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O ROMANCE PLANETÁRIO

ESPECIAIS/VE PLANETAS DA FC

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data22/12/2021
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Iniciando no século 19 e estendendo-se até hoje, o chamado romance planetário ajudou a formatar a ficção científica moderna.

Frank Frazetta.
Imagem de Marte, em 2007 (ESA & MPS para OSIRIS Team MPS/UPD/LAM/IAA/RSSD/INTA/UPM/DASP/IDA).

Ao falarem sobre o “romance planetário” (planetary romance), termo que passou a ser utilizado para identificar certo tipo de histórias dentro da ficção científica, John Clute e David Langford disseram que pode ser descrita como um romance planetário qualquer história de fc cujo principal cenário seja um planeta e cujo enredo gire de forma significativa em torno desse mundo, excluindo versões contemporâneas ou de um futuro próximo da Terra.
E eles dizem ainda: “No entanto, para o termo ser aplicado de maneira apropriada, não basta que uma história simplesmente situe-se em um mundo: por exemplo, Um Caso de Consciência (A Case of Conscience) (ver também na matéria O Caminho da Fé), de James Blish, tem um planeta como local primário e, apesar disso, não pode ser chamado de romance planetário, porque a natureza da descrição desse mundo tem pouca influência na história sendo contada. O termo também não pode ser proveitosamente utilizado para uma história situada em um planeta cujos mistérios são solucionáveis em termos de FC hard”. Eles também citam dois exemplos desse tipo de história, com Mission of Gravity (1953), de Hal Clement, e Rocheworld (1990), de Robert L. Forward, que são “(...) típicos romances de FC hard nos quais os mundos em que são situados equivalem a pouco mais do que a soma dos problemas que eles mostram e, com isso, seus protagonistas explicam (ou solucionam) esses mundos com sucesso”.

                                                                                     Reprodução fotográfica da edição de 1894, de G.W. Dillingham (Hyperion Press, 1974).

A expressão foi desenvolvida em 1978 pelo crítico de FC Russell Letson, mas John Clute e David Langford disseram que, apesar de ser um termo mais recente, esse tipo de história é contemporânea da space-opera, com alguns autores citando antecedentes. Jess Nevins fala do livro Journey to Mars (1894), de Gustavus W. Pope, comentado na matéria anterior, como um romance planetário que antecipa as histórias de Edgar Rice Burroughs. Nevins diz que o termo “romance planetário” é derivado, corretamente, e direta ou indiretamente, do trabalho de Burroughs envolvendo romances situados em outros planetas.
John Clute e David Langford lembram que o termo surgiu em uma convincente introdução de Russell Letson à reedição de 1978 do livro A Odisseia Verde (The Green Odyssey, 1957), de Philip Jopé Farmer. No texto, Letson argumenta fortemente a favor do uso da expressão para descrever romances cujas ambientações básicas derivam de Burroughs, cujos enredos frequentemente utilizavam as convenções da aventura de ficção, com perseguições e expedições em busca de algum objetivo; ele também dizia que essa ficção teria protagonistas que frequentemente revelam-se pessoas com alta tecnologia “abandonadas entre nativos pré-tecnológicos”.
Jess Nevins diz que os marcianos de Journey to Mars não são pré-tecnológicos, mas de qualquer forma o romance tem a arquitetura e dinâmica de enredo do romance planetário. O crítico disse que “Não é surpresa que o tratamento do enredo do romance planetário de Burroughs foi mais popular do que o de Pope; Pope estava tentando narrar um romance científico maduro, sem dúvida na linha de Wells, enquanto Burroughs, ainda que inconscientemente, estava contando uma história de id incontrolável e masculinidade fantástica, misturado com a satisfação do desejo pessoal”.
Em The Evolution of the Costumed Avenger (2017), Jess Nevins disse que o que Burroughs fez foi fazer com que o humano fosse o herói, o “Übermensch” (super-homem) citado por Friedrich Nietzsche em seu livro Assim Falou Zaratustra (Also sprach Zarathustra, 1883). Assim, as políticas, morais e alegorias dos romances do século 19 sobre visitantes alienígenas poderiam ser sobrepostas por fantasias agressivas de ciência, com imagens inconscientes repletas de mulheres nuas e raças não-brancas que, inevitavelmente, caem diante da espada, ou arma, ou punhos de um homem branco, “(...) um gênero com grande apelo aos leitores (e espectadores) juvenis (e juvenis no coração e na mente) e brancos de ficção científica, do passado e do presente”. Segundo Nevins, é por isso que Journey to Mars continua no anonimato e as histórias de John Carter continuam a ser lidas ainda hoje.

