleday, 1985); (Grafton, 1986).

Roszak ficou mais conhecido como historiador e acadêmico, autor do livro A Contracultura (The Making of a Counter Culture, 1969. Editora Vozes). Na ficção Dreamwatcher ele apresenta a premissa de que algumas pessoas têm talentos psíquicos que lhes permitem entrar nos sonhos de outras pessoas, interagir com os eventos do sonho e até mesmo modificá-los. A personagem central, uma das pessoas com imensos talentos para entrar nos sonhos, descobre que um grupo está querendo utilizar esses talentos não para curar as pessoas, mas para atormentá-las com pesadelos letais.

 

 

A RODA DO TEMPO (The Wheel of Time, 1990-2013)
Robert Jordan.
A série de fantasia de Robert Jordan chegou a 14 volumes e foi completada por Brandon Sanderson, uma vez que Jordan faleceu em 2007. As histórias situam-se em um mundo que pode ser o passado ou o futuro distante da Terra, mas também apresenta mundos paralelos, entre eles Tel’aran’rhiod, o mundo dos sonhos que, de alguma forma, está conectado a todos os demais mundos e pode ser visitado tanto nos sonhos quanto fisicamente.
Mesmo nos sonhos, os eventos nesse mundo são reais e têm consequências físicas em seus visitantes. Por exemplo, se alguém morrer nesse mundo, ela jamais irá acordar novamente.
No Brasil, foram publicados seis volumes da série, todos pela Editora Intrínseca: O Olho do Mundo; A Grande Caçada; O Dragão Renascido; A Ascensão da Sombra; As Chamas do Paraíso; O Senhor do Caos.


 

PAPURIKA (1993)
Yasutaka Tsutsui.

Capa de Kelly Blair (Vintage Books, 2013).

Mais conhecido no Ocidente pelo título Paprika. O livro do escritor japonês – que, originalmente, surgiu na revista Marie Claire em quatro partes (de janeiro de 1991 a junho de 1993) – lida com o tema do monitoramento dos sonhos como uma nova e revolucionária forma de psicoterapia. A mais conhecida cientista na área é Atsuko Chiba, que utiliza seu alter ego, Paprika, para entrar nos sonhos dos pacientes e, assim, poder tratar de seus problemas psicológicos. As coisas se complicam quando um aparelho, utilizado para realizar essa operação de infiltração e análise dos sonhos – é roubado, permitindo que o criminoso entre e manipule os sonhos das pessoas.
A história foi adaptada para o mangá por Reiji Hagiwara em 1995, mas só publicada em 2003. Também foi realizada uma adaptação para uma animação em 2006, com direção de Satoshi Kon.


 

WAKE – DESPERTAR (2008)
Lisa McMann.
Publicado no Brasil pela Editora Novo Século, o primeiro de uma trilogia que seguiu com Fade – Desvanecer (Fade, 2009) e Foge (Gone, 2010. Everest Editora). Segue a vida da jovem Janie Hannagan, que tem a capacidade de entrar nos sonhos das pessoas, mesmo que ela não queira fazer isso, o que lhe causa uma série de problemas; quando alguém próximo a ela dorme e começa a sonhar, Janie imediatamente entra num estado semelhante ao sono.
Apesar de inicialmente não ter controle sobre o que acontece nesses sonhos dos quais passa a participar, as coisas mudam depois que ela entra em um pesadelo terrível e, eventualmente, fica sabendo que pode atuar dentro dos sonhos dos outros.


 

SWEET DREAMS (2017)
Tricia Sullivan.

Capa de Andrzej Kwolek (Gollancz, 2017).

O livro apresenta a personagem Charlotte Aaron, Charlie, que desenvolveu a habilidade de entrar nos sonhos das pessoas depois de participar de uma experiência realizada por uma corporação gigantesca. Ela transforma essa capacidade em uma forma de trabalho, ajudando as pessoas a superar seus pesadelos. Até o dia em que uma figura mascarada surge no sonho de uma cliente e a mata, indicando que existe pelo menos mais uma pessoa capaz de entrar nos sonhos das pessoas, e com intenções bem ruins.