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NAVES NO ESPAÇO

ESPECIAIS/VE AS ESPAÇONAVES DA FC

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data17/12/2019
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Para alguns críticos, as naves espaciais compõem um tema fundamental na história da ficção científica.

Desilu Productions/ Norway Corporation/ Paramount Television

Minha memória mais antiga – ou, pelo menos, a mais antiga que consegui acessar – referente à imagem de uma nave espacial é a da capa do álbum de figurinhas "Céu e Terra". A publicação é de 1959, época em que eu tinha três anos, mas quem colecionava era meu irmão, e é possível que eu tenha visto o álbum um pouco mais tarde. De qualquer forma, eu era muuuuito pequeno, um Gilbertinho insignificante, e sem qualquer conhecimento do que era a ficção científica. Mas a imagem permaneceu.

Ilustração de espaçonave da Space X (Space Exploration Technologies Corp.)

Quando comecei a me interessar por ficção científica, tanto pelos livros quanto pelos filmes e seriados, percebi que esse tipo de nave espacial, um foguete que decolava e aterrissava verticalmente (ou alunissava, ou planetissava em algum mundo), foi uma marca importante das histórias do gênero, talvez desde seus primórdios, estendendo-se aos anos 1960, ainda que já em menor quantidade. Depois, esses foguetes foram quase completamente esquecidos na ficção, às vezes tidos como improváveis ou mesmo impossíveis de serem construídos, até que, recentemente, a SpaceX, empresa de Elon Musk, fez com que os pousos verticais se tornassem realidade (pelo menos para o primeiro estágio da nave).
E é interessante notar que as naves de pouso vertical tenham se tornado realidade em uma época em que as histórias de ficção científica expandiram os modelos imaginários de espaçonaves para formatos que, nos primórdios do gênero, na época dos foguetes, eram impensáveis, como as naves conscientes de Justiça Ancilar (Ancillary Justice, 2013), de Ann Leckie, ou as bionaves, as naves biológicas, como as espaçonaves alienígenas imaginadas por Octavia E. Butler em sua série Xenogenesis, que iniciou com o livro Despertar (Dawn, 1987).

                                                              O Planeta Proibido (Metro-Goldwyn-Mayer).

Os tipos mais antigos de naves espaciais da FC moderna – os foguetes, como eram chamados –, acompanharam minhas aventuras pela ficção científica ao longo dos anos 1960, com os filmes a que assistia, especialmente na televisão, em capas de livros e, eventualmente, em revistas. Claro que já surgiam outros tipos de naves, como as circulares, seguindo a tradição dos populares discos-voadores; foi assim, por exemplo, com a nave C-57D, do filme O Planeta Proibido (Forbidden Planet, 1956), um cruzador dos Planetas Unidos; ou com o Júpiter 2, do seriado Perdidos no Espaço (Lost in Space, 1965-1968).
As naves espaciais de pouso vertical realmente marcaram bastante a FC, desde Destino à Lua (Destination Moon, 1950) até os filmes italianos dos anos 1960, geralmente com efeitos especiais bem ruins. Porém, elas conviveram com algumas tentativas de mostrar formas diferentes de espaçonaves.

Amazing Stories, 1939 (Capa: Julian S. Krupa).    Astounding Stories, 1937 (Capa: Howard V. Brown).

O aspecto visual das naves é parte importante na formação do imaginário popular, desde as ilustrações para o livro Da Terra à Lua (De la Terre à la Lune, 1865), de Júlio Verne, passando pelas capas das revistas pulp a partir do final do século 19 e estendendo-se ao século 20, pelos quadrinhos de Flash Gordon (1934) e outros personagens, pelas capas de inúmeros livros e pelos efeitos especiais dos filmes e seriados de ficção científica.
As naves da ficção científica continuam sendo uma atração à parte e estão entre os principais interesses dos que acompanham o gênero. Uma pesquisa no Google pode ser uma boa indicação desse interesse; são inúmeros sites, blogs e matérias a respeito das naves especiais, as mais rápidas, as maiores, as 5 mais legais, as 10 mais legais, as “x” mais diferentes; e as discussões sobre se as naves são possíveis ou não de existirem, se têm fundamento na ciência e tecnologia. E por aí vai, com centenas ou milhares de discussões, para quem gosta de discutir esses detalhes.
Para quem apenas quer curtir ficção científica com boas (ou nem tão boas) histórias, se as naves são factíveis ou não é o de menos. Quando acompanhava a série Jornada nas Estrelas, nos anos 1960, nunca me preocupei com o fato de que os membros da tripulação não flutuavam dentro da nave; ela tinha algum tipo de tecnologia que impedia que isso acontecesse, e pronto!