Capa de Atelier Sommerland (Gateway/Orion, 2015).

John Clute e Malcolm Edwards afirmam que o livro Edison’s Conquest of Mars (1898), de Garrett P. Serviss, poderia ter sido uma das obras influentes para o romance planetário, não tivesse sido simplesmente esquecida após ter sido publicada como um seriado em um jornal obscuro, o New York Evening Journal; a história ficou praticamente desconhecida até ser relançada como livro em 1947 quando, segundo os críticos, o livro “(...) demonstrou a profundidade dos impulsos que ajudaram a criar o gênero ficção científica na América”.
A história também é um exemplo do que ficou conhecido como “Edisonade”, termo derivado do nome do famoso inventor Thomas Alva Edison e que, segundo John Clute, que inventou o termo, é utilizado para descrever qualquer história do final do século 19 em diante que tenha como personagem central um herói inventor norte-americano, que utiliza seus inventos, não necessariamente armamentos, para resolver situações complicadas.
O livro de Serviss é uma sequência não autorizada de A Guerra dos Mundos (War of the Worlds, 1897), de H.G. Wells, apresentando marcianos humanoides que, como no livro original, morrem com uma bactéria terrestre. Mas, antes de morrerem, conseguem destruir completamente Nova York. Em seguida, estranhas luzes são vistas na superfície de Marte e uma nova invasão parece estar prestes a acontecer.
Edison estuda os instrumentos deixados pelos marcianos e consegue descobrir uma força que opera como uma fonte de antigravidade, construindo uma espaçonave ainda melhor e mais rápida do que as dos marcianos. Além disso, ele ainda inventa uma arma de desintegração. Os governos da Terra se unem para construir uma frota de espaçonaves e preparar a invasão de Marte. A invasão ocorre e, é claro, os terrestres vencem os marcianos depois de várias batalhas e ainda trazem de volta para casa uma mulher terrestre que havia sido capturada.
Os críticos também afirmam que o livro antecipa a space-opera ao descrever as batalhas espaciais entre os marcianos e os terrestres. Jess Nevins diz que o Edison da história também é um precursor dos cientistas enérgicos das histórias pulp. Além disso, segundo ele, a história troca o preconceito a favor dos brancos e o tóxico patriotismo americano das Edisonades clássicas por uma predisposição contra os alienígenas, e um formato de história que permite e até mesmo assume o triunfo da humanidade sobre esses alienígenas. “Essa fórmula”, diz Nevins, “seria repetida ad nauseum na ficção popular do século 20, dos pulps aos quadrinhos, da televisão ao cinema”.

Capa de Frank Frazetta (Ace Books, 1964); capa de Thomas Floyd (University of Nebraska Press, 2003); capa de Ron Miller (Baen, 2013).

Outro precursor citado por John Clute e David Langford é Lieut. Gullivar Jones: His Vacation (1905), de Edwin L. Arnold. O livro apresenta a história do personagem Jones, que viaja a Marte em um tapete mágico; lá, resgata uma princesa com a qual tem uma série de aventuras, e depois retorna à Terra. John Clute disse que “Com sua ênfase na aventura altamente colorida, pode ser o primeiro romance planetário genuíno. No prefácio da edição com novo título de 1965” (N.E.: com o título Gulliver on Mars; a data correta é 1964), “Richard A. Lupoff alega que essa história foi uma fonte para a série em Barsoom, de Edgar Rice Burroughs. A procedência é visível em retrospecto, e Burroughs pode ter de fato lido Arnold antes de 1912”. Posteriormente o título foi trocado, com o nome do personagem retornando ao original Gullivar.

Capa de Frank E. Schoonover (A. C. McClurg & Co., 1917).

