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DEVORADORES DE ESTRELAS

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autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data24/09/2021
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O novo livro de Andy Weir apresenta, mais uma vez, um herói (quase) solitário lutando para salvar uma situação que, dessa vez, pode significar o fim da humanidade.

Em seu primeiro livro, Perdido em Marte, Andy Weir apresentou um herói improvável lutando para salvar sua pele. Em seu segundo livro, Artemis, ele trouxe uma heroína improvável lutando para salvar a colônia lunar. Agora, em seu terceiro livro, Devoradores de Estrelas, ele apresenta um herói improvável lutando para salvar a Terra. Ou seja, não dá para dizer que o autor não esteja ampliando suas ambições, pelo menos no que diz respeito às missões de seus personagens centrais.
No entanto, parece mais uma fórmula de sucesso de público, com os mesmos problemas dos livros anteriores. E também com o mesmo charme e atrativos dos anteriores. O charme e atrativos vêm do bom humor com que apresenta as situações e do interesse que podem despertar nos leitores pela forma encontrada pelos personagens para superar dificuldades que, geralmente, surgem em cascata; a cada problema resolvido, mais dois ou três aparecem na sequência, ameaçando a resolução final das situações.
Os problemas, ou o problema, é a imensidão de fatos científicos relatados pelos personagens e um despejar quase incontrolável de conhecimentos que, no fim das contas, só farão sentido para quem tiver familiaridade com física, química, astrofísica e sabe-se lá quais outros ramos da ciência. É certo que o personagem do momento só poderá resolver os problemas complicadíssimos se tiver esses conhecimentos, mas para o leitor mediano, que quer apenas acompanhar uma boa história de ficção científica, a narrativa especificando os procedimentos parece mais uma aula de ciências. E, ainda assim, uma aula que só terá significado, mais uma vez, para quem tiver os conhecimentos básicos sobre os assuntos apresentados. Para os demais, como é o meu caso, são páginas e mais páginas absolutamente incompreensíveis e, portanto, inúteis. O resultado final é que, nós, simples leitores mortais, podemos pular sequências inteiras de procedimentos técnicos e científicos e chegar ao ponto que realmente interessa: se o problema foi ou não solucionado.
Entendo que esse tipo de narrativa atrai alguns leitores do gênero, mas nem por isso é boa literatura. O enredo, por outro lado, propõe bastante ação, ainda que em ambiente restrito, com número restrito de personagens, o que pode perfeitamente levar a outro filme de sucesso, como ocorreu com Perdido em Marte. Na verdade, tanto Artemis como o novo livro já foram devidamente negociados. O que é bem provável é que os filmes – como o primeiro – não terão tantas explanações científicas quanto os livros, o que já é alguma melhoria.
Se Andy Weir conseguisse dosar melhor a parte científica da ficção e aprimorar a parte literária, certamente poderia tornar-se um dos autores mais interessantes do gênero. Por enquanto, me parece mais que ele está polindo uma fórmula que, aparentemente, é eficaz para atender as necessidades de parte do público leitor. E esse polimento passa por incluir personagens e situações clichê, o que existe em quantidade razoável em Devoradores de Estrelas.
O interesse de parte dos fãs de ficção científica em histórias com esse conteúdo tão, digamos, intenso, de ciência, não é algo novo. E por parte de alguns escritores também. Vale lembrar que Isaac Asimov – que, diga-se de passagem, não costumava gastar tanto espaço para explicações científicas de procedimentos em suas histórias – dizia que uma definição de ficção científica poderia ser a ficção escrita por cientistas, o que implicaria em simplesmente desconsiderar que, antes de tudo, ela deve ser ficção, literatura, e que o nome FC foi escolhido praticamente por acaso e, hoje, visto apenas como um daqueles nomes que ficaram institucionalizados.
É claro que, com isso, não quero dizer que livros assim não devam existir. Só que não são a melhor ficção científica disponível, a melhor literatura. Para quem quer começar a conhecer a ficção científica, certamente existem centenas ou milhares de livros melhores. Para quem quer ler o que de melhor se faz no gênero hoje em dia, existem dezenas de livros mais interessantes. Mas para quem gosta do aspecto científico colocado em primeiro plano – e, às vezes, no único plano – o livro deve ser bem interessante.


DEVORADORES DE ESTRELAS (Project Hail Mary, 2021)
Andy Weir
Suma
424 páginas