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AS MENTIRAS DE LOCKE LAMORA

Livros

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data11/06/2014
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O livro é a estreia de Scott Lynch, tido como um dos mais brilhantes autores de fantasia das novas gerações.

Mais uma série de livros de fantasia começa a ser publicada no Brasil, pela Editora Arqueiro. Trata-se da sequência "The Gentleman Bastard", traduzida como "Nobres vigaristas". O primeiro volume é As Mentiras de Locke Lamora, e o autor é Scott Lynch, apresentado por George R.R. Martin como “... uma nova e brilhante voz da ficção fantástica”.
Geralmente, sou impermeável ao aval de escritores conhecidos, publicado na contracapa dos livros. Mas nesse caso resolvi conhecer porque... bem, é o George R.R. Martin.
Ainda bem, porque realmente trata-se de um dos mais inventivos, criativos e interessantes livros do gênero, especialmente se considerarmos a enxurrada de livros de fantasia para adolescentes que têm sido lançados no Brasil (e no mundo, é claro), trazendo uma xaropada de clichês, seja com relação aos relacionamentos, seja na ação em si.
Aqui, a história é outra, e a babação adolescente não tem vez. O mundo elaborado por Scott Lynch é complexo, os personagens não são unidimensionais, e o pau come solto. Neste primeiro volume somos apresentados a Locke Lamora, o personagem central, e à cidade onde vive, Camorr, situada num mundo desconhecido.
Nesse mundo existem outros estados e cidades que, no passado, faziam parte de um império, agora dividido. Na cidade ainda existem construções, prédios, pontes e outros objetos que não foram elaborados pelos atuais moradores, mas deixados por um povo que desapareceu e do qual nada se sabe, a não da qualidade superior de seus conhecimentos.
Lynch disse que baseou sua Camorr na Veneza medieval. A cidade é dividida em bairros dos nobres e ricos, e aqueles dos mais pobres, dominados por gangues de ladrões, cada qual especializada em um tipo de ação. As próprias gangues obedecem a um chefe supremo e não roubam dos nobres que, assim, garantem que elas continuem existindo.
Locke Lamora inicia sua história nesse ambiente aos cinco anos de idade, quando já é capaz de articular planos elaborados para sobreviver entre os mais fortes. Por uma série de circunstâncias, ele é entregue ao Padre Correntes, líder de uma das inúmeras religiões locais, e lá é iniciado na arte dos Nobres Vigaristas, cuja única função é dar golpes extremamente bem elaborados. E, mais do que isso, eles só roubam dos nobres ricos, contrariando a paz secreta estabelecida entres estes e os líderes das gangues.
A inventividade de Locke, a facilidade que tem com as palavras, sua arrogância e desprezo diante do perigo, dão o tom das aventuras. Ele está sempre por um fio, quase se dando mal, quase sendo morto, mas conseguindo encontrar alguma saída espetacular. Ou quase.
Não é um ambiente em que a magia tenha presença constante; ao contrário, ela está restrita a uma ordem de Magos Servidores. Eles têm o conhecimento das artes mágicas e não o dividem com ninguém, mas prestam serviços – não importa quais – a quem pagar. E se um deles for morto, os demais não vão parar enquanto não matarem o assassino. Resumindo, não são caras muito legais.
O livro é maravilhoso, delicioso, alternando a narrativa entre o presente e o passado. No presente, Locke enfrenta imensas dificuldades ao encarar uma figura misteriosa que ameaça Camorr, o Rei Cinza; no passado, vamos conhecendo mais a personalidade de Locke e seus amigos, assim como de todas as histórias, reais ou lendárias, que envolvem Camorr e as demais cidades desse mundo.
O segundo volume da série foi Red Seas Under Red Skies (2007) e o terceiro The Republic of Thieves (2013), e outros estão programados para o futuro. É a praga das sequências ou séries de livros (e filmes) que invadiu o mercado nos últimos anos. A vantagem, no caso dos bons trabalhos, é ter mais histórias interessantes para ler. A desvantagem é ter de esperar, como deve ter ocorrido com os leitores em inglês, com um intervalo de cinco anos entre o segundo e terceiro volume. O autor teve uma crise de depressão, divorciou-se e teve o chamado “bloqueio de escritor”.
O legal de As Mentiras de Locke Lamora é que, mesmo sendo um de vários livros, pode ser lido independentemente, uma vez que a história tem um fecho, ainda que preparando para mais aventuras.

As Mentiras de Locke Lamora (The Lies of Locke Lamora, 2006)
Scott Lynch
Editora Arqueiro
464 páginas