Alguns críticos entendem que os livros de Edgar Rice Burroughs “inauguram” o gênero posteriormente chamado romance planetário, mas não é uma opinião geral. A começar com a publicação de Uma Princesa de Marte (A Princess of Mars), inicialmente na revista The All-Story entre fevereiro e julho de 1912, com o título Under the Moons of Mars, e posteriormente em livro, em 1917.
John Clute e David Langford disseram que a maioria das séries de FC de Burroughs podem ser consideradas como romances planetários, em particular as histórias situadas em Barsoom, ou Marte, mas foram inicialmente chamadas de “romances interplanetários”. Os críticos informam que o escritor e acadêmico Gary K. Wolfe definiu esse termo como sendo “(...) de modo geral, uma aventura situada em outro planeta, frequentemente primitivo”, além de entender que ele se restringe aos trabalhos feitos antes da Segunda Guerra Mundial.

Abaixo: capa de Roy Carnon (Four Square Books, 1961); capa de Bob Abbett (Ballantine Books, 1963); capa de Frank Frazetta (Nelson Doubleday/SFBC, 1970); capa de Gino D'Achille (Ballantine Books, 1975); capa de Michael Whelan (Del Rey/Ballantine, 1979).

 

Capa de Stockton Mulford (1924).

Alguns escritores da época seguiram as pegadas de Burroughs, como foi o caso de Ralph Milne Farley, em particular com sua série The Radio Man, publicada em quatro partes na revista Argosy All-Story Weekly entre junho e julho de 1924. Segundo John Clute e Peter Nicholls, inicialmente a história foi absurdamente apresentada pela revista como sendo “cientificamente precisa”, e mostra as aventuras do engenheiro Myles Cabot que, quando realiza uma experiência em sua residência, é teleportado para Vênus, onde é capturado por uma raça semelhante a formigas, que domina uma raça semelhante à humana. Cabot apaixona-se pela princesa humanoide e lidera uma revolta contra os dominadores.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            Capa de Robert A. Graef.

Otis Adelbert Kline foi outro autor do período que seguiu na esteira do sucesso obtido pelas histórias de Burroughs. Sua série situada em Vênus iniciou-se com Planet of Peril (1929), publicada em seis partes na revista Argosy All-Story Weekly. Na sequência vieram The Prince of Peril (1930), também em seis partes na Argosy, e Buccaneers of Venus (1932), publicado em seis partes na revista Weird Tales e, posteriormente, em livro com o título The Port of Peril (1949). As histórias apresentam as aventuras de Robert Grandon, que tem sua mente trocada com a de um habitante de Vênus, onde passa a lutar contra os opressores e casa-se com uma princesa.
Outra série de Kline relacionada ao romance planetário situa-se em Marte, iniciando com The Swordsman of Mars (1933), publicada em seis partes na revista Argosy; e The Outlaws of Mars (1933-34), publicada em sete partes, também na Argosy.

Abaixo: capa de Robert A. Graef; capa de J. Allen St. John (1932); capa de Robert A. Graef; capa de Robert A. Graef.

Capa de Jack Gaughan (Ace Books, 1964).

Robert E. Howard, mais famoso pela série de histórias com o personagem Conan (a partir de 1932), também apresentou um romance planetário em seu Almuric (1939), no qual um terrestre chamado Esau Cairn, que leva uma vida sem esperança na Terra, tem de fugir após assassinar um homem. É ajudado por um cientista que o transporta a um mundo chamado Almuric, onde enfrenta uma série de criaturas monstruosas e encontra lindas mulheres. A história foi apresentada inicialmente em uma série na revista Weird Tales e posteriormente em livro.