A nave de Flash Gordon Conquista o Universo, de 1940 (Universal Pictures).

O escritor, crítico e historiador da FC, Brian Stableford, disse que o voo espacial é o tema clássico da FC. “É natural”, ele disse, “que a FC teria de ser simbolizada pelo tema do voo espacial, já que a FC se preocupa, primeiramente, em transcender fronteiras imaginativas, libertando-se da força gravitacional que mantém a consciência em um centro tradicional de crença e esperança”. Stableford ainda entende que a forma pela qual o voo espacial tem sido alcançado no gênero sempre foi de importância secundária para o impacto mítico do tema.

                                                                                Ilustração de Hubert Rogers para a Astounding Science-Fiction, agosto de 1940.

E, ainda assim, as naves, como tantos outros ingredientes da FC, tornaram-se de suma importância nas histórias. O autor de FC, Harry Harrison, escrevendo para The Encyclopedia of Science Fiction, editada por Robert Holdstock, disse que, na ficção científica, os equipamentos são vitais para a existência do gênero, entendendo que “(...) certamente, é a única forma de ficção que ousa ter uma máquina ou uma ideia como herói”. E ainda, segundo ele, uma rápida observação da arte de ficção científica antiga revela que a primeira peça de equipamento era a máquina voadora. Claro que nem todas as “máquinas voadoras” podem ser comparadas com as espaçonaves de vários tipos que inundaram a FC, mas são suas precursoras, e o conceito inicial de Harrison vale também para os foguetes e naves que se tornaram ingrediente tão essencial nas histórias.

O "space gun" que dispara a nave em Daqui a Cem Anos (London Film Productions).

Harrison disse que as naves espaciais são, hoje, o símbolo clássico da ficção científica, mas que elas entraram em cena bem mais tarde, uma vez que as primeiras histórias apresentavam veículos diferentes, como foi o caso da viagem à Lua imaginada por Júlio Verne em 1865; não se tratava exatamente de uma espaçonave como entendemos hoje em dia, uma vez que os viajantes foram disparados de um canhão gigantesco. E mesmo H.G. Wells, em seu Os Primeiros Homens na Lua (The First Men in the Moon, 1901), imaginou o desenvolvimento de um novo material, o cavorite, capaz de criar uma espécie de campo antigravitacional, o que permite que a “nave” terrestre chegue à Lua. E até no filme Daqui a Cem Anos (Things to Come, 1936), com história e roteiro do próprio H.G. Wells, repete-se o lançamento de uma nave para a Lua utilizando o processo de disparo por um imenso canhão, o chamado space gun (ou arma espacial).

As naves são uma parte importante da ficção científica, na literatura, no cinema, nos seriados de TV, nos quadrinhos, nas ilustrações. Elas são os veículos que nos permitem sonhar com o espaço, com outros mundos, com o contato com seres alienígenas, com a expansão da sociedade humana em direção ao cosmo. Representam a possibilidade de crescimento, individual ou como raça, a chance de, ao sair do planeta, procurar indicações sobre quem somos, por que estamos aqui ou, como propunha o Monty Python, qual o sentido da vida?

                                                                                                              Startling Stories, 1939 (Capa: Howard V. Brown).

Também podem ser simplesmente os veículos de uma necessidade biológica da raça humana em perpetuar-se, em continuar. Assim, também são os veículos da colonização, das guerras interplanetárias, das destruições de vários tipos, ou seja, da extensão e ampliação do que há de melhor e de pior na humanidade.
E, é claro, também servem aos propósitos, às vezes inimagináveis, incompreensíveis, de civilizações alienígenas. Podem nos ajudar ou nos destruir, facilitar nossas vidas ou torná-las insuportáveis, dependendo da intenção e objetivos dos extraterrestres que porventura encontremos pelo caminho, ou que nos encontrem no caminho deles.
Como disse acima, a história das naves espaciais na ficção científica me parece ser, em grande parte, visual. O desenho das naves não só é o que chama mais a atenção, mas também é o que desperta o interesse do público, antes que as pessoas leiam a história ou vejam o filme. E, hoje, talvez seja mais significativo do que nunca, em uma sociedade em que o aspecto visual é cada vez mais destacado.
Desde que as ilustrações e descrições de espaçonaves surgiram, a variedade de formatos (e funções) à disposição dos autores tornou-se impressionante. Inúmeros artistas dedicaram-se a imaginar as mais diferentes espaçonaves, às vezes com resultados maravilhosos, outras vezes, nem tanto.
Nas matérias seguintes, vamos procurar contar um pouco dessa história.