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INTRUSO

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autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data14/12/2019
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Um excelente livro do canadense Iain Reid, que passeia pela ficção científica e pelo suspense.

Como parece ter acontecido com vários críticos, em particular nos EUA e no Canadá, também tive dificuldade em definir um gênero específico para o inquietante livro Intruso, do escritor canadense Iain Reid. A capa da edição em português traz em destaque uma frase da Kirkus Reviews: “Para ser lido com as luzes acesas”. Mas não parece adequado. Não é exatamente um livro de terror, ainda que ele esteja à espreita.
Já se disse que é uma mistura de suspense, terror, ficção científica, com a história supostamente passando-se num futuro próximo; o próprio autor referiu-se ao livro como uma “história de suspense filosófico”, do ponto de vista de que é uma história sobre um casal que vive em uma área rural remota e que tem sua existência absolutamente organizada e, para falar a verdade, bem vazia, totalmente desorganizada após a chegada de um estranho.
O casal em questão é formado por Junior e Henrietta, e a história é narrada por ele. As coisas começam a ficar realmente estranhas quando Terrance chega à casa deles anunciando que Junior foi pré-selecionado para fazer parte de uma experiência, na verdade uma viagem à Instalação, uma estação espacial anunciada como o caminho para o futuro da humanidade. Terrance é um personagem misterioso, empregado de uma grande empresa que tem negócios com o governo.
O estranho é que Junior jamais se candidatou para essa viagem, mas isso parece não fazer a menor diferença, de tal forma Terrance se impõe sobre Junior e Henrietta – Hen, para os íntimos – e o faz sem jamais ser rude; pelo contrário, é extremamente gentil, todo sorrisos e capaz de apresentar a maravilha que será a vida na Instalação e a grande oportunidade que está sendo dada a Junior – e a Hen também, ainda que ela não tenha sido selecionada – sem jamais descrever completamente como isso irá acontecer.
Terrance parece ser um especialista em se esquivar de perguntas, mas o próprio Junior tem uma dificuldade imensa em falar abertamente sobre suas reais preocupações. E como a narrativa é feita por ele, incluindo seus pensamentos, isso cria um ambiente de tensão constante, sem que saibamos exatamente o que Junior irá fazer em seguida.
Reid disse que elaborou o tema pensando em coisas como “isolamento”, “solidão” e “confinamento”, e tem um pouco de tudo isso no livro. Às vezes, Junior e Hen parecem morar em um planeta só deles, e praticamente todas as cenas se passam na casa deles. A possibilidade de uma viagem ao espaço funciona, segundo o autor, mais como uma metáfora, nesse caso: o oposto ao isolamento em que eles vivem, ao confinamento.
E também é uma história sobre o casamento, segundo Reid disse em entrevista a Adam Nayman (hazlitt.net): “Eu queria escrever sobre um relacionamento que não tivesse sido arruinado por um momento dramático, como alguém traindo, ou perdendo a calma, ou um segredo, mas que, ao contrário, tivesse apodrecido lentamente ao longo do tempo. Uma vez que você está em uma situação e está comprometido com ela, o que mais pode acontecer? Como você pode cair fora? É aí que as coisas começam”.
E se poderia dizer que também é aí que elas terminam. Mas quem ler Intruso vai descobrir, eventualmente. Um livro que às vezes traz um certo desconforto, uma angústia. E impossível de largar.


INTRUSO (Foe, 2018)
Iain Reid
Fábrica 231 (Rocco Editora)
288 páginas