Apesar da importância dessas histórias para a formação da ficção científica e da fantasia, elas geralmente são consideradas como pertencentes mais ao campo da fantasia ou como antecedentes do que ficou conhecido como “espada e feitiçaria” (sword and sorcery).
A evolução para o romance planetário propriamente dito começou, segundo John Clute e David Langford, com a obra de Clark Ashton Smith, ou “(...) os contos enfeitados e decadentes de Clark Ashton Smith”. Sua obra também foi importante para o desenvolvimento do que foi chamado de science fantasy; e, ao considerarem suas histórias como os primeiros romances planetários, os críticos preferiram não considerar A Voyage to Arcturus (1920), de David Lindsay (ver na matéria Primeiros Poderes), por considerar o livro muito confuso em sua utilização de vários gêneros para poder funcionar como um exemplo claro.
O que Clark Ashton Smith fez, segundo Clute, foi criar o espaço mais favorável para o desenvolvimento do romance planetário; um planeta no estilo de um futuro distante, no qual magia e ciência se misturam. Clute e Peter Nicholls disseram que “(...) o estilo rico (às vezes idiomático, às vezes enfeitado, no modo dos primeiros trabalhos de Lord Dunsany) e a invenção barroca do seu trabalho fizeram muito para transformar o romance interplanetário dos primeiros anos do século no romance planetário experiente, que autores como Leigh Brackett também estavam formatando em um instrumento mais flexível”. Os romances planetários de Clark Ashton Smith foram reunidos por Lin Carter em quatro volumes para a Ballantine Books, mas as histórias têm mais a ver com um passado imaginário e místico da Terra do que com outros planetas, como é o caso de Zothique, que reúne histórias escritas entre 1932 e 1953.
No caso de Leigh Brackett, Clute e Langford disseram que “Ainda que seu trabalho para a Planet Stories tendesse a ser ostensivamente situado em Marte e Vênus, os romances planetários maravilhosos de Leigh Brackett enfatizavam versões desses planetas tão deslocadas de nosso história comum que eles pareciam descendentes do trabalho de Smith”.
No entanto, para os críticos, Brackett não chegou a explorar completamente os ambientes que Smith imaginou, de modo que eles consideram o primeiro romance planetário moderno de fato como sendo, provavelmente, The Dying Earth (1950), de Jack Vance, igualmente situado em um futuro tão distante que a Terra assemelha-se a outro planeta. O livro foi tão importante na FC que deu o nome ao subgênero “dying Earth”. Como disseram Clute e Langford, “(...) um livro que incorpora com sucesso no subgênero nosso próprio planeta, porém suficientemente próximo ao fim dos tempos para que a magia pareça plausível”. Segundo eles, apesar de sua importância no gênero – influenciando grande número de escritores, entre os quais Gene Wolfe com sua série O Livro do Novo Sol, que “(...) certamente é, em parte, um romance planetário” – The Dying Earth não apresenta qualquer argumentação racional de FC.

Capa de Walter Popp (1952).

Porém, outro livro de Jack Vance “(...) forneceu aos escritores de fc um modelo a explorar”. Eles estão falando de Big Planet (1957), publicado originalmente em 1952 na revista Startling Stories. George Mann (em The Mammoth Encyclopedia of Science Fiction), diz que o livro é “(…) um romance planetário que tornou real seu meio ambiente com uma profundidade de detalhes raramente vista no gênero naquela época, e definiu o modelo para muitas histórias de meio ambientes alienígenas a seguir. De fato, Big Planet e sua sequência, Showboat World (1975), são duas das melhores explorações de paisagens alienígenas no gênero.

Capa de David B. Mattingly (DAW Books, 1981); capa de Ed Emshwiller (Ace Books, 1967).

A história em si diz respeito a um grupo de astronautas humanos que estão abandonados em um imenso planeta em um sistema estelar distante. Eles precisam viajar por milhares de milhas na superfície desse mundo para encontrar segurança em um assentamento humano”. Clute e Langford dizem que a história situa-se em uma galáxia do tipo space-opera, em um mundo semelhante à Terra, porém enorme, com uma vastidão de terras suficiente para fornecer locais realistas para uma ampla variedade de sistemas sociais. O planeta tem poucos recursos minerais, e “(...) isso explica tanto sua gravidade reativamente baixa e permite o florescimento de uma grande variedade de sociedades com pouca tecnologia. Nesse meio ambiente rico – de um modo não diferente da entrada de visitantes a uma típica utopia – Vance introduz protagonistas de fora do mundo cuja necessidade de viajar pelo planeta fornece um enredo com uma busca, e um argumento para as lições de antropologia e sociologia tão comuns no formato. O padrão seria repetido frequentemente ao longo de muitas décadas seguintes, e permanece um dos modelos centrais para a FC romântica”.

Capa de Carl Lundgren (Berkley Books, 1983).

Segundo John Clute e David Pringle, o livro de Farmer, A Odisseia Verde, também pode ser considerado um dos definidores do subgênero, trazendo um jogo sofisticado com anacronismos e uma utilização efetiva do contraste entre diferentes níveis de tecnologia e, assim, começando a mostrar a quantidade de usos que o modelo básico poderia ter. O livro mostra um terrestre que consegue escapar da prisão em um planeta alienígena e “(...) a intrincada e exuberante cultura medieval desse planeta, a elevada libido de suas mulheres, os mistérios enterrados nas areias do deserto sobre o qual o herói precisa fugir, e a mescla de entusiasmo e repulsa com a qual o herói trata o local – tudo leva a sugerir que esse romance, juntamente com Big Planet, de Jack Vance, serviu como uma ponte entre a primeira floração do romance planetário nas mãos de autores como Leigh Brackett, e seu florescimento nos anos 1960, com o trabalho de Roger Zelazny e, depois, de Gene Wolfe”.

