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INTRODUÇÃO - O MUNDO DOS FANTASMAS

ESPECIAIS/VE FANTASMAS

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data11/01/2017
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O Fantasma de Banquo (Théodore Chassériau).

Podemos imaginar que, assim que começaram a refletir seriamente sobre o que acontecia com as pessoas após seus corpos estarem acabados, os seres humanos não só começaram a desenvolver teorias – reais ou não, isso não vem ao caso aqui – a respeito da vida após a morte, como também começaram a “ver” os espíritos, almas, aparições, fantasmas, ou como quer que se chame essas entidades que de alguma forma continuariam sua existência em outra realidade, no além, entre nós ou em nossas mentes.
Sejam elas inexistentes – frutos da imaginação, da alucinação ou da necessidade do ser humano em tentar explicar o mundo à sua volta –, sejam elas reais e capazes de, em determinados momentos, se fazerem notar pelos vivos, o fato é que elas dominaram grande parte das lendas, mitologias e histórias, orais e escritas, das sociedades humanas.

 

O Fantasma de Banquo (Théodore Chassériau).

Elas assustam ou confortam, conforme o caso, conforme o momento ou a cultura em que se desenvolvem. Elas têm mais ou menos interação com os vivos. Elas são vingativas e perigosas, ou podem surgir para nos ajudar a resolver problemas, dependendo do que se pretende dizer com a história em questão. Elas podem enlouquecer as pessoas ou estabelecer relações bem amistosas.
E, à medida que a sociedade progrediu e a ciência ganhou cada vez mais proeminência na vida diária das pessoas, essas entidades passaram a ser investigadas, às vezes por cientistas renomados, outras vezes por picaretas inescrupulosos, e as teorias a respeito da vida após a morte proliferaram, assim como as histórias sobre os fantasmas.

 


Diz-se que um dos exemplos mais antigos de fantasmas na literatura pode ser encontrado na Odisseia, de Homero, mas, já que estamos imaginando, podemos muito bem considerar que algum homem primitivo tenha grunhido suas experiências com uma visão fantasmagórica para seus companheiros de caverna.
O grande escritor de terror e ficção científica H.P. Lovecraft escreveu, em seu ensaio O Horror Sobrenatural na Literatura (Supernatural Horror in Literature, 1927. No Brasil, publicado em 1987 pela Livraria Francisco Alves Editora): “Como é lógico esperar de uma forma tão intimamente ligada às emoções primevas, o conto de horror é tão velho quanto o pensamento e a linguagem do homem”. Lovecraft entendia que a “emoção mais forte e mais antiga do homem é o medo, e a espécie mais forte e mais antiga de medo é o medo do desconhecido”.
Ele também lembrou que “A atração do espectral e do macabro é de modo geral limitada porque exige do leitor uma certa dose de imaginação e uma capacidade de desligamento da vida do dia a dia”. Para ele, “Os primeiros instintos e emoções do homem moldaram a sua resposta ao meio em que ele se viu envolvido. Sensações definidas baseadas em prazer e dor criaram-se em torno dos fenômenos cujas causas e efeitos ele podia entender, ao passo que em torno dos que ele não entendia – e estes abundavam no mundo dos primeiros tempos – teceram-se naturalmente os conceitos de magia, as personificações e sensações de assombro e medo próprias de uma raça portadora de ideias poucas e simples e experiência limitada”.

                                                                         A Sombra de Samuel Invocada por Saul (D. Martynov).

Claro que, em seu ensaio, Lovecraft refere-se especificamente às histórias apavorantes, o que nem sempre é o caso das histórias de fantasmas, que também seguem por outras vertentes, inclusive a do humor.
Em todo caso, seu conceito de que a literatura fantástica, em geral (e isso inclui a ficção científica e a fantasia) exige o que ele chamou de uma certa dose de imaginação e capacidade de desligar-se da vida cotidiana. Alguns teóricos da literatura fantástica, como Tzvetan Todorov, falam na suspensão da descrença, a capacidade da história em levar o leitor para dentro da história. Todorov, em seu livro Introdução à Literatura Fantástica (Introduction à la littérature fantastique, 1970. No Brasil, publicado em 1975 pela Editora Perspectiva), não aceita a definição de Lovecraft, no sentido de que este entende que “um conto é fantástico muito simplesmente se o leitor experimenta profundamente um sentimento de temor e de terror, a presença de mundos e poderes insólitos”. Para Todorov, se fôssemos seguir esse ponto de vista seria preciso deduzir que o gênero de uma obra depende do sangue-frio do leitor. Mas ele entende que “o fantástico se fundamenta essencialmente numa hesitação do leitor – um leitor que se identifica com a personagem principal – quanto à natureza de um acontecimento estranho”.
Em seu livro Dança Macabra (Danse Macabre, 1981. No Brasil, pela Francisco Alves Editora, 1989. Também pela Suma de Letras), no qual discute a literatura fantástica em geral, e o terror, em particular, Stephen King escreveu que as histórias que lidam com o terror – no cinema, literatura, televisão, rádio ou nos quadrinhos – fazem-no em dois níveis. “No primeiro plano há o horror explícito (...). O horror explícito pode ser feito em vários graus de refinamento artístico, mas está sempre lá. Mas em outro nível, mais potente, o trabalho do horror se transforma realmente numa dança – uma busca com ritmo e movimento. E o que ela procura é o lugar onde você, o espectador ou leitor, viva no seu nível mais primário. O trabalho do horror não está interessado na capa da civilização de nossa existência (...). Mas está em busca de um outro lugar, de um quartinho que algumas vezes lembra o covil secreto de um cavalheiro da era vitoriana, noutras a câmara de tortura da Inquisição espanhola... mas talvez, mais frequentemente e com mais sucesso, a simples e árida caverna de um guerreiro da Idade da Pedra”.
Como se vê, entende-se que as histórias de fantasmas existem desde sempre, às vezes em forma literária, outras vezes como descrições de eventos supostamente reais. Seja como for, certamente está entre os tipos de literatura mais antigos do planeta.


Nas matérias a seguir, vamos apresentar algumas dessas histórias. Umas espetaculares, outras bem ruinzinhas, outras, em algum lugar espectral entre elas. É assim que funciona com a criação literária e cinematográfica em geral. Além disso, algumas que eu acho sensacionais, outros podem não achar.
Dividi as histórias em temas, mas é uma divisão apenas aproximada, uma vez que muitas não lidam apenas com um dos temas. Por exemplo, o filme Poltergeist foi incluído no tema “Fantasmas perigosos”, mas também poderia estar em “Casas assombradas”. E mais: a ordem de apresentação não significa necessariamente uma ordem de predileção ou de qualidade das obras.