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CARNAVAL DE ALMAS

FILMES/Matérias

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data16/03/2016
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Uma pequena produção que teve grande influência no cinema de terror e suspense.
Não se deixem enganar pelo título. O filme Carnaval de Almas (Carnival of Souls, 1962) não é uma história da mais famosa festa popular brasileira sendo festejada pelas almas ou espíritos no céu ou numa colônia espiritual. Se bem que... Bom, só assistindo.

Uma aparição constante no filme (Harcourt Prod.).

O coautor do site Vimana, Jeferson Gondim, que assistiu ao filme antes de mim, comentou que David Lynch deve ter se inspirado nele para alguns de seus trabalhos. Depois de ver o filme, resolvi pesquisar na internet e encontrei dezenas de referências à influência do filme não apenas em David Lynch, mas também em George A. Romero. Às vezes, Lynch é citado como tendo confirmado a influência do filme em seu trabalho, mas para ser honesto, não encontrei qualquer fala do diretor nesse sentido. Pode ser mais uma daquelas coisas da internet: algum crítico apresenta um ponto de vista e ele passa a ser repetido por centenas de pessoas como se fosse verdade. De qualquer maneira, as semelhanças com alguns aspectos dos filmes de David Lynch parecem evidentes.

Candace Hilligoss, como Mary, saindo do rio.

Em 1989, Joe Brown, do jornal Washington Post, escreveu que parece claro que Lynch viu Carnaval de Almas antes de filmar Eraserhead e Blue Velvet. E o mesmo Brown disse que Romero confessou ter se inspirado no filme para a construção do clássico A Noite dos Mortos Vivos.
O “carnival” do filme não é tanto o carnaval que conhecemos, mas a denominação utilizada nos EUA para certos parques de diversão, especialmente os que existiam em décadas passadas. No caso, é um parque abandonado e que exerce uma atração especial na personagem central, Mary Henry, interpretada por Candace Hilligoss – que, no ano seguinte, atuaria em outro filme de terror, Tumba Maldita (The Curse of the Living Corpse), tido por alguns críticos como um predecessor dos chamados “gore movies”, e que também marca a estreia de Roy Scheider no cinema.

O parque fantasmagórico à beira do lago.

Mary está num carro com duas amigas e a motorista resolve tirar um racha com outro carro. Como resultado, elas caem de uma ponte, movimentando a polícia e população local para encontrá-las. No meio da agitação, Mary sai do rio, enlameada e incólume, enquanto as demais e o carro não são encontrados.
A partir daí, o filme apresenta uma série de situações envolvendo Mary, organista profissional, que é contratada para tocar numa igreja em Utah. Chegando à cidade, passa pelo parque citado, com um grande pavilhão, à beira de um lago.
Sua vida na cidade parece um sonho, ou pesadelo, com uma figura sinistra constantemente aparecendo como uma visão aterrorizante, e com a estranha construção abandonada parecendo chamá-la por alguma razão.

Um baile estranhíssimo no parque abandonado.

Joe Brown, na mesma matéria já citada, falando sobre o trabalho do diretor Herk Harvey, disse que “O trabalho de câmera de Harvey dá um novo significado à palavra ‘deadpan’ (expressão que significa ‘fisionomia inexpressiva ou impassível’, ‘frieza’), fazendo com que os locais e pessoas mais mundanos possíveis pareçam alucinações medonhas”.
E é isso mesmo. O ambiente não pode ser mais comum, assim como as pessoas em torno de Mary, mas nada parece estar correto ou acontecendo no momento certo. Minha impressão é que, além do uso de câmera, o que também cria esse ambiente opressivo é o corte abrupto das cenas, com Mary passando de um local a outro repentinamente. E, claro, a absoluta falta de explicação para os eventos.
Baird Searles, em Films of Science Fiction and Fantasy (1988), escreveu que Carnaval de Almas é um exemplo de um filme pequeno e barato transformado num trabalho de arte pela habilidade e inteligência. Barato mesmo; custou cerca de 30 mil dólares; para se ter uma ideia, o mestre dos filmes bons e baratos da época, Roger Corman, gastava cerca de quatro vezes esse valor.
Não se pode dizer que é um clássico do gênero ou uma obra-prima do terror – no Brasil, o filme foi lançado no box “Obras-Primas do Terror 3”, da Versátil Home Video –, mas é realmente impressionante o que o diretor conseguiu com tão pouco à disposição, inclusive utilizando atores locais para baratear o custo.
Vale a pena conhecer, no mínimo para confirmar que os efeitos especiais nem sempre são necessários para se obter o resultado pretendido, algo que as produções de terror atuais parecem ter esquecido.