                                                                                                                                                      Capa de Melvyn Grant (Arrow Books, 1978).

Como os críticos lembram, entre os autores associados ao romance planetário, uma das mais conhecidas é Marion Zimmer Bradley, com sua série de histórias situadas no planeta Darkover (ver a matéria Poderes Construídos). John Clute diz que a série de romances e contos situados no planeta – escritos por Bradley e outras escritoras, como Marcedes Lackey, Adrienne Martine-Barnes e Deborah J. Ross – talvez seja a mais significativa sequência de romances planetários na moderna ficção científica, em que pese a existência de algumas inconsistências internas, talvez causadas pelo grande número de histórias apresentadas.
John Clute disse ainda que “A sequência é situada na extremidade de um império galáctico dominado pela Terra, uma arena de fc que se tornou cada vez menos importante ao longo dos anos, uma vez que a série intensificou seu foco, às vezes romanceado, nas famílias, grupos e dinastias ocupando o planeta Darkover ao longo de sua história”.

Capa de Bob Pepper (Signet/New American Library, 1971); capa de John Richards (Hamilton & Co., 1953).

Lyon Sprague de Camp também escreveu algumas histórias classificadas como romances planetários, em particular com a série de histórias que compõem suas Viagens Interplanetárias (ver a matéria Longe de Casa/ Colonização espacial). A série teve início com a publicação do conto A Fábrica dos Biscoitos em Feitio de Animais (The Animal-Cracker Plot, 1949), publicada na revista Astounding Science Fiction (no Brasil em Os Dentes do Inspetor). John Clute e Malcolm Edwards dizem que “(...) as histórias foram situadas principalmente em três mundos que circulam a estrela Tau Ceti e foram nomeados conforme os deuses hindus Vishnu, Ganesha e Krishna; o planeta Krishna era um mundo romanticamente bárbaro no qual de Camp pôde colocar, como ficção científica, o tipo de romance planetário que ele anteriormente tinha escrito como fantasia (...). Outros planetas orbitando outras estrelas incluem Osiris, Isis e Thoth”. Segundo eles, as histórias trazem uma combinação inteligente e exótica de aventuras, com um humor irônico, característico do melhor trabalho de Sprague de Camp, apesar de que não chegam a explorar muito profundamente as ironias românticas ou da condição humana, disponíveis aos ambiciosos autores do romance planetário.

Abaixo: Capa de Hubert Rogers, para o conto The Queen of Zamba (1949); (Ace Books); capa de Paul Alexander (Ace Books, 1982); capa de Ed Emshwiller (Ace Books, 1963); capa de Keith Roberts (Compact Books, 1966).


Muitas dessas histórias foram publicadas no livro The Continent Makers and Other Tales of the Viagens (1953), que no Brasil foi publicado em dois volumes com os títulos Construtores de Continentes e o citado Os Dentes do Inspetor. A história Calories surge em Sprague de Camp’s New Anthology (1953), e por sua vez é uma variação do conto Getaway on Krishna, publicado em 1951 na revista 10 Story Fantasy.

Abaixo: capa de Edd Cartier, ilustrando o conto The Hand of Zei (1950); capa de Ed Emshwiller (1963); capa de Ric Binkley (Avalon Books, 1958); capa de Paul Alexander (Ace Books, 1983); capa de J. Harston (Berkley/Putnam, 1977).

Abaixo: capa de Paul Alexander (Ace Books, 1982); capa de Victoria Poyser (Phantasia Press, 1982); capa de Paul Alexander (Ace Books, 1983); capa de Tom Kidd (Baen, 1991); capa de Tom Kidd (Baen, 1991).

Capa de Victoria Poyser (Phantasia Press, 1983).

