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DROGAS, SONHOS E OUTRAS ALUCINAÇÕES

ESPECIAIS/VE ESTADOS ALTERADOS

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data28/03/2020
fonte
Os estados alterados da mente na literatura e no cinema de ficção científica, terror e fantasia.

FreeImages.com/ Ove Tøpfer.
William Hurt em Viagens Alucinantes (Altered States, 1980. Warner Bros.).

Geralmente, os temas observados aqui costumam ter abordagens distintas nos diferentes gêneros, no caso, na ficção científica, no terror e na fantasia. Por exemplo, na ficção científica, as drogas podem ser introduzidas nas histórias como formas de controle da população, como ocorre nas histórias distópicas; nas histórias de terror, as drogas podem ser um instrumento, uma porta de entrada para alguma entidade maléfica que queira introduzir-se em nosso mundo ou possuir a mente e o corpo de um ser humano; nas histórias de fantasia, as drogas podem ser uma porta de saída, a passagem para outro mundo.
Com os sonhos não é muito diferente. Em histórias de terror, eles podem ser a forma de controlar a mente de uma pessoa e até mesmo manifestar-se fisicamente em nosso mundo; na fantasia, com alguma frequência os sonhos são um meio de transporte para outros mundos; e na ficção científica eles podem ser até mesmo realidades paralelas.
Em The Science Fiction Encyclopedia, Peter Nicholls e David Langford apresentam o tópico “percepção”, que reúne praticamente todos os temas aqui tratados. Para eles, na literatura de FC a percepção representa “As formas pelas quais nós nos tornamos conscientes e recebemos informação a respeito do mundo exterior, principalmente por meios dos sentidos”. Segundo eles, os filósofos estão bem divididos sobre se nossas percepções do mundo exterior correspondem a uma “realidade real”, ou se elas são apenas hipóteses, construtos intelectuais, ou seja, ideias ou teorias elaboradas a partir de conceitos subjetivos. Sendo assim, as percepções podem nos fornecer um cenário parcial e não confiável da realidade externa, ou ainda, pode ser que a realidade externa seja ela mesma um produto de nossa mente.

                                                                                                                A Poção do Amor (Evelyn De Morgan, 1903).

Para Nicholls e Langford, a percepção tem sido um dos temas principais da ficção científica, o eixo de muitas histórias, além de ter um papel subsidiário em muitas outras. Assim, dividiram as histórias de fc que lidam com a percepção (por conveniência, segundo informam) em seis grupos: histórias sobre modos de percepção pouco comuns; histórias sobre aparência e realidade; histórias sobre percepção alterada por drogas; histórias sobre percepção alterada por meio de hipnose e poderes psíquicos; histórias sobre sinestesia; histórias sobre percepção alterada do tempo. Em trabalhos anteriores publicados aqui no Vimana, já falamos bastante sobre poderes psíquicos e sobre a natureza do tempo, mas outros itens citados pelos autores, em particular as “histórias sobre modos de percepção pouco comuns”, que têm ampla abrangência, enquadram-se perfeitamente nos temas que apresentamos agora. Um exemplo disso pode ser as histórias em que momentos alucinatórios têm grande importância, o que certamente representa uma alteração na percepção da realidade.
John Clute, em The Encyclopedia of Fantasy, diz que, no gênero fantasia, a palavra “alucinação” significa “A percepção (na fantasia, normalmente visual, ainda que outros sentidos podem ser invocados) de um objeto que não existe, ou a experiência de uma falsa sensação. Na ficção sobrenatural e no terror, os enredos frequentemente giram em torno da possibilidade de uma alucinação não ser, de fato, uma alucinação, mas ter sido criada por algum intruso no mundo real. A estrutura das histórias de fantasia normalmente não depende da interpretação correta da alucinação, sendo bem mais comum a ilusão”.

(FreeImages.com/ Ove Tøpfer).

Escrevendo para o The Guardian, Jeff Noon disse que “As drogas fictícias são foguetes em miniatura: elas levam os personagens a lugares desconhecidos e estranhos. A prática da invenção de drogas retrocede aos antigos gregos (Moly e Lete), e a Shakespeare (a poção do amor de Oberon)”. (N.E.: Moly é uma erva mágica mencionada no Livro 10 da Odisseia, de Homero, que cresceria a partir do sangue de um gigante morto na ilha de Circe. Lete é um dos cinco rios que saem do mundo subterrâneo de Hades; os que bebem sua água experimentam o completo esquecimento).
Jeff Noon também disse que os escritores de ficção científica estão sempre procurando novas formas de apresentar mudanças, seja na sociedade, na natureza do mundo físico, seja na mente humana. “E inventar novas drogas”, ele completa, “é uma forma poderosa de induzir transformações em todos esses níveis”.
Por essas poucas explicações oferecidas até aqui já é possível perceber que os temas oferecem várias possibilidades de aproximação e de interpretação, dependendo do gênero abordado.
Claro que as possibilidades de utilização dos diferentes estados alterados da mente na literatura e no cinema de ficção científica, terror e fantasia, não se limitam a essas citadas até aqui, que são apenas exemplos e tentativas dos autores de elaborar alguns conceitos, e nas matérias a seguir vamos poder falar mais extensamente sobre os temas.