Outras histórias:
The Queen of Zamba (1949), conto publicado em duas partes na revista Astounding Science Fiction. Também como as variantes Cosmic Manhunt (1953) e A Planet Called Krishna (1966); e ainda como livro com o título The Queen of Zamba (1977); The Hand of Zei (1950), publicado originalmente em quatro partes na revista Astounding Science Fiction, e em livro, em 1963; A Rainha Rebelde (Rogue Queen, 1951); The Virgin of Zesh (1953), originalmente na revista Thrilling Wonder Stories; The Tower of Zanid (1958), originalmente em quatro partes na revista Science Fiction Stories, e como livro no mesmo ano; The Search for Zei (1962), também com o título The Floating Continent (1966); The Hostage of Zir (1977); The Prisoner of Zhamanak (1982); The Bones of Zora (1983), com Catherine Crook de Camp; The Stones of Nomuru (1988), com Catherine Crook de Camp; The Swords of Zinjaban (1991), com Catherine Crook de Camp; The Venom Trees of Sunga (1992).

Abaixo: capa de Darrell K. Sweet (Del Rey/Ballantine, 1992); capa de Richard Powers (Doubleday, 1951); capa de Ed Emshwiller (Dell, 1952); capa de Philip Hagopian (Bluejay Books, 1985).

Alguns críticos entendem que o clássico Duna (Dune, 1965. Ver mais na matéria Novas Religiões), de Frank Herbert, pode ser classificado entre os romances planetários, mas não é uma opinião geral. John Clute e David Langford, por exemplo, disseram que Duna e suas sequências “(...) incorporam algumas características do romance planetário em sua mescla complexa”, mas não o consideram propriamente um exemplar do gênero. George Mann é mais específico, dizendo que Duna “não é” um romance planetário, “(...) mas um exercício completamente maduro de construção de um mundo, de engenharia imaginativa em uma escala nunca vista no gênero”. Seja como for, considerado ou não como um romance planetário, é uma das mais impressionantes construções de um ambiente planetário extraterrestre da ficção científica.
O que os críticos concordam é que existem muitas histórias que podem ser consideradas como romances planetários, em sua totalidade ou, pelo menos, em parte.

Abaixo, apresentamos mais alguns livros do gênero.


SÉRIE DRAGÕES DE PERN
Anne McCaffrey.
(Ver a matéria Poderes Alienígenas)


TRILOGIA HELLICONIA
Brian W. Aldiss.

Capa de Albrecht Altdorfer (Atheneum, 1982).

Uma das obras mais importantes de um dos mais importantes escritores da ficção científica. A trilogia é formada pelos livros: A Primavera de Helliconia (Helliconia Spring, 1982); O Verão de Helliconia (Helliconia Summer, 1983); O Inverno de Helliconia (Helliconia Winter, 1985); os três publicados em português pela Argonauta, de Portugal.
A história situa-se milhares de anos no futuro e abrange a história do planeta Helliconia, que gira em torno de um sistema estelar binário, o que faz com que um ano no planeta dure o equivalente a 2.500 anos terrestres, com estações que duram muitos anos. Existem duas raças predominantes no planeta e todos os eventos ocorridos ali são observados por terrestres a bordo da estação espacial Avernus, com as imagens sendo transmitidas para a Terra, onde chegam milhares de anos depois dos eventos, e são avidamente acompanhadas pela população.

Capa de Tim Gill (Triad Granada, 1983); capa de Mon Mohan (Jonathan Cape, 1983).


As mudanças de estações também implicam uma alternância no poder entre as duas raças inteligentes do planeta, cada uma melhor adaptada para uma das estações. Os eventos no planeta causam transformações não apenas na população local, mas também afetam os terrestres na estação Avernus, e ainda têm impacto na própria Terra.
David Langford comenta que esse tipo de situação, na ficção científica geralmente chamada de Ano Longo (Great Year ou Long Year), “(...) cujas estações têm a duração de muitos anos normais da Terra, gerações ou tempos de vida, surgem em uma série de trabalhos de fc como um tipo de literalização das teorias da história cíclica no contexto do romance planetário”.

Abaixo: capa de Oliviero Berni (Berkley Books, 1984); capa de Tim Gill (Triad Panther/Granada, 1985); capa de Albert Bierstadt (variação de Among the Sierra Nevada, 1868. Atheneum,  1985); capa de Tim Gill (Triad Panther/Granada, 1986); capa de Oliviero Berni (Berkley Books, 1987).


Os livros abrangem uma série de aspectos da sociedade e geografia planetária, uma obra para a qual Aldiss teve de fazer uma pesquisa intensa e contou com a ajuda de alguns especialistas.
John Clute e David Pringle disseram que “Como um exercício na construção de um mundo, os livros Helliconia situam-se de modo inegável no coração da moderna fc; como uma demonstração das complexidades inerentes no modo do romance planetário, quando levado a sério, eles são exemplares; como um pensamento Heraclitiano a respeito das implicações do Longo Ano para as pretensões humanas, eles são (como é comum no trabalho de Aldiss) heterodoxos”.


A WOMAN OF THE IRON PEOPLE
1991
Eleanor Arnason.

Capa de Gary Ruddell (William Morrow/SFBC, 1991).

Segundo a explicação do escritor e professor especializado em fc John Garrison, no site Strange Horizons (2004), o livro se ajusta perfeitamente ao tipo de ficção científica que apresenta um narrador que é um antropólogo, como ocorre, por exemplo, com A Mão Esquerda da Escuridão, de Ursula K. Le Guin.
O planeta no qual a história se situa fica no sistema da estrela Sigma Draconis, cerca de 19 anos-luz da Terra. A narradora é Lixia, terrestre, enviada ao planeta para estudar seus habitantes humanoides, divididos em várias tribos primitivas que se identificam a partir de seus trabalhos, e Lixia entra em contato com a personagem Nia, do Iron People. Essas tribos também têm diferentes costumes relativos aos gêneros e comportamentos sexuais.
Segundo Garrison, a dúvida de Nia com relação a seu relacionamento com um homem de sua espécie está “(...) no centro desse refinado livro que põe em causa noções de diferença sexual, monogamia, família e outras convicções fundamentadas em concepções sobre gênero”. Garrison observa que um dos pontos interessantes do livro é que enquanto os humanos estão observando e comentando os comportamentos dos locais, estes também estão observando as excentricidades dos comportamentos terrestres, um processo que é o centro do romance, ou seja, que o conceito do que seja o normal é baseado na percepção de cada pessoa e no contexto cultural.
O livro ganhou o Otherwise Award, antigamente chamado James Tiptree Jr. Award, ofertado a obras que exploram e expandem o entendimento de gênero.


HISTÓRIAS DE MAJIPOOR
Robert Silverberg.

Capa de Ron Walotsky, ilustrando a história Lord Valentine's Castle (1979); capa de Barclay Shaw, ilustrando a história Lord Valentine's Castle (1979).

Série de histórias de Silverberg situadas no planeta Majipoor, iniciando com O Castelo de Lorde Valentine (Lord Valentine’s Castle, 1980), inicialmente publicado em 1979, em quatro partes, em The Magazine of Fantasy & Science Fiction (em português, pela Argonauta, de Portugal). Na sequência foi publicado As Crônicas de Majipoor (Majipoor Chronicles, 1982), reunindo vários contos situados no planeta, também publicado em português pela Europa-América FC, de Portugal; Valentine Pontifex (1983); The Mountains of Majipoor (1995); Sorcerers of Majipoor (1997); The King of Dreams (2001); Tales of Majipoor (2013).

Abaixo: capa de Jim Burns (Gollancz, 1982); capa de Jim Burns (Bantam Books, 1983); capa de Jim Burns (Macmillan UK, 1995); capa de Barclay Shaw, para o conto The Desert of Stolen Dreams, também publicado em As Crônicas de Majipoor (1981); capa de Joe Burleson, para Calintane Explains, também publicado em As Crônicas de Majipoor (1982).

Capa de Ron Walotsky (Harper & Row, 1980).

Segundo Brian Stableford e John Clute, o final dos anos 1970 anuncia um retorno de Robert Silverberg à escrita, marcando significativamente uma nova fase, com O Castelo de Lorde Valentine, um livro “(...) abundantemente extenso ainda que às vezes particularmente uma moderada fantasia de ciência, que ganhou um Prêmio Locus pelo melhor romance de fantasia”. Adam Roberts também não demonstra muito entusiasmo com as histórias de Majipoor. Ele diz que O Castelo de Lorde Valentine “(..) é uma aventura agradável de se ler e um tanto pretensiosa, ambientada em um ‘grande planeta chamado Majipoor’ ao estilo de Vance, que envolve, entre muitas outras coisas, decepções, sonhos, turismo, intriga política e batalhas com monstros”.


COURTSHIP RITE
1982
Donald Kingsbury.

Capa de Rowena Morrill (Timescape Books, 1982).

História situada no planeta Geta, colonizado por humanos há milhares de anos. No momento da história, existem apenas lendas e mitos sobre a origem do povo local, os descendentes dos primeiros colonos, que conseguiram se adaptar a um ambiente um tanto hostil. Existem vários mares e a maior parte da área terrestre é desértica, uma vez que um processo de terraformação do planeta jamais foi finalizado. O planeta é pobre em metais, o que impediu um grande avanço tecnológico, mas aparentemente uma parte do conhecimento do grupo inicial de humanos permaneceu, de modo que os habitantes são especialistas em genética e biologia, desenvolvendo imensamente a bioengenharia. Outro aspecto de sua sociedade é que ocorrem períodos de escassez de alimentos, de modo que eles desenvolveram um ritual de canibalismo; como a sobrevivência do grupo é mais importante do que a individual, entende-se que os mais fracos e menos capazes devem alimentar os mais fortes nesses períodos.
Segundo John Clute, o livro faz parte de uma “história futura” elaborada pelo autor, com Courtship Rite, seu primeiro livro, situando-se no meio dessa história futura. Para ele, o planeta Geta é um local complexo e amplo o suficiente para conter várias culturas beligerantes, com temas variados sendo abordados: grupos de casamento complicados; uma justificação ética e ecológica para o canibalismo; e o culto a um Deus no céu, que na verdade é a nave que semeou o mundo e agora continua em órbita, e que recompensa o culto fazendo chover chips de computador cheios de dados importantes. David Pringle disse que o autor desenvolveu uma robusta história de antropologia imaginária.
Também foi publicado com o título Geta.


PENNTERRA
1987
Judith Moffett.

Capa de Bryn Barnard (Congdon & Weed, 1987).

O livro aborda a relação de colonos humanos e os habitantes nativos de um planeta que os terrestres chamam de Pennterra. Os colonos são quakers e eles chamam os habitantes locais de hrossa, um nome baseado nos marcianos citados por C.S. Lewis em Além do Planeta Silencioso – uma escolha, segundo John Clute, estranha, dada a aversão de Lewis por material sexual. Aqui, os hrossa são emissores de feromônios, o que leva a uma série de atividades sexuais intensas dos personagens.
É o primeiro livro de Moffett, e “(...) teve proeminência imediata”, diz Clute, “parcialmente devido à violenta clareza sexual de algumas cenas entre humanos e os hrossa”.
Quando os quakers chegam ao planeta, são alertados pelos hrossa de que só podem permanecer se seguirem algumas instruções, entre elas a de permanecer no vale em que se encontram, a de não aumentarem o número original de habitantes, ou seja, não procriar indiscriminadamente, e de não utilizarem tecnologias invasivas. E as coisas parecem dar certo, até a chegada de um segundo grupo que, ao contrário dos quakers, pretende manter os comportamentos terrestres que acabaram por poluir a Terra de forma letal.


NEVERNESS
1988
David Zindell.

Capa de Loretta Trezzo (Donald I. Fine, 1988); capa de Don Dixon (Bantam Spectra, 1989); capa de Stephen Youll (Bantam Spectra, 1994).

A história situa-se milhares de anos no futuro, com a galáxia tendo 30 mil mundos civilizados. A ligação entre eles é feita pelos “pilotos”, uma classe de matemáticos, os únicos com as habilidades para realizar as viagens espaciais. Eles estão ligados a uma Ordem. Localizada na cidade de Neverness, em um planeta que, segundo John Clute, tem relação com os mundos criados por Jack Vance e Gene Wolfe, ligados ao romance planetário, criando uma plataforma para narrativas sérias e ambiciosas. É assim que a história apresenta o personagem Mallory Ringess, um jovem piloto que embarca em uma viagem que, segundo Damien Broderick e Paul Di Filippo (em Science Fiction: The 101 Best Novels 1985-2010), é “(...) uma jornada envolvendo nada menos do que o segredo de como a humanidade pode assegurar sua própria sobrevivência, florescimento e transcendência”.
O livro teve como sequência a trilogia A Requiem for Homo Sapiens, formada por The Broken God (1992), The Wild (1995) e War in Heaven (1998), uma sequência que, segundo John Clute, é “(...) um exemplo extremamente ambicioso da fc épica de cosmogonia (uma história – geralmente contendo alguma mistura de enredo de space opera e romance planetário – cuja vida do protagonista o leva ao encontro de questões escatológicas acerca das origens, a natureza ontológica e o fim da galáxia ou do universo)”.